15/09/2015

Bluesia (Poesia), de Salomão Rovedo

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Cantilena do velho

Oi gente, que nem parece,
coisa que nunca se esquece:
andei de bonde outra vez,
amei, fumei charuto e bebi.

Quando nasci disseram: – Ai!
Parti pelas vidas zoneando,
trupicando perna em botequim,
qu’esqueci do boníssimo Pai.

Voltei para ver o que perdi:
rede carunchada na varanda,
uns traços à Salvador Dalí
desenha os seios de Amanda.

Amigos vão pouco reclamar,
pois vão me achar leve, leve.
Quem passa a vida de triscado,
eis onde Deus não pode tocar.

Boiando em águas claras bebi,
largando o lombo ao castigo,
apanhando quiném cão danado:
cago solenemente ao inimigo.

E se deixar o peso tal-e-qual
as almas sem pecados mantêm,
levando de carona as putinhas,
levíssimo dou à porta celestial.

Chora. Outros filhos hão de vir,
muitos perecerão nas guerras,
entretanto morrerão nas camas,
os filhos que as mães vão parir.

Digo aos padres e médicos tais,
salvadores de corpos e almas:
Fodam-se, fodam-se, fodam-se!
Não fiz morada em hospitais.

Vou todo o peso aqui deixar,
amores inválidos por amar...
Quem muitos filhos perderá,
mil outras cruzes herdarão.

Delitos jamais confessados:
cem mil retratos amarelados.
Plantei gozos e desenganos
na estrada dos setent’anos.

Nenhum prazer dei a esmo,
talqualmente a safra do milho,
só trambolho ao meu mesmo,
Deus chora a perda do filho.

Se não contabilizo inimigo,
também dei trabalho a amigos.
Toneladas de erros e pecados

morrem na memória grudados.
[Extraído do livro]

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