21/06/2015

Goiás, de Visconde de Taunay

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Contexto crítico de Taunay

Contexto crítico de Taunay Emerge agora questionar: nos variados níveis de abordagem do complexo romântico, qual o valor e a função da obra de Alfredo Taunay?

Na falta de um contorno mais específico, querer definir/enquadrar a obra e o escritor em estilos específicos de época, não é a intenção deste estudo. Mas aqui, essa totalidade é gênese e explicação, pois equilibrar os dois aspectos produz o efeito de sentidos no leitor. No primeiro caso, abre perspectivas de diferentes leituras que, de alguma forma, combatem a limitação da experiência literária; no outro, desperta o desejo de penetrar particularidades das obras que libertam a sensibilidade e a visão de mundo.

Vimos que determinados componentes de origem, como vinculações de pensamentos remotos e contemporâneos ao escritor e as mudanças da sociedade, podem ser postos em situação de análise, tematizados e lidos ao lado das abordagens estéticas. Convém esclarecer, em vista disso, que é inevitável o apelo à cultura, para que se possa explicar relações de sentido, entre outros elementos significativos que fizeram parte do complexo histórico, como a viagem e a questão da natureza transformada em paisagem.

Posicionamos, no item anterior, sobre a diversidade de expressão e de interpretação do fenômeno romântico no mundo europeu, totalmente adaptado, no Brasil, a uma “fonte que verdadeiramente lhe pertencia” (DENIS, 1978, p. 36)20. A literatura assumia, assim, uma fisionomia própria, necessária ao momento da independência, feita sob o signo do Romantismo.

Aos traços maiores do contexto, agregaram-se as formas de expressão, que produziram diferentes sentidos, revelaram o homem sedento de liberdade, ansioso por reconquistas de valores e de territórios, para alargar o próprio espírito e dominar o futuro. Daí a figuração mítica da nação e do herói, elementos necessários à afirmação cultural.

Até aqui entendemos que o acordo entre a busca do sentido do nacional e a construção de emblemas configurativos dessa idéias de nação, está feito com a historiografia literária. No entanto, o cenário político transformou-se e, nos anos 50/60, do século XIX, com a extinção do tráfico dos negros, o Brasil entrou num período de crises no regime de governo e nas instituições que o sustentavam.

Alfredo Taunay, em plena Guerra da Tríplice Aliança, iniciou seu labor literário, impulsionado pela viagem, ou melhor dizendo, elaborou a matéria-prima maturada pelo exercício da observação. Já não vigoravam somente as atitudes do eu romântico incapaz de resolver os problemas das diferenças sociais, os suspiros poéticos, as saudades, os códigos clássicos, exacerbação religiosa, a criação idealizada do herói e da natureza, mas o “contato de uma cultura citadina e letrada com a matéria bruta do Brasil rural, provinciano e arcaico” (BOSI, 1988, p. 155).

Esse era o “verdadeiro” Brasil ou a necessidade de (trans)fusão do sentido nacional? O sentido que Taunay tentou imprimir pode ser visto, pelo alcance de sua obra, na explicação da existência de dois “brasis”: o da “face culta da metrópole carioca e das capitais de algumas Províncias; e outro, da face oculta, diferenciada”, mas não menos necessária ao projeto de integração nacional (ibidem).

Taunay construiu-se personagem da história política e literária brasileira por “germes de origem”. Um deles é o de paisagista, “inoculados desde o berço e reforçados [...] pelos espetáculos inolvidáveis dos múltiplos panoramas do Rio de Janeiro, [...] sob a indicação do dedo mestre do pai”; o outro é o de escritor, pela “ação poderosíssima de longas e custosíssimas viagens pelo grande oeste pátrio, por São Paulo, Minas, Goiás e Mato Grosso feitas [...] aos vinte e dois anos [...]” (ROMERO, 2002, p. 407). Duas pontas das lanças utilizadas pelo civilizador, no caso Taunay, colocam-se frente ao povo a ser civilizado no interior do Brasil. Na busca do outro, foi despertado para o talento e o gosto de escrever, aspectos que a crítica compreendeu de variadas formas, muitas vezes, em detrimento de algumas qualidades dignas de nota.

Um panorama histórico-literário pode dar conta do que se pretende explicar aqui.

Da participação ativa nas viagens e na vida pública brasileira do Segundo Reinado, Alfredo Taunay integrou uma lista de nomes que soma ao de Joaquim Nabuco 60 e André Rebouças, todos vinculados, de alguma forma, ao Imperador Pedro II. Conhecer o pensamento dessa época é conviver com uma parcela da forma como se pensava o Brasil, mesmo que Taunay (meio francês, meio brasileiro) possa significar uma espécie de contradição que, segundo Sílvio Romero (ibidem), parece intrínseca e fundamental para compreender a causa de suas lutas pela imigração e contra a escravidão.

Situando a prosa romântica, Nelson Werneck Sodré (1960, p. 298-9) diz que o “verdadeiro Brasil”, original, puro, seria o do interior, o do sertão, “imune às influência externas, conservando em estado natural os traços nacionais”. Não por acaso, o índio foi focalizado como emblema nacional e, posteriormente, não representando mais a totalidade de caráter dessa expressão, foi substituído, mesmo que não totalmente, pelo sertanejo, trabalhador da terra e em harmonia com o cenário natural, e também romântico, embora carregado de outros aspectos singulares.

No estudo sobre “três romancistas de costumes rurais”, Lúcia Miguel- Pereira (1952) defendeu a tese – para Afrânio Coutinho (1955) “duvidosa” – da supremacia dos costumes sertanejos sobre as personagens da obra Inocência. Para ela, o romance aponta “sérios defeitos de técnica, complexidade e mistério”, apesar de o escritor conseguir criar um “mundo próprio das personagens” (op. cit., p. 107 e 110).

Para Antonio Candido (1997), Alfredo Taunay é tido como “mediano” e ao mesmo tempo como um “caso raro na literatura do tempo, para a qual trouxe uma rica experiência de guerra e de sertão, depurada por sensibilidade e cultura nutridas de música e artes plásticas” (op. cit., vol. 2, p. 266 e 275). As opiniões, a respeito do conjunto da sua obra, não encontram muita guarida entre os críticos, incluindo os contemporâneos. Pressupõe-se que ocorre certo desconhecimento sobre a contribuição da obra de Alfredo Taunay para a anexação do conceito de interior brasileiro, com as descrições de cidades, campos, natureza e homem. Um exercício do olhar que tornou visível o espaço desconhecido, mas também marcou uma forma de apropriação, estabelecendo uma história que se fez pelo imaginário. Neste caso, o discurso da descoberta foi acentuado, posteriormente, pela elaboração das lembranças da guerra, da política imperial, da persona do Imperador e dos acontecimentos nacionais do Segundo Império.

O que Antonio Candido analisa como peculiaridade cultural, Sílvio Romero21 reconheceu, nas raízes do pensamento de Alfredo Taunay, como “sentimento de paisagem” que se sobreeleva mais que a imaginação, o vigor e a poesia, quando comparado a românticos como Alencar, julgamento que foi seguido por quase toda uma geração de críticos.

Com José Veríssimo22, a obra de Alfredo Taunay aparece como “fórmula” literária e “cópia” em que falta “coesão e intensidade que lhe dessem mais solidez e distinção”, o que, para Afrânio Coutinho (1955, p. 906), faz com que o escritor se perca “na descrição da natureza, nas anotações dos costumes e, talvez, na excessiva preocupação de fidelidade [...] do que resulta certa falta de unidade, certo desequilíbrio no tônus do romance”. Nesse aspecto, Olívio Montenegro (1953) coloca-se ao lado de Coutinho ao considerá-lo mais um homem de ciência do que puro escritor. Montenegro ressalta, ainda, o descritivismo, a “maníaca cor local” ou “os dois olhos de Narciso” do romance Inocência (p. 72-78).

Outros críticos não descem às minúcias dos anteriores e contentam-se em trazer a obra de Taunay, mesmo com as repetições que se sucedem, como representativa do “pitoresco da paisagem e da língua” (SODRÉ, 1960, p.301). Ronaldo de Carvalho (1937, p. 262) defende o artista como conhecedor da “justa medida das cousas”. Para ele, com Inocência, “começou o romance de amor a perder aquelle sainete puramente sentimental que lhe imprimira Macedo [...], desenhando as paixões com menos violência e as figuras com mais naturalidade do que era commum”. João Ribeiro (1952, p. 205) destaca alguns “traços novos” que compõem a fisionomia de Taunay, como as suas ligações com a Arte, o epos contido em A retirada da Laguna e a “suavidade de estilo” de Inocência.

A partir desses posicionamentos iniciais, a historiografia literária começa a visualizar outros aspectos da obra do escritor, reunindo ingredientes do contexto (aqui entendido como o conjunto das idéias e o diálogo entre textos). José Aderaldo Castello (s/d), lançando mão das Memórias do Visconde de Taunay (1946), demonstra como o escritor obteve elementos essenciais para a elaboração de Inocência e como esta obra está imbricada em outras, como Viagem de regresso e Céus e terras do Brasil (p. 47- 53). Numa pequena nota, em Presença da Literatura Brasileira (1976), Castello diz, em conjunto com Antonio Candido, que Taunay é, “sobretudo, visual, primando nas descrições; mesmo a sua narrativa, freqüentemente muito boa, se traduz em termos plásticos” (p. 79).

Vai-se, desta forma, afunilando uma visão menos formal de um regionalismo artificial, para se compreender os elementos constituidores do nacionalismo literário brasileiro que consistiu, basicamente, em “escrever sobre coisas locais” rumo a uma “intenção programática, a resolução patriótica de fazê-lo” (CANDIDO, 1997, p. 99). Não mais a obra isolada nas situações narrativas, mas as circunstâncias de sua realização. Não mais a “falha da visão” do condicionamento social, mas o cuidado com o “vínculo entre a obra e o ambiente, depois de termos chegado à conclusão de que a análise estética precede considerações de outra ordem”. Sem a dissociação das visões, há que “fundir texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam com momentos necessários do processo interpretativo” (CANDIDO, 2000, p. 3 e seguintes). Assim, compreender as condições sociais torna-se necessário para des-cobrir significados para construir outros olhares, desconstruindo e compondo singularidades.

Nessa vertente, a sociologia da literatura e o comparativismo tentam aproximações entre as obras, elaborando o objeto artístico, pela interpretação estética que assimilou a dimensão social como fator de arte (op. cit., p. 7).

Alceu Amoroso Lima (1948), em estudos sobre a contribuição à história do modernismo literário, coloca Alfredo Taunay e Euclides da Cunha no “balanço nacional”. Ambos militares, em épocas e operações de objetivos diversos, legaram “grandiosas sínteses de nossa nacionalidade”, apesar da impossibilidade de compará- los. De qualquer forma, se aquele nos deu “uma página imortal de dor e de heroísmo”, da nacionalidade, este “as mais poderosas, as mais profundas, as mais grandiosas sínteses de nossa nacionalidade em esboço”. Um a “tragédia da consciência”; outro, a “tragédia da terra” (p. 292).

Nesse aspecto, na perspectiva dos universos distintos do regional em Alencar e Taunay, José Maurício Gomes de Almeida (1981) privilegia um estudo minucioso sobre o sentido das epígrafes de Inocência, até então, em total desatenção crítica. Um artifício do narrador para “dialogar com a sua narrativa e, por via indireta, com o leitor”. Apesar das diferenças e da distância de trinta anos que os separam, a analogia das situações “trágicas” de páginas da história do Brasil está na facilidade de composição descritiva do regionalismo. Dessa forma, o regional deixa o “localismo redutor”, para o alcance de uma “estética global” (op. cit., p. 93-7). Ou seja, os sentidos percorrem o texto de dentro para fora e nas beiradas, no desejo de poder dizer em todos os quadrantes, inclusive nos universais.

Outros aspectos do potencial de universalidade contidos na narrativa de Alfredo Taunay chamam atenção. Massaud Moisés (1985) e Temístocles Linhares (1987) relevam a construção dos tipos nos romances do escritor. O primeiro fala no “equilíbrio dialético” da narrativa de Inocência e “da cosmovisão de Taunay (MOISÉS, op. cit., p. 281); o outro atesta a “contribuição nova” aos novos rumos do sertanismo brasileiro “não propriamente em favor de maior aproximação com a realidade, mas antes de mais rica e profunda imaginação na esfera criativa” (LINHARES, op. cit., p. 155). Wilson Martins (1977), meio que revertendo um antiga polêmica entre Taunay e Alencar23, sugere certa influência de Inocência sobre O Sertanejo, que “repete, no título, na paisagem, nos caracteres e na ação, a temática inaugurada por Taunay, com Inocência, e que, como já foi observado, permaneceria para sempre no foco central do nosso regionalismo” (p. 508).

Nesse vasto panorama crítico-historiográfico, Antonio Candido (1997) não se deixa levar pelas antigas cisões de estilos literários. Avaliando o horizonte da segunda metade do século XIX, inscreve a obra de Taunay no “nacionalismo literário”. Um escritor que, como poucos, efetuou “levantamento tão cabal do país [...], na ficção e no documentário, só fez descrever as suas cidades e campo, a natureza e o homem, preocupado em registrar, depor, interpretar” (p. 266). Assim, o regionalismo será visto como “programa e critério estético” que a “sensibilidade e o bom senso” de Taunay exprimiram (p. 267-282), o que diferencia o escritor de outros regionalistas. A combinação do estético e do pragmatismo da formação fundamenta o conjunto da obra e dimensiona as características da sua personalidade.



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Fonte:
Olga Maria Castrillon-Mendes:
“Taunay viajante e a construção da imagética de Mato Grosso”. (Tese apresentada ao Curso de Letras do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Estudos da Linguagem - como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Letras. Orientador Prof. Dr. Carlos Eduardo Ornellas Berriel). Campinas, 2007.

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