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13/12/2013

Crônica Completa de Lima Barreto

 Lima Barreto - Contos Completos - Iba Mendes
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Lima Barreto: Crônica e Política

Lima Barreto era uma das vozes dissonantes deste projeto  republicano modernizador do país. Em crônica feita sobre os  planos do prefeito Carlos Sampaio, Lima escreve:  “Vê-se bem que a principal preocupação do atual prefeito do Rio  de Janeiro é dividi-lo em duas cidades: uma será a européia e a outra  indígena”.

Escreve Maria Zilda Ferreira Cury, em seu livro Um mulato  no Reino do Jambon: as classes sociais na obra de Lima Barreto:  “Não podemos esquecer que os primeiros escritores da literatura  portuguesa foram cronistas e que alguns de nossos melhores poetas  hoje dedicam à crônica uma considerável parte de sua produção [e que]  o jornalismo se insere em algumas das obras mais significativas de  Lima Barreto como uma microrrepresentação do próprio mundo na obra   representado, ratificando de maneira flagrante as contradições no  complexo social”.

Lima Barreto, com o uso de uma linguagem mais próxima da  oralidade, mostra ao leitor de sua crônica a ideologia  dominante e o quanto estava voltado para seu tempo, para os  embates e os conflitos da sociedade deste tempo, no espaço de  sua cidade. Osman Lins pontua que:

“Esses artigos e crônicas, alguns violentos, outros cheios de  delicadeza e quase todos repassados de humor — revelando Lima Barreto  com lentes de aumento deformantes, absurdos que um tratamento mais  comedido deixaria indenes —, formam decerto um acervo de grande  interesse documental e literário. Abrigam flagrantes numerosos,  variados e vivos da nossa vida política e mundana do primeiro quartel  de século, do nosso movimento literário (...) e das transformações  ocorridas na aparência do Rio (...) e como atrativo suplementar  revelam o escritor no ato de mesmo de reagir e opinar”.

Registrar é criar memórias da história humana, é tornar  possível que cada geração se aproprie da bagagem cultural  produzida ao longo de todo o desenvolvimento de nossa espécie.  O registro possibilita que se revisitem fatos e idéias, que se  reflita sobre cada um destes fatos e idéias, ou da história das  idéias (Neves, 1992, pp 76-77).

Registrar em um especial tipo de linguagem, a literária,  acessa a chave da imaginação, que lida com a rotina do homem,  com suas grandezas e fraquezas. Aquele que registra e escreve,  aquele que é escritor, sabe, de antemão, que seu escritos, seu  registros, servirão para:

“Fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e se considerar  inocente diante dele. Sabe que ele é o homem que nomeia aquilo que  não foi nomeado. (...) O escritor engajado sabe que a palavra é ação,  ideologia, e que o uso que dela faz é político, (...) provoca  indignação ou entusiasmo em seu leitor. (...) Toda obra literária é  um apelo. Escrever é apelar ao leitor para que este faça passar à  existência objetiva o desvendamento que empreendeu por meio da  linguagem”.

O escritor-cronista expressa-se por um discurso especial,  que contém suas impressões e sua memória. Ambas estão  encerradas ali, em seu discurso, como se camadas fossem,  repletas de outras camadas e outras camadas, de histórias,  culturas, e muitas significações para estas histórias e  culturas, individuais e depois coletivas. É este escritor,  sobretudo o cronista, um homem-memória, na definição de  Margarida de Souza Neves:  “Cronistas (...) são ‘homens-memória’ e desempenham seu ofício  como autores e intérpretes da memória coletiva. (...) e a crônica é  um elemento constituidor de um imaginário social. (...) A crônica  estabelece um curioso diálogo com o leitor, do qual dão testemunho  cronistas de temporalidade distintas”.

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Fonte:
Cristina Nunes de Sant´Anna: O cronista Político Afonso  Henrique de Lima Barreto”. (Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em   Ciência Política da Universidade Federal Fluminense -  UFF, como requisito parcial para a obtenção do Grau de   Mestre).Niterói, 2008

30/11/2013

Contos Completos de Lima Barreto

 Lima Barreto - Aventuras do Dr. Bogoloff - Iba Mendes
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O homem que sabia javanês

Talvez um dos melhores contos de Lima Barreto, "O homem que sabia  javanês" fala da trajetória de um cônsul que chegou à posição fazendo crer a todos que  sabia falar javanês. Mais que isso, logrou ser tomado como um expert na literatura de  Java e por conta desse inusitado conhecimento ascende socialmente de forma meteórica.

Como em "Teoria do medalhão", o autor optou pelo formato do "diálogo", embora,  como no primeiro caso, a narrativa lembre mais um monólogo, visto que as  interferências do interlocutor são mínimas e sobretudo com a função de dar  continuidade ao discurso do narrador.

Em uma situação financeira difícil, o narrador-personagem se decide, por  desespero de causa, a se passar por professor de javanês e responde a um anúncio de  jornal que procurava um profissional desse tipo. Embora nada soubesse da língua,  aprendeu o alfabeto e algumas poucas palavras em javanês, o bastante para simular  certo conhecimento e impressionar seu "aluno" que, como o leitor comprova mais tarde,  desconhecia totalmente o idioma. Em um ambiente em que o javanês era absolutamente  ignorado, seu estratagema não somente funciona como faz dele uma celebridade no  assunto.
Por meio da manipulação e de atitudes bem calculadas, Castelo, o pretenso  professor de javanês, ganha respeitabilidade, reconhecimento público e atinge altos  cargos com direito a regalias especiais, como viajar a Europa para representar o Brasil  num congresso de linguística. Ele, protagonista-narrador do conto, descreve seus  truques de esperteza para manter o status que conquistou à custa de uma farsa, protegida  pelo fato de possuir um conhecimento inacessível à maioria. Além disso, também  investe em duplicar suas pretensas habilidades, tratando de promovê-las, como no  episódio em que faz publicar e circular um artigo acerca de si próprio, durante sua  estada na Europa. Como bom discípulo da teoria do medalhão, Castelo põe em prática  um de seus mandamentos: "Uma notícia traz outra: cinco, dez, vinte vezes põe o teu  nome ante os olhos do mundo".

O conteúdo crítico desse conto não é raro na obra de Lima Barreto. De uma  forma geral, ilustra sua conhecida aversão ao culto ao "doutor" no Brasil de seu tempo,  como também serve como comentário à sua eterna crítica à imprensa supérflua, pródiga  em promover um grupo de pessoas de acordo com seus próprios interesses e sem  quaisquer compromissos com a verdade. Muitas de suas obras, aliás, tocam nessas duas  questões como temas principais. É o caso de Numa e a ninfa e Recordações do escrivão Isaías Caminha, ou ainda do conto "O jornalista", mas de fato são temas recorrentes na  maioria de seus trabalhos, incluindo crônicas e artigos de opinião, nos quais, como se vê
a seguir, ele costumava ser bastante ácido:

Essa birra do "doutor" não é só minha, mas poucos têm a coragem de  manifestá-la. Ninguém se anima a dizer que eles não têm direitos a  prerrogativas e isenções porque a maioria deles é de ignorantes. E que  só os sábios, os estudiosos, doutores ou não, é que merecem as  atenções que vão em geral para os cretinos, cheios de anéis e  empáfia.

A denúncia de Lima Barreto contra os privilégios oferecidos aos detentores de  títulos universitários quase sempre vem carregada de uma mágoa perceptível, mesmo ao  leitor mais desatento. Por isso, aos críticos que buscam explicações em sua conturbada  biografia, resta sempre a suspeita de que algumas de suas ideias sejam deturpadas pelo despeito, pela infelicidade de ele próprio não ter conseguido concluir os estudos a que  um dia teve acesso. Por outro lado, também é fácil deduzir que muitos de seus artigos,  ainda os mais fundamentados, não eram caros a pessoas importantes que, vendo a si  mesmas como alvo de tal crítica, menos abririam as portas ao escritor, numa sociedade  acostumada ao binômio bajuladores e pistolões.

Para Sevcenko, a investida de Lima Barreto contra a imprensa, já em seu  primeiro livro publicado (Recordações do escrivão Isaías Caminha), era parte de um  projeto literário deliberado, não mero ressentimento de alguém que teria sido rejeitado  por esse grupo:

O desígnio maior de sua obra parece ter sido exatamente esse de  desvendar o jogo de desmaracamentos que envolvia por completo  tanto o âmbito político quanto a cena literária brasileira. [...] O  escritor, em suma, fez a mais contundente crítica às instituições ocas,  com que se travestia o regime de autoritarismo, conluios secretos,  brutalidade e segregação social e étnica, conhecido com a Primeira  República.

 A forma cômica com que a crítica se apresenta no conto aqui analisado e as  vestes metáfóricas do falso professor de javanês, por sua vez, convidam a uma reflexão  mais direta e contundente sobre o seu ponto de vista tantas vezes demonstrado e a uma  comparação inevitável aos fatos que cotidianamente ocorriam no Rio de Janeiro, ou no  Brasil, de então. Sem se referir a esta ou a aquela personalidade nominalmente, Lima  aborda a mentalidade geral que dominava repartições de governo, instâncias  burocráticas, imprensa e mesmo os seletos grupos intelectuais.

Ao lado do Castelo do conto, há outros lendários personagens, como por  exemplo o russo Dr. Bogaloff. O tom caricatural de tais personagens tinha por trás uma  análise sensata, que joga por terra a ideia simplista de que sua crítica reflete tão somente  uma mágoa pessoal contra muitos de seus antigos colegas de Politécnica que se  tornaram figuras de prestígio na sociedade carioca. Lima Barreto, na realidade,  demonstra ter uma visão mais ampla desses problemas. A propósito dos  estabelecimentos de ensino universitário no Brasil, por exemplo, diz:

[S]ão verdadeiras oficinas de enobrecimento, para dar títulos,  pergaminhos – como o povo chama os seus diplomas, o que lhes vai a  calhar – aos bem nascidos pela fortuna ou pela posição dos pais. [...]  Armados com as tais cartas, os jovens doutores podem se encher de  várias prosápias e afastar concorrentes mais capazes.

 A crítica de Lima Barreto insistentemente chama a atenção para denominações  errôneas, que constroem celebridades sem conteúdo ou base. A aversão aos títulos  estende-se ainda à mania de chamar aos médicos ou engenheiros de cientistas. Segundo  ele, esses profissionais são práticos de ofícios que se valem de dados de "tais ou quais  ciências", o que não significa absolutamente que sejam cientistas, algo muito diverso.

O fato é que como pouco se sabia sobre o verdadeiro trabalho científico, um grupo  poderia se apropriar do termo e do prestígio a ele associado, tanto quanto o fez Castelo  com o idioma javanês.


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Fonte:
Selma Vital: “O medalhão que sabia javanês: uma leitura comparativa  entre Machado de Assis e Lima Barreto”. Machado de Assis em linha,  ano 2, número 3, junho 2009.

29/11/2013

Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto

 Lima Barreto - Triste Fim de Policarpo Quaresma - Iba Mendes
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A formação de um idealista


Policarpo  sustenta  seu  nacionalismo  através  da  leitura  e  o  defende  em  um  processo quase científico (dentro de um perfil próximo ao naturalista), conforme conclui  o narrador; no entanto, os juízos de valor emitidos por esse mesmo narrador a respeito  das tendências patrióticas de Policarpo revelam a tensão existente entre as duas visões  de  mundo  que  se  opõem,  como  pode  ser  comprovado  no  confronto  entre  os  dois  fragmentos abaixo, ambos expressos pelo narrador: 

[...]  o  que  o  patriotismo  o  fez  pensar  [Policarpo],  foi  num  conhecimento  inteiro  do  Brasil,  levando-o  a  meditações  sobre  os  seus  recursos,  para  depois  então  apontar  os  remédios,  as  medidas  progressivas,  com  pleno  conhecimento  de  causa.  (“A  lição de violão”, p. 17)

[Policarpo] Defendia com azedume e paixão a proeminência do  Amazonas  sobre  todos  os  demais  rios  do  mundo.  Para  isso  ia  até  ao  crime  de  amputar  alguns  quilômetros  ao  Nilo  [...]  (“A  lição de violão”, p. 18)

É  possível  observar  que  a  tentativa  de  imprimir  ao  espírito  nacionalista  de  Policarpo um caráter minimamente racional, científico, entra em conflito com o “crime”  que ele comete para defender sua posição. Dessa forma, a visão da verdade fica cindida  entre  personagem  e  narrador,  este  revelando  a  “mentira”  por  trás  da  suposta  objetividade pretendida por aquele.

Esse  pseudocientificismo  e  racionalismo  de  Policarpo  é  retratado  ao  longo  da  primeira  parte  do  romance,  sedimentando  a  caracterização  que  se  deseja  fazer  do personagem. Ele serve a um propósito específico: levar o leitor a criar uma imagem do  protagonista para, posteriormente, comprovar a vacuidade de sua constituição. O fato de  sermos levados a rir do personagem junto com o narrador nesse primeiro momento não impede que esse mesmo narrador nos enterneça, através de sua construção discursiva,  com  os  sucessivos  fracassos  pelos  quais  passa  o  personagem,  pois,  conforme  afirma  Sônia Brayner, “[...] O riso e a amargura dorida são os extremos que se tocam na obra  de Lima Barreto” (BRAYNER, 1979:157).

A complexidade de uma obra literária como TFPQ reside no fato de que ela se  articula  tanto  através  da  razão  cínica  e  crítica  do  narrador  quanto  da  paixão  do  personagem que a protagoniza. Embora o nacionalismo de Policarpo, elemento central  da  narrativa,  por  exemplo,  seja  identificado  e  criticado  pelo  narrador  por  seu  caráter  utópico, esse patriotismo jamais parece ao leitor inverossímil ou mesmo simplesmente  como um elemento sujeito à galhofa, ao desdém, e isso se deve, em grande parte, ao fato  de  que  a  paixão  de  Policarpo  é  plenamente  traduzida  e  realizada  através  do  mesmo  narrador que a contesta. Isso é possível porque, em vários momentos, o narrador narra  não sob o seu ponto de vista, mas sim sob o ponto de vista do personagem, traduzindo  seus  sentimentos  e  emoções.  Assim,  não  há  a  supremacia  absoluta  da  voz  crítica,  do  relato consciente e objetivo, há também a voz do outro, e é exatamente o deslocamento  do  ponto  de  vista  do  narrador  para  o  personagem  que  empresta  ao  texto  a  sua  carga  dramática, fazendo-nos compadecer do triste fim, do triste destino que se delineia desde  o começo.

Ao caracterizar o ufanismo de Policarpo, em “A lição de violão”, percebe-se que  o narrador não só expõe os elementos que solidificam a formação do personagem como  também demonstra a seriedade que o tema pátrio tem em sua vida. É possível afirmar  que  há  um  respeito  pelas  convicções que  motivam  o  personagem,  mesmo  que,  para  o  narrador, elas sejam desprovidas de valor concreto, porque integram um ideal de pátria  e, como tal, pouco se aproximam do real.  

[...] Policarpo era patriota. Desde  moço,  aí pelos  vinte anos, o  amor da pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum,  palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente.  (“A lição de violão”, p. 17)  

Não  há  espaço  para  se  contestar  o  sentimento  patriótico  de  Quaresma,  para  se  duvidar de sua legitimidade, o que pode ser comprovado pela seleção de adjetivos que o  caracterizam,  “sério,  grave  e  absorvente”,  em  oposição  ao  que  seria,  de  fato,  um  sentimento  a  ser  criticado,  a  um  nacionalismo  falso,  “comum,  palrador  e  vazio”;      é  assim  que  o  narrador  constrói  o  arcabouço  de  uma  figura  incompreendida.  Se  o  narrador, ao  longo  da  história, irá  ironizar,  satirizar,  debochar dos  excessos  pátrios de  Policarpo, é porque, instituído de seu poder e estatuto na trama ficcional, a ele cabe o  papel de efetuar uma reflexão crítica não só do protagonista mas de todos aqueles que o
 condenam, direta ou indiretamente, à marginalidade.

No  mesmo  capítulo, “A  lição  de  violão”, a  oposição entre  a  visão  do  narrador  em relação ao país, metonimicamente representado através da caracterização do jardim  de   Policarpo,  e  a  do  personagem  se  comprova  através  da  escolha  lexical,  mais  especificamente  dos  adjetivos  selecionados.  A  estrutura  discursiva  apresenta  uma  sobreposição  das  impressões  do  narrador  com  as  de  Policarpo,  a  qual  se  evidencia  através  de  uma  contraposição  semântica,  demonstrada  pela  utilização  de  adjetivos  de  valor positivo, refletindo a perspectiva de Policarpo, e de valor negativo, associados à  perspectiva  do  narrador.  A  oposição  dos  pontos  de  vista  é  ainda  mais  acentuada  pela  utilização irônica das reticências como elemento de ênfase às críticas do narrador.

Acabado  o  jantar  [Policarpo,  Adelaide  e  Ricardo]  foram  ver  o jardim.  Era  uma  maravilha;  não  tinha  nem  uma  flor...  Certamente não se podia tomar por tal míseros beijos-de-frade,  palmas-de-santa-rita,          quaresmas               lutulentas,               manacás  melancólicos  e  outros  belos  exemplares  dos  nossos  campos  e  prados. [...] (“A lição de violão”, p. 24)

No  segundo  capítulo  da  primeira  parte  do  romance,  “Reformas  radicais”,  o  major  Quaresma  encontra-se  em  pleno  período  de  frutificação  de  suas  idéias  nacionalistas.  O  narrador  reforça  a  composição  patriótica  do  personagem  novamente  através  do  uso  anafórico  de  advérbios  de  intensidade,  do  uso  de  adjetivos,  que  funcionam como uma estratégia hiperbólica de construção positiva da imagem do país:   

[O  Brasil]  Tinha  todos  os  climas,  todos  os  frutos,  todos  os  minerais e animais úteis, as melhores terras de cultura, a gente  mais valente, mais hospitaleira, mais inteligente e mais doce do  mundo [...] (“Reformas radicais”, p.30)  

Ainda  assim,  desde  o  início  do  capítulo,  anuncia-se  o  que  o  título  já  avisa  de  antemão aos leitores: não há possibilidade de um final feliz para o personagem tendo ele  uma  visão  tão  fantasiosa  da  realidade.  O  que  o  narrador  coloca  em  xeque  a  todo  momento não é a veracidade dos sentimentos de Policarpo, mas sim a sua possibilidade  de realização em um mundo em que os interesses pessoais se sobrepõem  aos interesses  coletivos. Desse modo, no início do capítulo, a aparente tranqüilidade do espaço físico,  antes de ser uma demonstração real de calma, prenuncia os tumultos que virão: “[...] Na  sua  meiga  e  sossegada  casa  de  S.  Cristóvão[...]”  (“Reformas  radicais”,  p.  29

Essa  estratégia  de  compor  uma  caracterização  positiva  do  ambiente  em  contraponto ao que se encontrará na narrativa do ponto de vista dos eventos é constante  em  todo  o  romance.  O  leitor  é  levado  a  desacreditar  das  descrições  favoráveis  feitas  porque, ao longo do texto, elas se mostram pistas falsas; quase sempre quando há um  ambiente  físico  harmonizado  é  porque  haverá  uma  desarmonia  pessoal  para  o  protagonista.  Essa  desarmonia aparece,  nesse  primeiro  momento,  sob  a forma  de  uma  necessidade  do  personagem  de  reagir  frente  à  perda  das  tradições,  após  tentativa  infrutífera de resgatar aspectos da cultura afro-brasileira com tia Maria Rita:

[...] Como é que o povo não guardava as tradições de trinta anos  passados? Com que rapidez morriam assim na sua lembrança os  seus folgares e as suas canções? Era bem um sinal de fraqueza,  uma  demonstração  de  inferioridade  diante  daqueles  povos  tenazes  que  os  guardam  durante  séculos!  [...]  (“Reformas
radicais”, p. 35)  

É interessante observar que os dois primeiros períodos — em que se encontram  as  perguntas,  os  questionamentos,  quase  retóricos  —  parecem,  através  do  uso  do  discurso indireto livre, vir de reflexões de Quaresma. No entanto, a avaliação, a opinião  negativa que segue parece mais adequada ao narrador do que ao ufanista Policarpo. As  “vozes”, nesse caso, se misturam; há uma estrutura reflexiva: ao mesmo tempo em que  o  narrador  reflete  o  pensamento  do  personagem  e  o  traduz,  emite  sobre  ele  um  julgamento, uma conclusão que rebate a perplexidade de Quaresma, por meio de uma  constatação quase que óbvia da inferioridade pátria em relação aos outros povos.   

É  a  partir  desse  momento  que  o  trágico  destino  de  Policarpo  começa  a  se  delinear,  através  de  seu  desejo  de  reação,  que  será  um  traço  característico  de  seu  processo de sucessivos fracassos; é a sua vontade de sair do conhecimento livresco para  a ação que  determina a sua  trajetória  em direção  ao seu  “triste  fim”: “[...]  Tornava-se  preciso  reagir,  desenvolver  o  culto  das  tradições,  mantê-las  sempre  vivazes  nas  memórias e nos costumes...” (“Reformas radicais”, p. 35).

 Policarpo  não  é  um  medíocre,  embora  sustente  suas  opiniões  em  idéias  medíocres,  porque  cristalizadas,  fomentadas  em  seu  escritório,  à  base  de  leituras  que  desejavam transmitir uma idéia de pátria perfeita, a que ele deseja. É essa ausência de  mediocridade  que  o  torna  não  um  personagem  que  simplesmente  é  subjugado  pelos  acontecimentos, mas sim alguém que determina o seu destino através de uma série de  ações.

O  desejo  de  manutenção  de  nossas  tradições  leva-o  a  resgatar  o  costume  da  saudação em Tupinambá, resultado de um estudo das suas tradições por Policarpo. Tal  atitude,  representada  pelo  narrador  de  forma  satírica,  ridícula,  cômica  até,  contraria  a  austeridade, a  seriedade de  Policarpo e,  por isso mesmo, intensifica a  sua  tragicidade,  levando outros a questionarem pela primeira vez a sanidade do personagem:  

Desde dez dias que se entregava a essa árdua tarefa, quando (era  domingo)  lhe  bateram  à  porta,  em  meio  de  seu  trabalho  [os  estudos]. Abriu, mas não apertou a mão. Desandou a chorar, a  berrar, a arrancar os cabelos, como se tivesse perdido a mulher  ou um filho. A irmã correu lá de dentro, o Anastácio também, e  o  compadre  e  a  filha,  pois  eram  eles,  ficaram  estupefatos  no  limiar da porta. (“Reformas radicais”, p. 39)

O  retrato  cômico,  satírico  de  Policarpo  ganha  aqui  em  humor  por  ele  fazer  a  estranha  saudação  a  sério,  e  não  em  uma  brincadeira,  como  na  representação  do  “Tangolomango”.  A  encenação  da  saudação  destoa  do  perfil  sério  do  personagem,  intensificando o risível retratado, exemplicando o que Sônia Brayner afirma a respeito  do papel da sátira na obra de Lima Barreto:

A  sátira  em  Lima  Barreto  possui  um  conteúdo  que,  pelo  seu  lado  hiperbólico,  extremado,  excessivo,  cai  no  grotesco,  suportando  implicitamente  o  reconhecimento  de  uma  norma  ética,  utópica  no  estado  social  cotidiano  que  descreve,  suporte  básico de sua fatura literária militante. [...] próximas sempre do  cômico,  as  situações  de  confronto  entre  duas  formas  de  sociedade  —  a  vivenciada  e  a  idealizada  —  atacam  com  o  objetivo de corrigir através do desnudamento ridículo as normas preconceituosas e rígidas.  (BRAYNER, 1979:157)

O  inocente  evento  do  cumprimento  em  Tupinambá,  associado  à  idéia  fixa  da  necessidade de fazer algo pelo resgate das origens culturais, é que leva Policarpo a uma  sucessão  de  atitudes  que  culminam  em  seu  enlouquecimento  e  sua  conseqüente internação.  Nesse  momento,  a  simpatia  do  narrador  pelo  personagem  se  evidencia,  o  tom de galhofa cede espaço a uma respeitosa admiração, embora as diferenças  de ponto  de vista se mantenham. Não há lugar para a inocência no discurso engajado e crítico do  narrador, a quem nada nem ninguém escapa, a não ser os poucos personagens por quem  nutre algum tipo de enternecimento (como Policarpo ou Ricardo Coração dos Outros)  ou  alguma  semelhança  de  perspectiva  (como  Olga),  como  se  vê  a  propósito  do  requerimento de Policarpo solicitando a implementação do tupi como língua oficial:

Quem  soubesse  o  que  uma  tal  folha  de  papel  representava  de  esforço, de trabalho, de sonho generoso e desinteressado, havia  de  sentir  uma  penosa  tristeza,  ouvindo  aquele  rir  inofensivo  diante dela. Merecia raiva, ódio, um deboche de inimigo talvez,  o documento  que chegava  à mesa da Câmara, mas não  aquele  recebimento  hilárico,  de  uma  hilaridade  inocente,  sem  fundo  algum,  assim  como  se  se  estivesse  a  rir  de  uma  palhaçada,  de  uma  sorte  de  circo  de  cavalinhos  ou  de  uma  careta  de clown.(“Desastrosas conseqüências de um requerimento”, p. 61)  

O  narrador,  a  despeito  de  não  partilhar  das  opiniões  de  Policarpo,  toma  claramente partido do personagem, destaca o seu esforço, o seu trabalho, o seu “sonho  generoso  e  desinteressado”,  em  um  mundo  em  que  até  o  riso  é  de  uma  “hilaridade  inocente”, porque vindo de pessoas incapazes de analisar profundamente o que quer que  seja. A oposição aos ideais do major seria aceitável se fosse sustentada por argumentos  de  pessoas  respeitáveis,  íntegras  como  o  próprio  personagem.  Apesar  de  o  próprio  narrador  discordar  da  mentalidade  patriótica  do  personagem  e  permitir  que  o  leitor  partilhe de sua opinião, como se fosse alguém que também possuísse estofo moral para avaliar Policarpo da mesma forma que ele, não admite o desrespeito daqueles por quem  nutre aversão, dos representantes públicos do poder, a quem critica duramente durante  toda a narrativa. 

Embora  dele  discorde,  o  narrador  admira  o  espiríto  de  Quaresma,  o  que  se  expressa  no  uso  dos  adjetivos  com  que  o  caracteriza:  “desinteressado,  terno,  ingênuo,  inocente”. Revela-se aí, e em vários outros momentos, a relação ambígua, contraditória  que  há  entre  narrador  e  personagem:  embora  o  satirize,  vista-o  com  as  cores  da  comicidade, até o ridicularize, o narrador não deixa de ter simpatia, ternura e admiração  pelo  nacionalismo  sincero  e  livre  de  ambições  de  Policarpo.  Mesmo  porque,  se  o  narrador  não  se  coloca  a  favor  do  posicionamento  utópico  de  Quaresma,  coloca-se  menos ainda a favor do status quo;  na verdade, empreende uma crítica às duas posturas,  conforme destaca Silviano Santiago (1982:172): 

[...]  se  o  romance  faz  uma  crítica  violenta  às  forças  que  impedem o desabrochar das idéias de Policarpo, por outro lado  traz  ele  também  [...] uma  crítica  à  noção  idealizante  de  pátria  que Policarpo tenta pôr em prática. [...]

Assim,  o  fato  de  Policarpo  pecar  por  excesso  de  ingenuidade  não  desmerece a  sua  luta.  Na  verdade,  ao  ser  a  consciência  crítica  dessa  ingenuidade,  o  narrador  nos  mostra  a  impossibilidade  da  sinceridade  em  um  mundo  de  egoísmo  e  interesses,  destacando,  assim,  que  melhor  seria  o  mundo  se  houvesse  mais  policarpos  e  menos  “inocentes” arrogantes. Isso se evidencia no trecho em que, após a internação do major  Quaresma, o narrador reflete a respeito da loucura que acometeu o personagem, a partir de considerações feitas por Olga: 

“[...] as portas dos nossos infernos sociais [...] Não é só a morte  que  nivela;  a  loucura,  o  crime  e  a  moléstia  passam  também  a  sua  rasoura  pelas  distinções  que  inventamos”  (“O  bibelot”,  p.77)

Nesse  momento,  o  narrador  se  assume  como  um  tradutor  dos  pensamentos  de  Olga e, de certa forma, usa a personagem para marcar posições que ele mesmo defende.  Daí  muitas  vezes  haver  uma  intersecção  de  vozes,  indicada  pelo  uso  da  1ª  pessoa  do  plural,  que  inclui  não  só  o  narrador  como  elemento  que  possui  uma  visão  comum  à  apresentada,  mas  também  o  leitor,  levando-o  a  uma  reflexão  crítica.  Essa  intersecção  não permite que se defina, que se limite a quem pertencem as reflexões feitas:

E ela [Olga] pensava como esta nossa vida é variada e diversa,  como ela é mais rica de aspectos tristes que de alegres, e como  na variedade da vida a tristeza pode mais variar que a alegria e  como que dá o próprio movimento da vida. (“O bibelot”, p. 78)

Essa  estratégia  de  intersecção  de  vozes  é  utilizada  ao  longo  da  narrativa,  especialmente  como  elemento  de  contraposição  entre  os  discursos  do  narrador  e  o  de  outros  personagens.  Como  afirma  José  Luiz  Fiorin  (2004:80), todo  discurso  apresenta  mais  de  uma  visão  de  mundo,  dependendo  de  quantos  pontos  de  vista  forem  apresentados:

[...]  todo  discurso  desvela  uma  ou  várias  visões  de  mundo  existentes numa formação social. [...] Quando  o  discurso  tem,  em  seu  interior,  um  único  enunciador,  revela  apenas  uma  visão  de  mundo.  [...]  No  entanto, num romance há vários enunciadores de segundo grau  (personagens)  a  quem  o  narrador  delega  voz.  Essas  personagens podem manifestar diferentes visões de mundo. [...]   Além  das  diferentes  visões  de  mundo  apresentadas  pelos  personagens, o narrador pode ou não tomar partido por uma das  ideologias reveladas na obra. [...]  


Em  TFPQ,  pontos  de  vista  diferentes  e  conflitantes  são  mostrados  com  o propósito  de  evidenciar  a  positividade  do  protagonista  e  a  postura  sempre  crítica  do  narrador, que não toma partido por nenhuma ideologia.


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Fonte:
Marta Rodrigues: “Entre a crítica e a paixão:  os discursos do narrador e do protagonista em  Triste fim de Policarpo Quaresma”.(Dissertação  de  Mestrado  em  Literatura  Brasileira  apresentada  à  Coordenação  dos  Cursos  de  Pós-graduação  em  Letras  Vernáculas  da  Universidade  Federal  do  Rio de Janeiro.  Orientador:  Prof.  Dr.  Wellington  de  Almeida Santos.  Faculdade de Letras – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ). Rio de Janeiro, 2007

Marginália, de Lima Barreto

 Lima Barreto - Marginalia - Iba Mendes
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VIDA URBANA, MARGINÁLIA, FEIRAS E MAFUÁS A MODERNIDADE URBANA NAS CRÔNICAS DE LIMA BARRETO

Em contrapartida, Lima Barreto propõe uma literatura militante, que desperte reflexões no leitor sobre o que deve ser exigido para o bem-estar da humanidade, em vez de configurar apenas um extrato do que é publicado nas antologias. Daí, a ironia com que registra esses discursos vazios, sem objetividade ou clareza, com intenção exclusiva de extasiar os leitores pelo arcabouço filosófico e beletrista.
Para Arrigucci Júnior (1987: 53), “a crônica é ela própria um fato moderno, submetendo-se aos choques da novidade, ao consumo imediato, às inquietações de um desejo sempre insatisfeito, à rápida transformação e à fugacidade da vida moderna”. A crônica aproxima narrador e leitor, por meio de um cotidiano que possa não ser vivenciado hoje, mas que se presentifica, à medida que estabelece a sintonia entre os dois (narrador e leitor), no encontro marcado para fazer fluir idéias e impressões evocadas pela narrativa.
O mesmo autor afirma que “a crônica se situa bem perto do chão, no cotidiano da cidade moderna, e escolhe a linguagem simples e comunicativa, o tom menor do bate-papo entre amigos, para tratar das pequenas coisas que formam a vida diária, onde às vezes encontra a mais alta poesia”. (Arrigucci Júnior, 1987: 55). No entanto, este “tom menor” no tratamento dos temas do cotidiano exige do cronista habilidade do domínio textual para conseguir, dentro da economia da crônica, ajustar o enfoque, aprofundar questões, suscitar reflexões e extrair poética a partir de um cotidiano ainda pulsante no imaginário do leitor.
É o que se constata na crônica Os enterros de Inhaúma, extraída do livro Feiras e mafuás, na qual Lima Barreto (1956: 287 – 298) se posiciona entre o cômico e o satírico, mostrando o estranho costume dos habitantes do subúrbio em desfilar com o defunto pelas ruas locais, numa longa caminhada em direção ao Cemitério de Inhaúma.
O subúrbio carioca sofre há muito tempo com a proverbial incúria dos governantes, que o consideram um não-lugar: os investimentos em obras públicas são direcionados para áreas mais nobres, de maior visibilidade para a metrópole. Por isso, as ruas do subúrbio são muito maltratadas e com calçamento irregular, tornando este percurso fúnebre para o Cemitério de Inhaúma um verdadeiro caminhar para o Calvário. O cronista narra que, num destes penosos deslocamentos, o coche que conduzia o caixão caiu num buraco da rua, o cocheiro e o caixão foram jogados para fora do carro fúnebre. Segundo o narrador, o defunto saltou do esquife, indignado por ter voltado à vida, em função do desastre causado pelo descaso municipal. Eis o discurso do ex-de cujus:
Desgraçada municipalidade de minha terra que deixas este calçamento em tão mau estado! Eu que ia afinal descansar, devido ao teu relaxamento volto ao mundo, para ouvir as queixas da minha mulher por causa da carestia da vida, de que não tenho culpa alguma; e sofrer as impertinências do meu chefe Selrão, por causa de suas hemorróidas, pelas quais não me cabe responsabilidade qualquer! Ah! Prefeitura de uma figa, se tivesses uma só cabeça havias de ver as forças das minhas munhecas! Eu te esganava, maldita, que me trazes de novo à vida! (Barreto, 1956: 290).
Igualmente hilário é o fato narrado a propósito do enterro do operário Felisberto Catarino. Seu caixão foi levado em séqüito a pé de Engenho de Dentro até Inhaúma, com os amigos e parentes revezando-se nas asas do caixão. Entretanto, durante o trajeto, eles paravam várias vezes, arriavam o esquife e iam aos bares e tavernas do caminho, a fim de tomar um trago. Já próximo ao cemitério, um grupo, após ter parado para beber, resolveu deixar o caixão na estrada, para que o próximo grupo cumprisse a etapa final.
Na porta do cemitério todos ficaram esperando o caixão, que demorava a chegar, quando deram conta de que ele ficara perdido no meio do caminho, sendo necessário que o fossem procurar e trazê-lo para a morada final. O autor encerra a crônica filosoficamente:
Tristes enterros de Inhaúma! Não fossem essas tinturas pinturescas e pitorescas de que vos revestis de quando em quando de quanta reflexão acabrunhadora não havíeis de sugerir aos que vos vêem passar; e como não convenceríeis também a eles que a maior dor dessa vida não é morrer... (Barreto, 1956: 291-292).
Quando enuncia que “a maior dor dessa vida não é morrer”, Lima Barreto abandona repentinamente o lado humorístico com que acompanha os enterros de Inhaúma para revelar o sentimento de impotência, fracasso e dor dos habitantes dos subúrbios – despersonalizados em vida, esquecidos na morte. A “reflexão acabrunhadora” se manifesta pela própria situação do subúrbio, tão abandonado à própria sorte quanto o caixão de Felisberto Catarino deixado na estrada a caminho do cemitério.
O esquife abandonado do operário do Engenho de Dentro simboliza a ausência do poder público no subúrbio: muitos são os políticos que declaram querer conduzi-lo para a modernidade, mediante o progresso, mas como o fardo é pesado demais, torna-se mais fácil deixá-lo para o próximo que também não o carrega e assim por diante. A alegoria faz perceber que nem a morte estanca o descaso dos governantes com relação ao subúrbio. Ao contrário: perpetua-o.
Quando se analisam estes textos de Lima Barreto, em que se evidencia o universo suburbano, o leitor pode ficar com a impressão errônea de haver algum travo de censura na observação crítica do autor. Entretanto, estes flashes do cotidiano da gente do subúrbio são, na realidade, retalhos de uma parte da cidade do Rio de Janeiro que sempre ficou segregada a um plano inferior, vez que, desde o Império e a Primeira República, a literatura urbana narrava o centro da cidade, Botafogo, Glória, Largo do Machado etc.
Ao volver seu olhar para o subúrbio, Lima Barreto não poderia fazê-lo senão da maneira mais autêntica possível, de acordo com seus princípios: era um habitante do subúrbio, mas um pensador brasileiro. Por isso, suas reflexões se projetam desde o subúrbio para todas as contradições da cultura brasileira, desconhecendo fronteiras que pudessem restringir a sinceridade.
Ao enfocar o subúrbio, ampliando a visão das contradições existentes na cidade e das aspirações e dos desejos que marcam o cotidiano dos seus moradores, Lima Barreto contribui para sua inclusão na modernidade. É assim o artesanato da crônica: o circunstancial nunca é simplório e o fragmentário encontra, na imaginação do leitor, a lógica da organização que se rebate no seu cotidiano, nas suas histórias de vida, nas narrativas que se desenrolam no seu ambiente. Como afirma Beatriz Resende, “na produção de Lima Barreto, são eliminados os limites rígidos entre o literário e o jornalístico” (Resende, 1993: 80), pois os recursos estéticos de um meio são inteiramente aproveitados em outro, completamente integrados em sua escritura.
Outro aspecto que marca a crônica é a expressividade de suas imagens. É dessa época a chegada da caricatura para ilustrar as folhas, abrindo uma nova forma de expressão que começa a fazer parte do texto jornalístico. A caricatura dá maior impacto ao texto, à medida que proporciona uma imediata identificação do leitor com a situação e os personagens retratados, influenciando também o texto, numa relação simbiótica. Assim, há uma significativa transformação da linguagem, da temática e até mesmo do apelo mediante o qual o jornalista pretende chegar ao leitor, na instantaneidade dos fatos (Borelli, 1996: 72).
Tal presença é freqüente nas crônicas, quando o narrador, ainda no microcosmo suburbano descreve os usuários da estação de trem. Nas horas de maior movimento, a estação adquire vida com o elenco de personagens que por ela circula cotidianamente. É uma clientela formada de funcionários públicos, pequenos advogados, bacharéis de pouca expressão, literatos sem fama, estudantes, operários, desocupados e muitos outros.
Esses personagens são o alvo predileto do olhar crítico de Lima Barreto, pois, à proporção que observa seu comportamento, esboça um quadro sintético do universo cultural suburbano. É um verdadeiro exercício etnográfico. O autor age como um observador crítico, munido de olhar pan-óptico, que procura colher nos gestos, nas atitudes e nas falas dos personagens a argamassa do seu comportamento, conforme se segue:
Então, é de ver e ouvir as palestras e as opiniões daquela gente toda, sempre a lastimar-se de Deus e dos governos, gente em cuja mente a monotonia do ofício e as preocupações domésticas tiraram toda e qualquer manifestação de inteligência, de gosto e interesse espiritual, enfim, uma larga visão do mundo.
[...]
Não se abeira de uma roda, quer seja de civis, quer de militares, que não se ouçam queixas contra o governo, objurgatórias contra o congresso, porque não lhes aumenta o ordenado. (Barreto, 1956: 148-149).
Ao traçar o perfil destes personagens, o autor também reconstrói o subúrbio, com suas inspirações e interesses. Ali, naquela estação de trem, o mais simples contínuo ganha foros de chefe de repartição, o mais humilde burocrata torna-se tão importante quanto um diretor de departamento. Na fantasia de sua importância nas repartições públicas, dão despachos que impactam os destinos do país, obtêm informações inacessíveis aos comuns dos mortais, e isso lhes credencia para manter o status de superioridade diante dos demais passageiros que esperam o trem:
Quanto mais modesta for a categoria do empregado – no subúrbio pelo menos – mais enfatuado ele se mostra. Um velho contínuo tem-se na conta de grande e imensa coisa, só pelo fado de ser funcionário do Estado, para carregar papéis de um lado para outro; e um simples terceiro oficial, que a isso chegou por trapaças de transferências e artigos capciosos nas reformas, partindo de “servente adido à escrita”, impa que nem um diretor notável, quando compra, se o faz a passagem no guichet da estação. Empurra brutalmente os outros, olha com desdém os mal vestidos, bate nervosamente com os níqueis... A sua pessoinha vaidosa e ignorante não pode esperar que uma pobre preta velha compre uma passagem de segunda classe. Tem tal pressa, a ponto de pensarmos que, se ele não for atendido logo, o Brasil estoura, chega-lhe mesmo a esperada bancarrota... (Barreto, 1956: 150-151).
Em casos análogos, a afirmação de status se dá pelo poder do pseudoconhecimento. Mediante a imagem estampada por Lima Barreto, esses personagens se enquadram nos arquétipos do falso burguês e da intelectualidade vazia que grassavam pelos cafés e salões do Rio de Janeiro da época, deitando erudição por onde passasse, apesar de não terem nenhum embasamento para tanto:
Outra mania dos burocratas, e que eles exibem na estação é a sabença e a formatura. Todos eles têm em alta conta o seu saber, principalmente em português. Lêem esses anarquistas da língua receituários gramaticais, que os jornais trazem, e saem de palmatória em punho a emendar toda a gente. (Barreto, 1956: 151).


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Fonte:
José Luiz Matias (UERJ): “Vida Urbana, Marginália, feiras e mafuás a modernidade urbana nas crônicas de Lima Barreto”. www.filologia.org.br

O Subterrâneo do Morro do Castelo, de Lima barreto

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Luz e sombra em o subterrâneo do Morro do Castelo


Inicialmente,  abordaremos O subterrâneo  do  Morro  do  Castelo  no  intuito  de  tornar  mais claras as futuras reflexões a  respeito  da  visão  cientificista  de  mundo  entranhada nesse texto. Apontaremos aspectos referentes à história da publicação  da  obra, aos principais gêneros que  nela dialogam, à  ironia  e  às faces do  cientificismo eleitas por Lima Barreto para estruturarem a temática dessa narrativa.

A história O subterrâneo do morro do Castelo foi publicada pela primeira vez  em  folhetim  no  jornal  O  Correio  da  Manhã  no  ano  de  1905, momento  da  primeira  fase de derrubamento do morro e das obras finais da construção da Avenida Central.

Se a primeira apresentação ao público dessa narrativa se deu em 1905 e em  folhetim, a  segunda  edição  em  formato  de  livro, pela editora  Dantes, chegou  aos  leitores em 1997, noventa e dois anos depois da publicação n O Correio da Manhã. Um grande espaço de tempo! A crítica também não deu muita atenção a essa obra, pois não são numerosos os textos sobre ela. Especificamente sobre a obra há dois  textos, um de Beatriz Resende e outro de Carlito Azevedo. Além desses dois textos,  o que encontramos a seu respeito são algumas pequenas abordagens inseridas em  trabalhos que tratam da história específica do morro.

Em um período menor de tempo, surge a terceira edição, também pela editora Dantes, em  1999. A  edição  em  que  nos apoiamos para  fazer  este  trabalho  é  esta  última. Nela, encontram-se  os dois textos  acima  referidos. Um  deles é  o  prefácio  intitulado  Um folhetim de Lima Barreto, de autoria de Beatriz Resende, o outro é o  posfácio, de  autoria  de  Carlito  de  Azevedo. O texto  de  Carlito  foi  publicado  anteriormente no jornal  O Estado de S. Paulo no caderno Especial de Domingo em  11  de  janeiro  de  1998. Veremos que  ele  aponta  para  uma  leitura  interessante  da  obra sobre a razão cientificista em oposição ao mistério. 

Em sua primeira edição, O subterrâneo do morro do Castelo  foi apresentado  sem  autoria e  Francisco  de  Assis Barbosa, na  biografia que  construiu  de  Lima  Barreto, foi  quem  assinalou  a  existência  dessa  obra. Vale  ressaltar  que  esta narrativa não faz parte do conjunto das produções literárias do autor publicado em  1956 pela Brasiliense.

A  narrativa  ficou  desconhecida  até  mesmo  pelos  leitores mais fieis de  Lima  Barreto e, conforme afirma Beatriz Resende na sua introdução (1999), a descrença  nos políticos, a defesa do patrimônio, o estilo marcadamente jornalístico e a inclusão  no  folhetim  da  história  de  D. Garça  asseguram  que  Lima  Barreto  é  o  autor  desse  texto. Por que a presença da história ultrarromântica ajuda a comprovar a autoria de  Lima Barreto? Ainda segundo Beatriz, os manuscritos dessa narrativa encontram-se  na Biblioteca Nacional e seguramente ela foi escrita antes da participação do autor  na imprensa. 

De fato, Beatriz aponta para marcas constantes nas obras de Lima Barreto e  a presença dessas características em  O subterrâneo do morro do Castelo ajudam a  ratificar que quem a escreveu foi realmente ele. Vale aqui aproveitar a afirmação da  pesquisadora e inserir uma observação, que de modo algum vai ao encontro do que  ela afirmou, mas que ajuda a caracterizar essa obra no conjunto das obras do autor.  Embora haja marcas nessa narrativa que são comuns ao conjunto de obras do autor,  como as temáticas políticas e o estilo, é possível dizer que essa produção literária difere bastante das outras produções do autor em outros pontos. As diferenças mais  marcantes podem ser percebidas na organização da história e em parte do enredo.  Para  corroborar  nossa  afirmação, podemos  apontar  para  o  trabalho  envolvendo  gêneros bem  distintos como  o  jornalístico, o  folhetinesco  e, principalmente, o  romance com uma história de amor ultrarromântica. Logicamente que o papel dessa  história  amorosa  na  obra  faz parte  de  um  discurso  sobre  aquele  momento,  principalmente no que se refere à racionalidade do pensamento cientificista. 

O  caráter  de  folhetim  de  O subterrâneo  do  Morro  do  Castelo  é  distinto  daquele  que  circulava  em  tempos anteriores. Percebemos marcas desse  gênero,  principalmente, nos avisos dados ao  leitor  sobre  o  término  e  a  continuidade  das  partes da narrativa e o fato de a sua publicação se dar em partes em um jornal  - o Correio da Manhã. Borelli esclarece que:

[...]  o  termo  folhetim  diz respeito,  genericamente  no  XIX,  ao  espaço  físico  ocupado, em jornal ou revista, por uma sessão de variedades. O romance-folhetim,  o  romance  popular,  assim  como  a  crônica,  constituem-se  em  possíveis  alternativas  de  preenchimento  deste  mesmo  local.  O  espaço  reservado  às  variedades  é  ocupado  com  receitas,  conselhos,  moda;  no  destinado  ao  romance  desenrolam-se  aventuras,  melodramas,  policiais  e outras  formas  de  manifestação  literária.  O  lugar da  crônica  é  por vezes  próprio, por vezes misturado a características dos gêneros anteriores [grifo  meu] (1996, p. 57-58).

O gênero  com  o  qual  Lima  Barreto  tinha  muita  intimidade  –  a  crônica  – também  está  presente  em  O  subterrâneo  do  Morro  do  Castelo. Embora  crônica  e  folhetim possuam estreitos laços familiares (BORELLI, 1996, p. 61), nO subterrâneo  do  Morro  do  Castelo         predomina  uma  estrutura  mais folhetinesca, até  mesmo  pela  sequência  que  há  entre  cada  texto  publicado. Encontramos, no  entanto,  significativos traços estéticos da crônica como a abordagem do momento presente, o  desdobramento  de  detalhes perdidos na  movimentação  cotidiana  no  período  de  arrasamento do morro. A narrativa é um folhetim e nele está o dia-a-dia contado pela  crônica e uma narrativa ultrarromântica do passado contada por uma linguagem ao  mesmo  tempo  moderna, mas com  umas boas tonalidades  do  transbordamento  romântico. O jornalista  narrador  mostra  a  sua  preocupação, quando  vai  publicar  a  antiga narrativa, em não descaracterizar a linguagem do velho códice e, ao mesmo  tempo, de torná-lo adequado para os leitores do jornal. Também essa conformação  da  obra  já  aponta  para  um  diálogo  a  partir  de  gêneros que  se  opõem  por  determinados aspectos. O gótico  se  contrapõe  à  modernidade  do  jornalístico  e, a  partir dessa oposição, vão emergindo sentidos que constituem o discurso literário de  Lima Barreto nessa obra.


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Nota:
Amadeu da Silva Guedes: “Diálogos de Lima Barreto com o cientificismo em os Bruzundangas e o Subterrâneo do Morro do Castelo.” (Tese apresentada ao Curso de Doutorado em  Letras   –  Estudos Literários    –  como  requisito parcial para a obtenção do Grau de  Doutor em  Letras.    Área        de  Concentração: Literatura e Vida Cultural.  Orientador: Professor Dr. Luis Filipe Ribeiro. Universidade Federal Fluminense). Niterói, 2012

28/11/2013

Numa e a Ninfa, de Lima Barreto

 Numa e Ninfa de Lima Barreto
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Numa e a Ninfa: Dilemas e impasses da Formação da Sociedade Republicana”


A colaboração de Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) no jornal de estudantes universitários da Escola Politécnica em 1897, intitulado Lanterna, assinalou o início de uma produção jornalística e literária que retratou, durante duas décadas, os dilemas e impasses da formação da sociedade brasileira. Entre a produção romanesca de Lima Barreto, Numa e a Ninfa – publicada em folhetins entre 15 de março e 26 de julho de 1915 pelo jornal carioca A Noite – é a obra menos comentada e citada pelos estudiosos. Charge dos costumes políticos da Primeira República (BRAYNER, 1979), Numa e a Ninfa manifesta a ambigüidade que perpassa as esferas pública e privada no Brasil, tema esse que se encontra nos escritos de Nestor Duarte (1939), Sérgio Buarque de Holanda (1993) e Oliveira Vianna (1987), entre outros. A narrativa de Numa e a Ninfa tem por cenário o tumultuário ano eleitoral de 1910, o qual assinalou o retorno do Exército à esfera da política nacional (FAUSTO, 1985). O protagonista, Numa Pompílio de Castro, possui a ambição de ascender socialmente agarrado a um título de doutor, utilizando a sua condição de bacharel em Direito para alcançar “prestígio pessoal”.

Não que houvesse nele um alto amor ao saber, uma alta estima às matérias que estudava e das quais fazia exame. Odiava-as até. Todas aquelas complicações de direitos e outras disciplinas pareciam-lhes vazias de sentido, sem substância, puras aparências e mesmo sem grande utilidade e significação, a não ser constituírem barreiras e obstáculos, destinados à seleção dos homens.

O jovem Numa não separava o conceito das disciplinas do da formatura; Economia Política, Direito Romano, Finanças e Medicina Legal não respondiam a certas necessidades da comunhão humana; e, se tais matérias foram criadas, descobertas ou inventadas, o foram tão somente para fabricar bacharéis em Direito. Com as outras carreiras acontecia o mesmo. (BARRETO, 1950, p.16).

Logo após a formatura o protagonista retorna à sua terra natal, onde não consegue nenhuma colocação. Entretanto, por intermédio do “favor” de uma alta autoridade da República, Numa Pompílio de Castro assume o posto de “promotor de uma comarca de Estado longínquo”, demonstrando o espírito arrivista que norteia as suas ações, uma vez que o protagonista não poupa esforços e artimanhas para realizar a sua escalada social. Assim, a ascensão social patrocinada pelo casamento também é um meio utilizado por Numa Pompílio de Castro de forma pragmática.

De indústria, o juiz se mantivera até então solteiro. Esperava, com rara segurança de coração, que o casamento lhe desse o definitivo empurrão na vida. Aproveitara sempre o seu estado civil para encarreirar-se. A presença da menina Cogominho fê-lo pensar mais alto e relembrar as suas desmedidas ambições casamenteiras. Não que ele fosse belo e galanteador, mas, perfeitamente sabia que essas coisas não são indispensáveis para um bom casamento, desde que o noivo não viesse a fazer má figura no eirado dos diplomatas e outras pessoas exigentes da representação interna e externa do Brasil.

Com toda firmeza, com aquela firmeza que empregou para formar-se, Numa tratou de casar-se com a filha de Cogominho e não viu diante dele obstáculo algum, como aquele não vira quando tratou de casar-se com a filha do capitalista Gomes. (BARRETO, 1950, p.19).

Em verdade, Lima Barreto evidenciou, com a crítica romanesca da ascensão social pelo casamento, um tema que seria retomado pelas interpretações clássicas sobre as relações estabelecidas entre Estado e sociedade no Brasil, as quais analisam tanto a formação das instituições políticas quanto as formas de vida social legadas pelas gerações da colônia e do Império. Em Raízes do Brasil (1936), Sérgio Buarque de Holanda elege o exame do “personalismo ibérico” como uma forma de identificar na formação social brasileira a presença de uma  “solidariedade” diversa daquela gerada pelo “individualismo burguês” (HOLANDA, 1993). A “solidariedade” vinculada ao “individualismo burguês” se ancora, essencialmente, na legitimidade racional-legal norteada pela regra jurídica. Assim, o tipo puro de dominação legítima  racional-legal  despersonaliza  o   poder,   uma   vez   que   a administração burocrática do Estado Moderno se orienta necessariamente por objetivos impessoais, sendo as funções públicas instituídas por regras racionais e estritamente formais. Por outro lado, a aplicação daquelas regras exige uma “equipe de funcionários qualificados”, os quais não são “detentores” dos seus cargos e dos meios de administração, sendo protegidos por um “estatuto” no exercício de suas funções públicas (WEBER, 1967).


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Fonte:
Carlos Henrique Gileno: “Numa e a Ninfa: “Dilemas e impasses da Formação da Sociedade Republicana”. Perspectivas, São Paulo, 26: 125-136, 2003. UNESP