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29/06/2014

A Divina Comédia (Traduzida para o português), de Dante Alighieri

 A Divina Comédia, de Dante Alighieri - em pdf grátis
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Divina Comédia: a estrutura de uma cosmologia poética do Paraíso


Uma característica importante que norteia a poética medieval é a conexão entre o ser humano e o Universo, especialmente se fundamentando no simbolismo numérico como princípio da criação divina do Cosmos, fundindo cosmologia e cosmogonia. A Idade Média recebeu da Antiguidade Clássica e do Cristianismo o gosto pelo simbolismo místico dos números, de modo que essa recepção aritmético-simbólica contribuiu fortemente para a criação do que Curtius chama de “composição num rica” (1979, p. 511), vindo a influenciar, notoriamente, a criação poética medieval. Essa compreensão decorre de um pressuposto: “o plano de Deus [na criação] era aritmético! Não devia o escritor, pelo seu esquema, deixar-se também guiar pelos n meros?” (CURTIUS, 1979, p. 543). Assim, o Gênesis judaico era visto pelo homem medieval como uma estrutura aritmética empregada na formação e na criação do Cosmos. Não só os cristãos medievais, especialmente os que tinham conhecimento da literatura greco-latina, como é de se esperar em termos óbvios, mas também os judeus medievais conheciam bem esse modo de compreender o plano criacional de Deus para o Universo. A tradição judaica ensina, além do Livro da Sabedoria, no tratado talmúdico Pirkê Avôt ( tica dos Pais) V:1, que “através de dez pronunciamentos (Divinos) foi criado o mundo” (apud BUNIM, 2001, p. 306), pronunciamentos encontrados nos capítulos um e dois do Gênesis. Assim, conforme Irving Bunim, “a Criação vai do simples para o complexo, da matéria bruta para a inteligência crescente. O homem veio por último, como ápice da criação, a coroação de tudo o que veio antes dele” (2001, p. 307). Ou seja, a criação se deu aritmeticamente num processo que foi do macro-cosmo (o Universo) para o micro-cosmo (o ser humano), marcado pelo número 10.

Outro texto judaico, embora apócrifo, serviu de mote para o vínculo entre simbolismo aritmético e composição numérica, na Idade M dia: “dispuseste tudo em medida, n mero e peso”, conforme o livro da Sabedoria de Salomão 11:21, texto possivelmente originário do primeiro século antes de Cristo. Por essa razão, como dizargutamente Ernst Curtius:

O conceito de ordo [ordem] da mentalidade medieval se desenvolveu desse único versículo da Bíblia [Católica], que santificou o número como elemento formador da obra divina da criação, e lhe conferiu dignidade metafísica. Essa é a grandiosa causa da composição numérica na literatura (1979, p. 543).

Agio de Corvey, em um poema computístico, ensinou que conquanto as artes procedam de Deus e sejam benéficas, a aritmética é maior que todas as artes, “porque a obra da criação, o ritmo do tempo, o calendário e as estrelas são fundadas no n mero” (CURTIUS, 1979, p. 542). Tendo esse ensinamento de Agio em mente, chegamos à classificação da natureza dos números, corrente no medievo: os números redondos, como 50, 100, 200, entre outros, considerando todos os números que são passíveis de ser divididos por 5 ou 10. Eles podem ter tanto valor simbólico quanto denotação estética. Já os números simbólicos, como 3, 7, 9, entre outros, apresentam significado teológico ou filosófico. Além de ressaltar essa classificação dos números, Curtius diz que “tanto o número de versos como o das estrofes numa poesia, e também o de capítulos de um livro, ou o de livros numa obra, pode ser determinado pelo simbolismo num rico”, culminando com um jogo literário num rico junto com o simbolismo dos números (CURTIUS, 1979, p. 543-544). Um exemplo da determinação do simbolismo numérico em um texto é a carta de Dante a Can Grande, a qual tem 33 parágrafos, em alusão à idade com que Cristo morrera, além do Decameron, de Boccaccio, lidando com os números 10 e 100, por exemplo.

Dante Alighieri, com sua “maravilhosa harmonia da composição numeral”, é – conforme atesta Curtius – “o fecho e auge de uma longa evolução”, de modo que, e aqui revemos contextualmente a citação de Curtius que é epígrafe de Avalovara:

Desde as enéadas da Vita Nouva, marcha Dante para a artística construção numeral da Divina Comédia: 1 + 33 + 33 + 33 = 100 cantos conduzem o leitor através de três reinos, o último dos quais abrange 10 céus. Tríadas e décadas se entretecem na unidade. O número, aqui, não é mais simples esqueleto exterior, mas símbolo do ordo cósmico (1979, p. 549. Grifo nosso).

 Dante seguiu, e experimentou, o princípio herdado pelo medievo, de modo que criou uma obra inovadora para seu tempo, transcendendo o esgotamento das formas épicas clássicas. O simbolismo numérico, com sua mística, serviu de base na composição da opera prima de Dante, para mostrar que o ser humano está integrado ao cosmos, cujo exemplo dado pelo vate é a ligação dos espíritos justos com os céus-planetas do Paradiso, nos quais residem recompensados de acordo com a conduta terrena.

Seguindo a numerologia e seu simbolismo místico, Dante enfatizou, na composição de sua obra-prima poética, o 3, o 10 e seus respectivos múltiplos, sobressaindo o três. Assim, o gigantesco poema dantesco foi criado com 14.233 versos decassílabos, dividido nas três partes/lugares supracitados, de modo que cada uma delas se chama cantiche, cantos, e se dividem em 33    canti, que podem ser considerados capítulos, segundo Hernâni Donato (In: ALIGHIERI, 1981, p. XIV). A centena de cantos que totalizam a configuração cosmo-poética da Commedia pode ser lida como uma poética de retorno cosmológico ascensional ao Paraíso, devido à simbologia do 10. Paralelamente, há a terza rima, algo inovador criado por Dante, cujo esquema simétrico de rimas (ABA BCB CDC, e assim sucessivamente, até VZV Z, como que ad infinitum), é que “simula uma permanente ascensão do in cio ao fim da obra” (STERZI, 2008, p. 105).

Precisa é a interpretação que Ernst Curtius dá para as rimas dantescas: “encadeamento contínuo com a inevitável energia. [...] A perfeita cobertura e interpenetração do interior dantesco e do exterior cósmico; congruência da alma e do mundo” (1979, p. 396). Portanto, as rimas de Dante, ásperas no Inferno, atenuantes no Purgatório, ascendem ao efeito da luz, fundindo teologia, metafísica, cosmologia, história humana e psicologia, no Paraíso (Cf. LEAL, 1986, p. 41), uma cosmogonia poética da alma, que renovaram profundamente o gênero poético de seu tempo.


É também em nome do Paraíso que Dante faz um deslocamento do sentido conceitual da comédia. Geralmente, a comédia é vista como gênero dramático que mostra pessoas inferiores, oposta à tragédia (que eleva seres superiores), não sendo aquela tão estimada quanto esta. Entretanto, Dante, para explicar a razão de haver dado o título de Comédia para sua obra poética, desloca o sentido dramático em nome da recolocação do conceito a priori “de que a tragédia come a em felicidade e termina em infortúnio, enquanto, inversamente, a comédia começa em infortúnio e termina em felicidade”, como lembra Eduardo Sterzi (2008, p. 105). Esse entendimento visto no percurso dantesco pela obra: do infortúnio trevoso do inferno, passando pela esperança de felicidade vista no Purgatório, para a felicidade beatífica do Paraíso.


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Fonte:
Fernando Oliveira Santana Júnior: “Visões do paraíso: releitura da Divina Comédia, de Dante Alighieri, em Avalovara, de Osman Lins”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UFPE, com linha de  pesquisa em Literatura Comparada, como requisito à obtenção do grau de Mestre em  Teoria da Literatura.  Orientadora: Profª Drª Ermelinda Maria Araújo Ferreira). Recife, 2011.

Notas
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

27/06/2014

Otávia (Teatro), de Vittorio Alfieri

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Vida e Obra

A produção trágica de Alfieri se concentra em um período breve e intenso, entre os anos de 1775 e 1787. A composição de suas peças é dividida em três tempos: idealização, redação e versificação. O primeiro corresponde à distribuição do assunto em atos e cenas e à escolha do número de personagens em aproximadamente duas páginas; a redação corresponde à criação da tragédia inteira na forma de prosa, sem abrir mão de qualquer ideia ou pensamento que o autor tenha em mente; a última parte, a versificação, é o momento no qual Alfieri transforma a prosa em texto trágico e poético, escolhendo apenas as melhores ideias para configurarem na versão final do texto.

Alfieri escreveu no total vinte tragédias, se incluirmos Cleopatra, a primeira tragédia escrita pelo autor e depois por ele repudiada. Suas tragédias podem ser divididas em dois grupos: 1) histórico e clássico, retratando temas políticos e civis através de personagens como monarcas cruéis e destruidores da liberdade, e herois sempre magnânimos e libertários; fazem parte deste grupo as seguintes tragédias: Filippo, La congiura de’Pazzi, Virginia, Don Garzia, Maria Stuarda, Ottavia, Timoleone e Rosmunda, Merope, Agide, Sofonisba, Bruto I e Bruto II; 2) o segundo grupo é o mitológico-literário, com personagens positivos. Fazem parte deste grupo: Polinice, Antigone, Agamennone, Oreste e Mirra. As tragédias mais aclamadas de Alfieri, que tiveram maior sucesso de crítica, foram Saul e Mirra.

Além de tragédias, Alfieri também escreveu dois tratados políticos: Della Tirannide, este inteiramente político, e Del príncipe e delle lettere, este segundo sendo político-literário. O maior interesse desses dois tratados para o presente projeto é que, através da escritura de Della Tirannide, Alfieri pôde traçar o perfil psicológico de suas personagens tirânicas, carregadas de medo, vileza, ambição e luxo, como é o caso de Creonte, e com o tratado Del príncipe e delle lettere, o autor explicita as maneiras possíveis de se viver em um governo autoritário - submetendo-se a ele ou sacudindo-lhe o jugo - num comportamento heróico e necessariamente solitário, como no caso da jovem Antígona. Escreveu um diálogo, La Virtú Sconosciuta, no qual encontra em sonho a sombra de seu caro amigo Francesco Gori-Gandellini e discorre sobre o caráter e as virtudes deste. Alfieri produziu muitas odes políticas, como America libera, Parigi Sbastigliata, Il Misogalo, além de sátiras sobre os defeitos e ridículos de seu tempo, como em I re, La plebe, L’educazione e Le donne, comédias como Il divorzio e La finestrina, rimas, epigramas, cartas e traduções de Sófocles, Ésquilo, Terêncio, Eurípedes, Aristófanes e Salustiano. Alfieri buscava então assenhorear-se dos valores mais seguros da tradição literária italiana, e construir uma linguagem capaz de ser aceita e compreendida em toda a Península Itálica. É na Toscana, onde se falava o italiano considerado mais puro, que o autor encontra sua pátria literária.

Os elementos mais característicos da tragédia alfieriana são os antagonismos, a tensão e afirmação, o autocentrismo, a solidão, a incomunicabilidade, o valor no suicídio, a catástrofe. A importância marcadamente centrada nos atores-personagens, diretamente implicados no drama, leva a uma forte simplificação de cenários, acessórios cênicos, e de todo o mecanismo teatral. As tragédias de Alfieri se distinguem das duas principais formas de teatro clássico, ou seja, a grega e a francesa, pela simplicidade das ações, pela supressão de todas as cenas nas quais a ação não progride, pela uniformidade mais constante do tom alto e suspenso, e pela renúncia quase absoluta das cenas de amor adocicado, comuns na tragédia francesa.

Em sua autobiografia Alfieri confessa seu impulso de escrever tragédias através da descrição de sua personalidade: “Uma alma resoluta, muito obstinada, e indômita; um coração pleno de afetos de todas as espécies, entre as quais predominavam com uma mescla bizarra o amor e todas as suas fúrias, e uma profundíssima e ferocíssima raiva e aborrecimento contra toda e qualquer vontade tirânica”.

Já de acordo com Giulio Ferroni, a escolha de Vittorio Alfieri pelo gênero trágico se deu pelo fato de que, na Itália, o gênero trágico não havia ainda encontrado autores e obras satisfatórias que pudessem concorrer com o teatro clássico francês. Faltava um “corajoso voluntário” para essa tarefa que requeria um trabalho disciplinado e árduo, conduzido a um ritmo constante e paciente condizente com uma pessoa como Alfieri, que pretendia se tornar escritor quase a partir do nada, reconstruindo completamente a própria educação literária.

A relação de Alfieri com a língua e cultura francesa vai de um extremo a outro. Inicialmente muito interessado e motivado pela revolta do povo francês contra a monarquia absolutista, dedica Panegirico di Plinio a Traiano (1787) ao rei Luís XVI da França, texto no qual convidava o imperador Trajano a abolir o nepotismo e concordar com a liberdade do povo. Chega até a se mudar para Paris, com a Condessa D’Albany, de forma a presenciar a primeira fase da Revolução Francesa. Saudou a tomada da Bastilha com o texto Parigi Sbastigliata. Entretanto, a violenta luta política e o direcionamento da Revolução para o radicalismo do Terror tornaram o escritor crítico dos acontecimentos na França. Alfieri chegou a conceber ódio profundo pelo que ele chamava de “fautores da falsa liberdade”.

Suas posições políticas se tornaram cada vez mais reacionárias, até o ponto em que em 10 de agosto de 1792, com o assalto às Tulherias, o escritor e sua esposa deixam Paris e se mudam definitivamente para Florença, onde o autor começa a viver em austera solidão e assim permanece até o fim da vida. Sobre o fato de ter o francês como língua materna, o que demandou um grande esforço de sua parte para conseguir finalmente escrever em toscano, Alfieri escreveu em sua biografia que falar francês era a “desgraça primitiva do nascer em um país (paese) anfíbio”.

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Referência bibliográfica:

Nádia Jorge Berriel: “Antigone de Vittorio Alfieri: uma tradução”. (Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Orientadora: Profa. Dra. Suzi Frankl Sperber). Campinas, 2012 .