13/09/2015

O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec

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Trajetória histórica do Espiritismo no Brasil

No campo do espiritualismo  popular, ao largo do século XIX, manifestações supra-normais já compunham o imaginário religioso do brasileiro. Antes mesmo do caso das irmãs Fox nos Estados Unidos, já havia registros de reuniões espíritas no Brasil. Em 1967, o Anuário Espírita publicava um fac-símile de um documento procedente da Bahia, onde um juiz do Império, nos idos de 1845, relatava as providências tomadas ao ser informado que, num certo distrito, Mata de São João, eram rotineiras as “...reuniões noturnas em casa certa a pretexto de se ouvirem revelações das almas dos mortos que se fingem aparecer com número crescido de concorrentes...”.

Em tese de doutoramento na Unicamp sobre os espetáculos de circo e teatro em Minas Gerais oitocentista, a professora Regina Horta descreve magias, apresentações de “espiritismo moderno”, manifestações mediúnicas imbricadas à cultura popular. Num evento registrado por um periódico de Ouro Preto em 1891, o “Jornal de Minas”, o artista anunciava que o espetáculo e a demonstração do sobrenatural interessaria “...aos homens de ciência e ao clero, pelas questões de física e psicologia”.

Nesse grande laboratório de mestiçagem biológica e cultural que amalgamou, no terreno religioso, o chamado sincretismo, o Brasil possuía mesmo como uma predisposição cultural a aceitação do espiritismo, enraizada em suas matrizes indígenas e africanas.

No campo do pensamento acerca da imortalidade da alma, destaca-se, também, o eminente político do Império, Marquês de Maricá, cujas reflexões e reuniões filosóficas valeram-lhe diversas prisões ainda no final do século XVIII. Numa de suas indagações, questionava “... De que nos serviria a outra vida se o nosso espírito não conservasse o cabedal de idéias e conhecimentos que adquiriu na primeira, se perdesse a memória da sua identidade individual e intelectual”, numa clara alusão à reencarnação, postulação essa anterior a Kardec.

O fenômeno europeu e estadunidense das mesas girantes chegou ao Brasil em meados de 1853, empolgando salões quase que simultaneamente na Corte do Rio de Janeiro, no Ceará, em Pernambuco e na Bahia.

Foi na capital Imperial que, em 1860, um francês ilustrado, o professor Casimir Lieutaud, diretor-fundador de um colégio onde ensinava a língua francesa e autor de uma gramática com 25 edições até 1957, “Tratado Completo da Conjugação dos Verbos Franceses, Regulares e Irregulares”, publicou a primeira obra de caráter espírita do Brasil, “Les temp sont arrivés” – literalmente, “os tempos chegaram”. Posteriormente, em português, era publicada uma brochura de Kardec intitulada “O Espiritismo na sua mais simples expressão”, em 1862, com três edições sucessivas impressas em Paris no mesmo ano de lançamento da 1ª edição francesa, fato que chamou a atenção do teórico da doutrina.

E na Bahia, um filho de oficial do exército, Luís Olímpio Teles de Menezes, professor de instrução primária e de latim e também autor de teoria lingüistica, a “Ortoépia da Língua Portuguesa”, fundou um grupo familiar de espiritismo, a primeira associação espírita do país, em 1865 e, no ano seguinte, traduziu e publicou em Salvador parte da obra de Allan Kardec, “O Livro dos Espíritos”.

Em julho de 1869, foi lançado, ainda por Teles de Menezes, o primeiro periódico espírita brasileiro, o “Eco d’Além Túmulo”, que trazia, em seu subtítulo, “Monitor do Espiritismo no Brasil”. No informativo, editado em pouco mais de um ano, eram divulgadas matérias locais e reproduzidas páginas e questões publicadas na Revue Spirite (Revista Espírita) – órgão francês de Allan Kardec – e em “O Livro dos Espíritos”.

No entanto, a trajetória do espiritismo no país é permeada por querelas com o clero católico. O arcebispo da Bahia e primaz do Brasil, e também presidente do Instituto Histórico da Bahia, D. Manoel Joaquim da Silveira, em 1867, circulou uma pastoral denunciando os “erros perniciosos do espiritismo”, visto como “essencialmente religioso, ou antes, (...) um atentado contra a religião católica”. Teles de Menezes, membro do mesmo instituto, respondeu com uma carta aberta sustentado a “preexistência, reencarnação e manifestação dos espíritos”.
Quando os integrantes do grupo de Teles de Menezes intentaram a criação de uma “Sociedade Espírita Brasileira”, não obtiveram sucesso justamente pela influência do clero católico. Dois anos depois, em 1873, eles conseguiram fundar uma entidade representativa, a “Associação Espirítica [sic] Brasileira”, enquadrada como organização com finalidade científica, para romper a resistência católica.

A segunda associação do espiritismo surgiu no Rio de Janeiro, o “Grupo Espírita Confúcio”, formado por três expoentes do movimento republicano, Francisco Leite de Bittencourt Sampaio – político, jornalista e alto funcionário público -; Antônio da Silva Neto, engenheiro baiano -; e Joaquim Carlos Travassos – médico e industrial carioca.

A sociedade, fundada em 1873, contava com normas de funcionamento e estatuto jurídico, aspecto pioneiro no país, e lançou uma tendência que se tornou tônica no movimento espírita – a assistência médica com tratamentos homeopáticos gratuitos, receitas atribuídas a influências mediúnicas e recebidas por Bittencourt Sampaio.
Assim, o espiritismo disseminava-se pelo Brasil, com a participação expressiva da classe média e camadas dominantes, e vários grupos sucederam-se, fosse pelo aumento dos adeptos ou disputas pelo controle interno. Chocavam-se os que pretendiam imprimir uma conotação científica aos estudos, com experimentos das manifestações controladas, com aqueles que valorizavam sua dimensão religiosa, preocupando-se com orientações espirituais ligadas ao crescimento moral.

Foi a ênfase no aspecto religioso da obra de Kardec, de acordo com o prof.º. Cândido Procópio Ferreira de Camargo, autor da obra clássica da sociologia nacional “Kardecismo e Umbanda”, que constituiu o traço distintivo do espiritismo brasileiro, “... e, talvez, a causa de seu sucesso entre nós”.

Nessa perspectiva, outras entidades iam surgindo. Uma importante dissidência do grupo Confúcio foi a “Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade”, liderada por Bittencourt Sampaio. Outras cisões ocorrem; em 1877, foi constituída a “Congregação Espírita Anjo Ismael” e, em 1878, o “Grupo Espírita Caridade” – ambos orientados pelo assistencialismo e pela a prática da caridade, numa discordância às discussões científicas. A “Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade” prosseguiu suas atividades, apesar das dissensões, mas, em 1880, um grupo capitaneado pelo professor Afonso Torterole conseguiu mudar a denominação da instituição para “Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”. Esta decisão provocou a terceira e última cisão, gerando a formação do “Grupo Espírita Fraternidade”, com Bittencourt Sampaio e dois novos participantes, que tiveram importância no movimento espírita brasileiro, Antônio Luis Sayão e Frederico Pereira da Silva Júnior.

As dissensões internas enfraqueciam o movimento e imprimiam um caráter efêmero aos grupos constituídos. Entre as várias vertentes espiritualistas presentes no país, uma bem articulada foi composta pelos adeptos das idéias de Jean Baptiste Roustaing, cuja obra, publicada em 1866, “Os quatro evangelhos”, suscitou oposição rigorosa dos kardecistas brasileiros. Para as duas correntes, Jesus Cristo não é Deus e seria um espírito altamente evoluído com uma missão especial entre os homens. Mas, enquanto os seguidores de Kardec acreditam que Cristo viveu como homem na Terra, Roustaing sustentou que não faria sentido um ser perfeito encarnar-se como os homens, sendo que seu corpo seria constituído de fluídos – elemento, segundo os espíritas, intermediário entre a matéria e o espírito. Para os kardecistas, essa concepção do corpo de Cristo imprimia um caráter místico e sobrenatural ao espiritismo.

Bittencourt Sampaio era um dos expoentes da vertente de Roustaing.

Em 28 de agosto de 1881, a revista “O Cruzeiro” e o “Jornal do Comércio” informavam, em reportagem sobre uma ordem policial proibindo o funcionamento da “Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”, e mencionavam as sanções penais àqueles que desobedecessem à determinação. No mesmo dia, representantes da “Sociedade” procuraram o Ministro da Justiça que, por sua vez, afirmou que não haveria perseguições religiosas. Todavia, no dia 30 do mesmo mês, um oficial de justiça apresentou-se com uma intimação, vedando as reuniões daquele grupo espírita.

Uma comissão foi montada para verificar a origem do mandato. Um dos membros era o médico e político mato-grossense, Antônio Pinheiro Guedes que, com outras figuras de certo relevo social, procurou o Segundo Delegado de Polícia da Corte, que tinha assinado o mandato. Constatando que a determinação viera de escalões superiores, recorreram ao próprio imperador D. Pedro II, em setembro de 1881, durante a realização do Primeiro Congresso Espírita Brasileiro, e obtiveram a promessa – que fora cumprida – de que não haveria perseguição.

Esses eventos são relevantes para a compreensão da disseminação do espiritismo. Além de um ambiente cultural propício, como exposto, pelas peculiaridades da formação brasileira, engajaram em suas fileiras importantes elementos de classe média e alta. A rigor, numa análise mais abrangente do movimento espiritualista, há uma distinção entre o alto espiritismo – também conhecido como “mesa Branca”, em que o kardecismo inscreve-se – e o baixo – com os adeptos da Umbanda e do Candomblé, mais notadamente popular.

As atividades assistenciais de Eurípedes Barsanulfo em Sacramento, objeto desta dissertação, também suscitaram reações, que culminaram na abertura de um inquérito policial e jurídico a partir de Uberaba, por conta de seu suposto exercício ilegal da medicina – ponto que abordaremos no capítulo V - item 1.3 desta dissertação (“O Médium - ou, nos passos de ‘tio Sinhô’ Mariano”). Tal como os precursores do movimento espírita, Eurípedes contaria com a omissão e a ajuda velada de membros do judiciário e da política sacramentana.

O ambiente para os adeptos do espiritismo era hostil, numa época em que o catolicismo predominava. A admissão dessa fragilidade levou os espíritas a articularem a fundação, em 1884, da “Federação Espírita Brasileira (FEB)”, com a expectativa de agregar todos os grupos espíritas, independente de suas divergências. Sintonizados com um ideal republicano, essencialmente descentralizado, os elementos que constituíram a FEB optaram para uma organização do espiritismo brasileiro numa base federativa, como o próprio nome da entidade sugeria. Definido um congresso realizado no Rio de Janeiro em 1889, o modelo que contemplava o caráter autônomo dos centros espíritas e da idéia de organização nas províncias que se opunham à centralização da monarquia.

Um dos nomes de relevo convertido ao espiritismo e que teve um papel agregador no emergente movimento espírita, foi o médico e político cearense Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcante (1831-1900). Quando se desligou em definitivo da política, em 1886, passou a dedicar-se integralmente ao espiritismo, escrevendo com o pseudônimo de Max no célebre “O Paiz”, dirigido por Quintino Bocaiúva. Presidiu a FEB em dois momentos: o primeiro, em 1889, marcou a decisão do princípio federativo da entidade.  Sem preocupar-se com o lado científico do movimento, vinculava-se às tendências mais religiosas do espiritismo, se aproximando do pensamento de Roustaing. Em decorrência do acirramento das disputas, não completou um ano à frente da FEB, afastando-se da direção do movimento. Entretanto voltou a presidir a entidade entre 1895 e 1900, período em que as características atuais do espiritismo foram consolidadas, assinalando a supremacia do grupo religioso.

O processo de cura e difusão de receitas médicas gratuitas popularizaram o espiritismo e contribuíram com a sua disseminação. Analisando as transformações advindas com a proclamação da República e a desintegração de uma sociedade patriarcal e semi-patriarcal sob o regime do trabalho livre, Gilberto Freyre, em “Ordem e Progresso”, analisou a expansão do movimento espírita à luz dessas mudanças. O sociólogo destacou o caráter beneficente das associações e algumas semelhanças em suas atividades com as confrarias católicas; a fundação da FEB, tendo como um de seus mentores um general de exército, depois marechal Francisco Ewerton Quadros, que fez parte de uma Assistência aos Necessitados ao lado de uma Escola de Médiuns; e, em 1912, fundou-se também no Rio de Janeiro, um hospital espírita para “... pessoas atacadas de alienação mental que quisessem submeter-se ao tratamento pelas correntes fluídicas organizadas pelo astral superior”.

O sentido religioso do espiritismo predominou em superação às tendências científicas, e a FEB marcou uma nova etapa do movimento no Brasil, proporcionando uma maior coerência e homogeneidade na difusão da doutrina. Nas primeiras décadas do século XX, seu crescimento foi notável, extrapolando os limites de Salvador e do Rio de Janeiro, seus pólos originais.

Um elemento também muito importante para a expansão do kardecismo pelo Brasil foi a utilização maciça dos órgãos de imprensa, que atingia os segmentos letrados da população – sua principal faixa social. Após a publicação de “O Eco D’Além Túmulo”, do pioneiro Teles  de Menezes em Salvador, foi lançado, em 1883, no Rio de Janeiro, o “Reformador”, denominado “mensário religioso do Espiritismo cristão”. Com a fundação da Federação Espírita Brasileira no ano seguinte, esse jornal tornou-se órgão oficial da nova instituição que agregava vários grupos.

Passo também importante para a divulgação do espiritismo com ênfase na leitura e no estudo, ainda foi a instalação, em 1897, de uma editora especializada pela FEB, que vem funcionando até hoje, com a publicação de obras de autores brasileiros e estrangeiros.

A República, por outro lado, endurecera a posição contra as atividades espíritas, numa tentativa, talvez, de apaziguar as relações com a Igreja, estremecidas com o desatrelamento com o Estado. O Código Penal de 1890 era enfático: “É crime praticar o Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancia (...), inculcar curas de moléstia (...) e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão celular de 1 a 6 meses e multa de 100 a 500$”. O “Reformador” denunciava em suas páginas a repressão policial contra o movimento, que chegava ao cúmulo de espancamento físico e apedrejamento aos recintos singelos pelo país afora.

Porém surgiam inúmeros expoentes da doutrina e grupos espíritas que irradiavam a religião em todas as regiões do Brasil.

Em São Paulo, o líder pioneiro foi um português nascido no interior lusitano, Antônio Gonçalves da Silva Batuíra (1839-1909). Filho de humildes camponeses, tendo completado apenas a educação primária, veio com cerca de 11 anos para o Brasil, aportando, inicialmente, no Rio de Janeiro, mudando para Campinas e depois São Paulo. Como entregador de jornais, aprendeu a arte tipográfica e, com as economias reunidas, montou um pequeno teatro, que funcionou entre 1860 e 1870, no qual encenava diversas peças, muitas vezes, com a lotação máxima de duzentas pessoas.

O pobre português prosperou na vida, comprando terrenos numa região desabitada, o Lavapés, que logo, diante do avanço da cidade, se valorizaria. Consta que inúmeras vezes acolheu escravos fugidos, e que, quando descobertos, envidava todos os esforços para comprar-lhes a liberdade. A descoberta do espiritismo ocorreu quando uma tragédia repentina o desestabilizou, o falecimento do filho único de sua segunda esposa, D. Maria das Dores Coutinho, um menino de apenas doze anos. A dor seria logo reconfortada pelo contato com a doutrina espírita da qual Batuíra tornou-se um entusiasmado divulgador.

Foi com a sua dedicação que surgiu em São Paulo um importante núcleo espírita, o primeiro com sede própria na América do Sul, construída na rua Lavapés, n.º 4, contando com a divulgação pela “Revista Verdade e Luz”, cujo primeiro número foi lançado em 20 de maio de 1890. Batuíra praticava a homeopatia e era considerado médium curador.

Numa sintonia com a trajetória e as postulações de Allan Kardec, o terreno da educação também foi profícuo para o desenvolvimento da doutrina e a fundamentação de uma denominada pedagogia espírita. Nomes como Anália Franco, Eurípedes Barsanulfo e Herculano Pires foram essenciais a essa gestação.

Figura proeminente na história paulistana do início do século XX, Anália Franco (1856-1919) foi uma mulher além de seu tempo – professora, teatróloga e jornalista, tendo também ideais feministas, republicanos e abolicionistas. Nascida em Resende, no interior fluminense, trabalhou como assistente de sua mãe, educadora primária. Em São Paulo, formou-se como normalista, em 1876, e teve uma atuação ímpar no campo educacional.

À ocasião da promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, várias crianças negras filhas de escravas eram expulsas da fazenda e o destino, na maioria das vezes, era a roda da Santa Casa de Misericórdia – dispositivo discreto, que permitia o depósito anônimo de bebês rejeitados pelo muro da instituição. Quando tomou conhecimento da situação, Anália Franco fez um apelo às fazendeiras e pretendeu transferi-las de São Paulo para o interior.

Uma proprietária rural cedeu-lhe uma casa para a instalação de uma escola primária, sob a condição de não misturar crianças brancas e negras. Diante da imposição e do impasse, Anália fez questão de pagar o aluguel, o que comprometia a metade dos seus ganhos. Mas, nos dizeres da fazendeira, a escola tornou-se um “albergue de negrinhos”, removendo logo a professora de sua propriedade.

Por volta de 1887, em Taubaté - SP, ela fundou o primeiro abrigo de órfãos e crianças abandonadas, criando a primeira Casa Maternal. Repudiada por escravocratas e oligarcas locais, contou, no entanto, com o precioso auxílio de abolicionistas, disseminando escolas maternais pelo interior paulista. Na capital, fundou uma revista denominada “Álbum de Meninas”, cujo subtítulo frisava: “Revista Literária e educativa dedicada às jovens brasileiras”, em 1898, e, com um grupo de senhoras de todos os níveis sociais, lançou a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva de São Paulo, em 1901, cuja lista de associados logo chegaria a 2000 signatários. O objetivo da entidade era oferecer a instrução e o amparo a crianças pobres e mães desamparadas.

Seis anos após a fundação, a associação mantinha e orientava, só na capital, 22 escolas maternais e duas noturnas, enquanto no interior funcionavam cinco escolas maternais. Ao todo, cerca de duas mil crianças pobres recebiam a educação. Havia ainda um “Liceu Feminino Noturno”, em São Paulo, com mais de cem alunas, e outro, em Santos.

Nos idos de 1910, a dona Anália Franco, por ocasião da visita de um músico e militar, organizou uma atividade inédita, a primeira banda de música feminina do país, denominada Dramático musical. Em decorrência da eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914/1918) e o corte de ajudas voluntárias, a associação atravessou por dificuldades, e a solução encontrada pela dona Anália Franco, para contornar as dificuldades, foi promover excursões da Banda Musical e do Grupo Dramático pelo interior paulista para angariar os recursos necessários.

Quanto à conversão de Anália Franco ao espiritismo, não existe, segundo seus pesquisadores, uma indicação precisa sobre essa circunstância. Até 1901, pouco se sabe acerca dessa militante da educação feminina no Brasil. Católica moderada, é provável que, durante uma crise de cegueira momentânea em que estivera recolhida e distante das atividades sociais por volta de 1899, ela teria se aproximado da doutrina espírita. Existem documentos de 1903 demonstrando sua vinculação ao Centro Espírita de São Paulo, no largo do Arouche, onde instalou, de acordo com as atas da entidade, uma escola maternal pela manhã.

Eurípedes Barsanulfo foi o grande nome do espiritismo na primeira metade do século XX e sua trajetória a partir de Sacramento, contribuiu decisivamente para a ampliação da doutrina kardecista pelo Triângulo Mineiro e pelos interiores de São Paulo e Goiás. Apenas em linhas gerais – o tema é aprofundado no capítulo V deste trabalho – vale adiantar as circunstâncias de seu engajamento. Um advogado e coronel de Uberaba promovia sessões espíritas domiciliares, e, participando num desses eventos, o empresário espanhol Fernando Peiró converteu-se à doutrina. Seu contador na firma de cal era Mariano da Silva, o “Sinhô”, tio de Barsanulfo. Assustado com os acontecimentos sobrenaturais na Fazenda Santa Maria – pancadas na parede, sons de pedra no telhado, sumiço de objetos –, convidou o espanhol a fim de analisar o fenômeno, e Peiró entendeu que seriam manifestações mediúnicas.

Mariano abraçou o movimento e dessa adesão surgiu, em 1900, o primeiro centro espírita do interior mineiro, o “Fé e Amor”, na pequena localidade rural de Santa Maria.

Filho de uma humilde, mas emergente família, que prosperava pelo comércio, Eurípedes Barsanulfo era um jovem com muitas atividades, contador da empresa do pai, a “Casa Mogico”, vereador e ainda que autodidata, professor do Lyceu Sacramentano. Era católico fervoroso, mas foi por intermédio do tio que descobrira o espiritismo numa sessão em Santa Maria em que o Bezerra de Menezes e São Vicente de Paulo teriam se manifestado, orientando-o sobre os seus compromissos espirituais.

Seu engajamento ao espiritismo, o ativismo contínuo e perseverante e a fama arrebatada pelas curas e manifestações mediúnicas, bem como as atividades no Collégio Allan Kardec e na farmácia gratuita contribuíram decisivamente para a irradiação do espiritismo e fizeram de Eurípedes um dos ícones da doutrina de Kardec no Brasil.

O legado de Anália Franco e Eurípedes Barsanulfo no campo educacional teria sua sistematização numa linha de reflexão denominada pedagogia espírita, surgida no final dos anos 1940, a partir da articulação e coordenação do intelectual José Herculano Pires (1914/1979). Paulista nascido em Avaré, graduou-se em filosofia pela USP e, numa extensa produção, que inclui poesia, ficção, filosofia, espiritismo e parapsicologia, deixou mais de 80 obras.

Em 1948, com a participação de jornalistas e militantes da imprensa paulista, sob a presidência de Herculano Pires, foi fundado o Clube de Jornalistas Espíritas de São Paulo, com estudo sistemático do Livro dos Espíritos. No ano seguinte, o grupo realizou, também em São Paulo, o “Primeiro Congresso Educacional Espírita Paulista”, convocado pela “USE – União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo”, fundada em 1947. Dos debates e teses apresentadas para a fixação das bases da Educação espírita, foi concretizada a criação do Instituto Espírita de Educação em São Paulo contando com sede própria. Em 1951, no “Segundo Congresso”, foi determinada a instalação do “Instituto Educacional Espírita Metropolitano”, dedicado aos estudos e pesquisas pedagógicas.

Na história do espiritismo no Brasil, a religião de Kardec enfrentou a oposição ruidosa do clero católico, rusgas com o sistema repressivo e com o judiciário. Certo livro de Xavier Oliveira, em 1931, “Espiritismo e Loucura”, atacou a doutrina, comparando “O Livro dos Médiuns” com a cocaína. Com a efetivação do Estado Novo, a repressão ao movimento foi intensificada. No final dos anos 1930 era a vez dos protestantes distribuírem panfletos no Rio de Janeiro contra o espiritismo.


O movimento prosseguiu a jornada, angariando adesões, expandindo os centros e as atividades de cura ganhavam respeito. Em 1939, realizava-se o “Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas”, no Rio de Janeiro e, em 1944, surgia a “Cruzada dos Militares Espíritas”. Foi em 1946, no governo de Gaspar Dutra, que a nova Constituição do país assegurava e garantia, finalmente, a ampla liberdade religiosa no país.


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Fonte:
Anderson C.F. Brettas: 
"Eurípedes Barsanulpho e o Collégio Allan Kardec: Capítulos de História da Educação e a Gênese do Espiritismo nas Terras do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro - 1907/1918. (Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de mestre junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação, sob a orientação do prof.º Dr. José Carlos Souza Araújo. Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Educação -Programa de Pós-Graduação em Educação). Uberlândia, 2006.

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