23/12/2015

"Clã do Jabuti", de Mário de Andrade

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MANIFESTO ANTROPÓFAGO E CLAN DO JABUTÍ: O DISCURSO IDENTITÁRIO BRASILEIRO NO MODERNISMO

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Em Clan do Jabutí, de Mário de Andrade, o projeto nacionalista é mais explícito se visto em comparação com Manifesto Antropófago. Utilizando-se do folclore e das matrizes africanas, indígenas e sertanejas, Mário de Andrade apresenta a idéia de uma identidade brasileira plural, composta de múltiplas origens e elementos. Para tanto, Mário de Andrade empreendeu um estudo profundo sobre a cultura popular brasileira e seu folclore, marginalizados pela elite intelectual do país desde os tempos do descobrimento. O autor de Macunaíma escolhe essa vertente de pesquisa com o objetivo de definir as particularidades do que é ser brasileiro e, dessa maneira, estabelecer as bases de uma corrente estética comprometida com os valores nacionais. Dentro de um contexto histórico atribulado, sua meta era instaurar uma discussão profícua sobre o conceito de arte nacional

O próprio título da obra revela a concepção de variedade na unidade, uma vez que a palavra “clan” traz a idéia do grupo. Por sua vez, o “Jabutí”, animal que é parente da tartaruga, simboliza a “brasilidade”.

Que importa que uns falem mole descansado
Que os cariocas arranhem os erres na garganta
Que os capixabas e paraoaras escancarem as vogais?
Que tem si o quinhentos réis meridional Vira cinco tostões do rio pro Norte?
Juntos formamos este assombro de misérias e grandezas.
Brasil, nome de vegetal!...
(Mário de Andrade, Noturno de Belo Horizonte)

Os homens do povo e os hábitos de diferentes pontos do Brasil são constantemente enfocados na série de poemas que constitui o livro. Para descrevê-los, Mário de Andrade opta por uma linguagem e uma musicalidade consideradas típicas da ginga brasileira, sem se esquecer dos traços que predominam em cada região. Nesse esforço, assonâncias e aliterações são comuns na tentativa de redefinir o sentido da cultura brasileira popular. Clan do Jabuti pode ser compreendido, dessa maneira, como uma tentativa de despertar a nação para os traços da identidade brasileira, enraizada na tradição popular, ou seja, para a low cult. Antes do Modernismo, os artistas desejavam acompanhar a produção artística européia, a considerada high cult, repetindo em suas obras os valores, as realizações estéticas e a modernidade estrangeira. Os elementos da “brasilidade” eram vistos pejorativamente se comparados àqueles pertinentes à civilização européia, uma vez que a Europa era considerada um exemplo a ser seguido pela elite cultural nacional.

Mário de Andrade tenta romper com este estigma sem descaracterizar o imaginário popular e suas construções discursivas naquilo que lhe é mais inerente. Para tanto, ele não cria um novo modelo de identidade nacional, como propõe Oswald de Andrade, mas o readapta a um modelo nacionalista.. A preguiça, a sensualidade, a etnia do povo brasileiro são vistos como valores positivos, contrariando o conceito elitista high cult em vigor. Clan do Jabutí já indica o caminho posteriormente traçado por esse escritor em Macunaíma, quando sua teoria sobre a identidade brasileira já estava amadurecida:

Brasil...
Mastigado na gostosura quente de amendoim...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remeleixo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois remurmuram sem malícia as rezas bem nascidas...
(...)
Brasil que eu amo porque é o ritmo de meu braço
aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito
engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de
dormir.
(Mário de Andrade, O poeta come amendoim)

Assim, segundo Guarilha, o estudo do conceito de arte nacional continua ainda relevante na atualidade. Primeiramente, pela importância dele no entendimento da passagem do século XIX para o século XX e é claro, na construção do discurso identitário brasileiro enquanto povo feliz, imaginativo e auto-sustentável. Entretanto, o projeto de uma arte estritamente formada de elementos nacionais nunca foi concretizado. Nossos artistas modernistas continuaram valendo-se de recursos estéticos também desenvolvidos por outros estrangeiros, embora de maneira diferenciada e independente. Posteriormente, com o advento da pós-modernidade e da globalização, a definição de arte nacional perde sua razão de ser e dá lugar à produção contemporânea, em que as influências tornam-se múltiplas e muitas vezes indefiníveis.

Podemos, ainda, encontrar diferenças formais comparando as duas obras de nosso estudo. Enquanto Mário de Andrade apresenta seu projeto em um livro de poesias, Oswald de Andrade escolhe o gênero manifesto . A escolha dos escritores acaba por ressaltar o aspecto político do Manifesto Antropófago e atenuá-lo em Clan do Jabutí.

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Fonte:
Maria Luiza Scher Pereira e Mariana Moreira Fernandes Barata: “Manifesto Antropófago e Clan do Jabutí: o discurso identitário brasileiro no modernismo”. Revista Gatilho. Ano III - Volume 5 - julho 2007. Disponível em: http://www.ufjf.br/revistagatilho

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