29/11/2013

O Subterrâneo do Morro do Castelo, de Lima barreto

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Luz e sombra em o subterrâneo do Morro do Castelo


Inicialmente,  abordaremos O subterrâneo  do  Morro  do  Castelo  no  intuito  de  tornar  mais claras as futuras reflexões a  respeito  da  visão  cientificista  de  mundo  entranhada nesse texto. Apontaremos aspectos referentes à história da publicação  da  obra, aos principais gêneros que  nela dialogam, à  ironia  e  às faces do  cientificismo eleitas por Lima Barreto para estruturarem a temática dessa narrativa.

A história O subterrâneo do morro do Castelo foi publicada pela primeira vez  em  folhetim  no  jornal  O  Correio  da  Manhã  no  ano  de  1905, momento  da  primeira  fase de derrubamento do morro e das obras finais da construção da Avenida Central.

Se a primeira apresentação ao público dessa narrativa se deu em 1905 e em  folhetim, a  segunda  edição  em  formato  de  livro, pela editora  Dantes, chegou  aos  leitores em 1997, noventa e dois anos depois da publicação n O Correio da Manhã. Um grande espaço de tempo! A crítica também não deu muita atenção a essa obra, pois não são numerosos os textos sobre ela. Especificamente sobre a obra há dois  textos, um de Beatriz Resende e outro de Carlito Azevedo. Além desses dois textos,  o que encontramos a seu respeito são algumas pequenas abordagens inseridas em  trabalhos que tratam da história específica do morro.

Em um período menor de tempo, surge a terceira edição, também pela editora Dantes, em  1999. A  edição  em  que  nos apoiamos para  fazer  este  trabalho  é  esta  última. Nela, encontram-se  os dois textos  acima  referidos. Um  deles é  o  prefácio  intitulado  Um folhetim de Lima Barreto, de autoria de Beatriz Resende, o outro é o  posfácio, de  autoria  de  Carlito  de  Azevedo. O texto  de  Carlito  foi  publicado  anteriormente no jornal  O Estado de S. Paulo no caderno Especial de Domingo em  11  de  janeiro  de  1998. Veremos que  ele  aponta  para  uma  leitura  interessante  da  obra sobre a razão cientificista em oposição ao mistério. 

Em sua primeira edição, O subterrâneo do morro do Castelo  foi apresentado  sem  autoria e  Francisco  de  Assis Barbosa, na  biografia que  construiu  de  Lima  Barreto, foi  quem  assinalou  a  existência  dessa  obra. Vale  ressaltar  que  esta narrativa não faz parte do conjunto das produções literárias do autor publicado em  1956 pela Brasiliense.

A  narrativa  ficou  desconhecida  até  mesmo  pelos  leitores mais fieis de  Lima  Barreto e, conforme afirma Beatriz Resende na sua introdução (1999), a descrença  nos políticos, a defesa do patrimônio, o estilo marcadamente jornalístico e a inclusão  no  folhetim  da  história  de  D. Garça  asseguram  que  Lima  Barreto  é  o  autor  desse  texto. Por que a presença da história ultrarromântica ajuda a comprovar a autoria de  Lima Barreto? Ainda segundo Beatriz, os manuscritos dessa narrativa encontram-se  na Biblioteca Nacional e seguramente ela foi escrita antes da participação do autor  na imprensa. 

De fato, Beatriz aponta para marcas constantes nas obras de Lima Barreto e  a presença dessas características em  O subterrâneo do morro do Castelo ajudam a  ratificar que quem a escreveu foi realmente ele. Vale aqui aproveitar a afirmação da  pesquisadora e inserir uma observação, que de modo algum vai ao encontro do que  ela afirmou, mas que ajuda a caracterizar essa obra no conjunto das obras do autor.  Embora haja marcas nessa narrativa que são comuns ao conjunto de obras do autor,  como as temáticas políticas e o estilo, é possível dizer que essa produção literária difere bastante das outras produções do autor em outros pontos. As diferenças mais  marcantes podem ser percebidas na organização da história e em parte do enredo.  Para  corroborar  nossa  afirmação, podemos  apontar  para  o  trabalho  envolvendo  gêneros bem  distintos como  o  jornalístico, o  folhetinesco  e, principalmente, o  romance com uma história de amor ultrarromântica. Logicamente que o papel dessa  história  amorosa  na  obra  faz parte  de  um  discurso  sobre  aquele  momento,  principalmente no que se refere à racionalidade do pensamento cientificista. 

O  caráter  de  folhetim  de  O subterrâneo  do  Morro  do  Castelo  é  distinto  daquele  que  circulava  em  tempos anteriores. Percebemos marcas desse  gênero,  principalmente, nos avisos dados ao  leitor  sobre  o  término  e  a  continuidade  das  partes da narrativa e o fato de a sua publicação se dar em partes em um jornal  - o Correio da Manhã. Borelli esclarece que:

[...]  o  termo  folhetim  diz respeito,  genericamente  no  XIX,  ao  espaço  físico  ocupado, em jornal ou revista, por uma sessão de variedades. O romance-folhetim,  o  romance  popular,  assim  como  a  crônica,  constituem-se  em  possíveis  alternativas  de  preenchimento  deste  mesmo  local.  O  espaço  reservado  às  variedades  é  ocupado  com  receitas,  conselhos,  moda;  no  destinado  ao  romance  desenrolam-se  aventuras,  melodramas,  policiais  e outras  formas  de  manifestação  literária.  O  lugar da  crônica  é  por vezes  próprio, por vezes misturado a características dos gêneros anteriores [grifo  meu] (1996, p. 57-58).

O gênero  com  o  qual  Lima  Barreto  tinha  muita  intimidade  –  a  crônica  – também  está  presente  em  O  subterrâneo  do  Morro  do  Castelo. Embora  crônica  e  folhetim possuam estreitos laços familiares (BORELLI, 1996, p. 61), nO subterrâneo  do  Morro  do  Castelo         predomina  uma  estrutura  mais folhetinesca, até  mesmo  pela  sequência  que  há  entre  cada  texto  publicado. Encontramos, no  entanto,  significativos traços estéticos da crônica como a abordagem do momento presente, o  desdobramento  de  detalhes perdidos na  movimentação  cotidiana  no  período  de  arrasamento do morro. A narrativa é um folhetim e nele está o dia-a-dia contado pela  crônica e uma narrativa ultrarromântica do passado contada por uma linguagem ao  mesmo  tempo  moderna, mas com  umas boas tonalidades  do  transbordamento  romântico. O jornalista  narrador  mostra  a  sua  preocupação, quando  vai  publicar  a  antiga narrativa, em não descaracterizar a linguagem do velho códice e, ao mesmo  tempo, de torná-lo adequado para os leitores do jornal. Também essa conformação  da  obra  já  aponta  para  um  diálogo  a  partir  de  gêneros que  se  opõem  por  determinados aspectos. O gótico  se  contrapõe  à  modernidade  do  jornalístico  e, a  partir dessa oposição, vão emergindo sentidos que constituem o discurso literário de  Lima Barreto nessa obra.


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Nota:
Amadeu da Silva Guedes: “Diálogos de Lima Barreto com o cientificismo em os Bruzundangas e o Subterrâneo do Morro do Castelo.” (Tese apresentada ao Curso de Doutorado em  Letras   –  Estudos Literários    –  como  requisito parcial para a obtenção do Grau de  Doutor em  Letras.    Área        de  Concentração: Literatura e Vida Cultural.  Orientador: Professor Dr. Luis Filipe Ribeiro. Universidade Federal Fluminense). Niterói, 2012

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