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Numa e a Ninfa: Dilemas e impasses da Formação da Sociedade Republicana”
A
colaboração de Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) no jornal de estudantes universitários da
Escola Politécnica em 1897, intitulado Lanterna, assinalou o início de uma
produção jornalística e literária que retratou, durante duas décadas, os
dilemas e impasses da formação da sociedade brasileira. Entre a produção
romanesca de Lima Barreto, Numa e a Ninfa – publicada em folhetins entre 15 de
março e 26 de julho de 1915 pelo jornal carioca A Noite – é a obra menos comentada e citada pelos estudiosos. Charge dos costumes políticos da
Primeira República (BRAYNER, 1979), Numa e a Ninfa manifesta a ambigüidade que perpassa as esferas
pública e privada no Brasil, tema esse que se encontra nos escritos de Nestor
Duarte (1939), Sérgio Buarque de Holanda (1993) e Oliveira Vianna (1987), entre outros. A
narrativa de Numa e a Ninfa tem por cenário o tumultuário ano eleitoral de 1910, o qual assinalou
o retorno do Exército à esfera da política nacional (FAUSTO, 1985). O
protagonista, Numa Pompílio de Castro, possui a ambição de ascender socialmente
agarrado a um título de doutor, utilizando a sua condição de bacharel em Direito
para alcançar “prestígio pessoal”.
Não que houvesse nele um alto amor ao
saber, uma alta estima às matérias que estudava e das quais fazia
exame. Odiava-as até. Todas aquelas complicações de direitos e outras
disciplinas pareciam-lhes vazias de sentido, sem substância, puras aparências e
mesmo sem grande utilidade e significação, a não ser constituírem barreiras e
obstáculos, destinados à seleção dos homens.
O jovem
Numa não separava o conceito das disciplinas do da formatura; Economia
Política, Direito Romano, Finanças e Medicina Legal não respondiam a certas
necessidades da comunhão humana; e, se tais matérias foram criadas, descobertas
ou inventadas, o foram tão somente para fabricar bacharéis em Direito. Com as
outras carreiras acontecia o mesmo.
(BARRETO, 1950, p.16).
Logo após
a formatura o protagonista retorna à sua terra natal, onde não consegue nenhuma
colocação. Entretanto, por intermédio do “favor” de uma alta autoridade da República, Numa Pompílio de
Castro assume o posto de
“promotor de uma comarca de Estado longínquo”, demonstrando o espírito
arrivista que norteia as suas ações, uma vez que o protagonista não poupa
esforços e artimanhas para realizar a sua escalada social. Assim, a ascensão
social patrocinada pelo casamento também é um meio utilizado por Numa Pompílio
de Castro de forma pragmática.
De
indústria, o juiz se mantivera até então solteiro. Esperava, com rara segurança de coração, que o casamento
lhe desse o definitivo empurrão na vida. Aproveitara sempre o seu estado civil
para encarreirar-se. A presença da menina Cogominho fê-lo pensar mais alto e
relembrar as suas desmedidas ambições casamenteiras. Não que ele fosse belo e galanteador,
mas, perfeitamente sabia que essas coisas não são indispensáveis para um bom casamento, desde
que o noivo não viesse a fazer má figura no eirado dos diplomatas e outras
pessoas exigentes da representação
interna e externa do Brasil.
Com toda
firmeza, com aquela firmeza que empregou para formar-se, Numa tratou de
casar-se com a filha de Cogominho e não viu diante dele obstáculo algum, como
aquele não vira quando tratou de casar-se com a filha do capitalista Gomes.
(BARRETO, 1950, p.19).
Em
verdade, Lima Barreto evidenciou, com a crítica romanesca da ascensão social pelo casamento, um tema que
seria retomado pelas interpretações clássicas sobre as relações estabelecidas
entre Estado e sociedade no Brasil, as quais analisam tanto a formação das
instituições políticas quanto as formas de vida social legadas pelas gerações
da colônia e do Império. Em Raízes do Brasil (1936), Sérgio Buarque de Holanda
elege o exame do “personalismo ibérico” como uma forma de identificar na formação
social brasileira a presença de uma
“solidariedade” diversa daquela gerada pelo “individualismo burguês”
(HOLANDA, 1993). A “solidariedade” vinculada ao “individualismo burguês” se ancora,
essencialmente, na legitimidade racional-legal norteada pela regra jurídica.
Assim, o tipo puro de dominação legítima racional-legal despersonaliza o poder, uma
vez que a administração burocrática do Estado Moderno se orienta necessariamente
por objetivos impessoais, sendo as funções públicas instituídas por regras
racionais e estritamente formais. Por outro lado, a aplicação daquelas regras
exige uma “equipe de funcionários
qualificados”, os quais não são “detentores” dos seus cargos e dos meios de administração, sendo
protegidos por um “estatuto”
no exercício de suas funções públicas (WEBER, 1967).
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Fonte:
Carlos Henrique Gileno: “Numa e a Ninfa: “Dilemas e impasses da Formação da Sociedade Republicana”. Perspectivas, São Paulo, 26: 125-136, 2003. UNESP
Fonte:
Carlos Henrique Gileno: “Numa e a Ninfa: “Dilemas e impasses da Formação da Sociedade Republicana”. Perspectivas, São Paulo, 26: 125-136, 2003. UNESP
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