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UM RETALHO DA PAULICÉIA
A primeira edição de Paulicéia
desvairada vestiu, na capa, o traje do arlequim. Esta figura que, além da
Commedia dell’ arte italiana, pertence à tradição alemã (Hoellekin), como
aponta Victor Knoll, e foi absorvida pelo nosso bumba-meu-boi, congrega
variados campos semânticos.
Para Victor Knoll, “Mário de
Andrade colheu na figura do arlequim os elementos para a constituição desta
imagem poderosa e que reaparece de modo explícito, sugerido ou elíptico ao
longo de toda a sua obra poética” .
Em Paulicéia desvairada os
retalhos podem acusar “a presença de elementos de várias estéticas, compondo
várias camadas de significação”, como nos chama a atenção Telê Ancona Lopez
que, aliás, associa os losangos do arlequim de Paulicéia “a uma brasileira
geometria.” Entre as estéticas está a expressionista, na qual nos deteremos.
Embora tivesse seu nome associado
à vanguarda de Marinetti, desde o artigo de Oswald de Andrade, “O meu poeta
futurista”, em 192176, e a capa de Paulicéia desvairada tenha se inspirado na
capa do Arlecchino de Soffici, e, tanto o “Prefácio interessantíssimo” como os
poemas de Paulicéia desvairada tenham incorporado conquistas do “Manifesto
técnico da literatura futurista” (1912), isto é, elementos estilísticos da
composição futurista, Mário de Andrade dialoga com o ideário de outras
vanguardas, principalmente com as propostas da revista L’Esprit Nouveau e com o
expressionismo. Em 1921, no artigo “Futurista?”, com que responde a Oswald, no
Jornal do Comércio, e em 1922, no “Prefácio”, ao se proclamar moderno, afasta
de si o rótulo limitador das transformações que pratica:
“Não sou futurista (de Marinetti). Disse e/ repito-o. Tenho ponto de
contacto com o/ futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista,
errou.(…) Pensei que se discutiriam minhas idéias (que/ nem são minhas):
discutiriam minhas intenções.”
Gilda de Mello e Souza explica,
com propriedade, a postura de Mário:
“A desconfiança de Mário em relação ao Futurismo é bem precoce e
manifesta-se antes mesmo da Semana, em 1921, quando, respondendo ao artigo de
Oswald de Andrade 'Meu poeta futurista', rejeita a qualificativo dado pelo
amigo e se diz apenas moderno. N'A escrava também se mostra muito reticente em
relação às conquistas estéticas de Marinetti, afirmando que, afinal de contas,
a sua única descoberta válida tinha sido a divulgação do velho processo poético
da palavra em liberdade. Três anos depois (1925), na entrevista inaugural da
série 'O mês futurista', para a A Noite, do Rio, define a sua posição fazendo
blague e declarando que o que ele e os companheiros faziam não era Futurismo,
mas 'puro modernismo, isto é, guerra ao passadismo'. Quanto ao Futurismo
propriamente − acrescenta − era 'uma tola escola italiana que já desapareceu'.
E concluía: 'Que nota a gente pode dar a ele? Zero. O Futurismo italiano tomou bomba.”
Mesmo que certas características
futuristas se evidenciem em determinados poemas de Paulicéia, ou em trechos d'A
escrava que não é Isaura, pensamos que a vanguarda expressionista deixou marca
bem mais nítida nessas obras, pois, além de lhe apresentar temas, enriqueceu-a
em termos da postura estética e ideológica.
Os poetas expressionistas muito
se utilizaram da pontuação, do ritmo e da ambientação futurista. Entretanto,
conseguiram superar esses mestres no momento em que humanizaram a própria
poesia, trazendo à tona questionamentos sobre a vida na metrópole tentacular e
denunciando a guerra. Na literatura e na arte do expressionismo, ambas, guerra
e metrópole, são desmistificadas: promovem o aumento do contingente de
desvalidos e propiciam o crescimento da riqueza do burguês, cuja presença
avulta nesse ambiente de transição. A Alemanha está prestes a desvenciliar-se
do Império e adentrar a República tão desejada pelos artistas; mas,
contraditoriamente, o advento dela teria conseqüências desastrosas para os
ideais libertários.
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Fonte:
Rosângela Asche de Paula: “O expressionismo na biblioteca de Mário de Andrade: da leitura à criação”. (Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Literatura Brasileira, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em Literatura Brasileira. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Therezinha Porto Ancona Lopez). São Paulo 2007.
Fonte:
Rosângela Asche de Paula: “O expressionismo na biblioteca de Mário de Andrade: da leitura à criação”. (Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Literatura Brasileira, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em Literatura Brasileira. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Therezinha Porto Ancona Lopez). São Paulo 2007.
Nota:
A imagem inserida no texto não se
inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de
que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Muito obrigada pelo arquivo. Vida longa ao projeto! Parabéns pela disposição.
ResponderExcluirUm abraço,
B.