20/12/2015

"Paulicéia Desvairada", de Mário de Andrade

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UM RETALHO DA PAULICÉIA

A primeira edição de Paulicéia desvairada vestiu, na capa, o traje do arlequim. Esta figura que, além da Commedia dell’ arte italiana, pertence à tradição alemã (Hoellekin), como aponta Victor Knoll, e foi absorvida pelo nosso bumba-meu-boi, congrega variados campos semânticos.

Para Victor Knoll, “Mário de Andrade colheu na figura do arlequim os elementos para a constituição desta imagem poderosa e que reaparece de modo explícito, sugerido ou elíptico ao longo de toda a sua obra poética” .

Em Paulicéia desvairada os retalhos podem acusar “a presença de elementos de várias estéticas, compondo várias camadas de significação”, como nos chama a atenção Telê Ancona Lopez que, aliás, associa os losangos do arlequim de Paulicéia “a uma brasileira geometria.” Entre as estéticas está a expressionista, na qual nos deteremos.

Embora tivesse seu nome associado à vanguarda de Marinetti, desde o artigo de Oswald de Andrade, “O meu poeta futurista”, em 192176, e a capa de Paulicéia desvairada tenha se inspirado na capa do Arlecchino de Soffici, e, tanto o “Prefácio interessantíssimo” como os poemas de Paulicéia desvairada tenham incorporado conquistas do “Manifesto técnico da literatura futurista” (1912), isto é, elementos estilísticos da composição futurista, Mário de Andrade dialoga com o ideário de outras vanguardas, principalmente com as propostas da revista L’Esprit Nouveau e com o expressionismo. Em 1921, no artigo “Futurista?”, com que responde a Oswald, no Jornal do Comércio, e em 1922, no “Prefácio”, ao se proclamar moderno, afasta de si o rótulo limitador das transformações que pratica:

“Não sou futurista (de Marinetti). Disse e/ repito-o. Tenho ponto de contacto com o/ futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou.(…) Pensei que se discutiriam minhas idéias (que/ nem são minhas): discutiriam minhas intenções.”

Gilda de Mello e Souza explica, com propriedade, a postura de Mário:

“A desconfiança de Mário em relação ao Futurismo é bem precoce e manifesta-se antes mesmo da Semana, em 1921, quando, respondendo ao artigo de Oswald de Andrade 'Meu poeta futurista', rejeita a qualificativo dado pelo amigo e se diz apenas moderno. N'A escrava também se mostra muito reticente em relação às conquistas estéticas de Marinetti, afirmando que, afinal de contas, a sua única descoberta válida tinha sido a divulgação do velho processo poético da palavra em liberdade. Três anos depois (1925), na entrevista inaugural da série 'O mês futurista', para a A Noite, do Rio, define a sua posição fazendo blague e declarando que o que ele e os companheiros faziam não era Futurismo, mas 'puro modernismo, isto é, guerra ao passadismo'. Quanto ao Futurismo propriamente − acrescenta − era 'uma tola escola italiana que já desapareceu'. E concluía: 'Que nota a gente pode dar a ele? Zero. O Futurismo italiano tomou bomba.”

Mesmo que certas características futuristas se evidenciem em determinados poemas de Paulicéia, ou em trechos d'A escrava que não é Isaura, pensamos que a vanguarda expressionista deixou marca bem mais nítida nessas obras, pois, além de lhe apresentar temas, enriqueceu-a em termos da postura estética e ideológica.

Os poetas expressionistas muito se utilizaram da pontuação, do ritmo e da ambientação futurista. Entretanto, conseguiram superar esses mestres no momento em que humanizaram a própria poesia, trazendo à tona questionamentos sobre a vida na metrópole tentacular e denunciando a guerra. Na literatura e na arte do expressionismo, ambas, guerra e metrópole, são desmistificadas: promovem o aumento do contingente de desvalidos e propiciam o crescimento da riqueza do burguês, cuja presença avulta nesse ambiente de transição. A Alemanha está prestes a desvenciliar-se do Império e adentrar a República tão desejada pelos artistas; mas, contraditoriamente, o advento dela teria conseqüências desastrosas para os ideais libertários.


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Fonte:
Rosângela Asche de Paula
: “O expressionismo na biblioteca de Mário de Andrade: da leitura à criação”. (Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Literatura Brasileira, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em Literatura Brasileira. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Therezinha Porto Ancona Lopez). São Paulo 2007.


Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Um comentário:

  1. Muito obrigada pelo arquivo. Vida longa ao projeto! Parabéns pela disposição.

    Um abraço,
    B.

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