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O
pensamento de Deus nos Sonetos
Penso como Proudhon, Michelet,
como os ativos; sinto, imagino e sou como o autor da Imitatio Christi.
ANTERO DE QUENTAL
No capítulo anterior,
apresentamos, nas Odes, a relação dos erros que Antero considerou mais
graves no Catolicismo, e que o levaram, mais uma vez, a buscar soluções para a
sua persistente angústia, mas é nos sonetos constantes do volume das Odes
que ele vai especificar de modo mais pessoal as suas dúvidas.
Se sua preocupação com as
injustiças sociais e com a instituição Igreja Católica, aparentemente, parecia
exposta e aplacada, o mesmo não se pode dizer do problema principal, fonte de
toda uma angustiante expectativa – o seu relacionamento com Deus:
[...] um sistema de idéias não
só há-de convir à inteligência, mas também satisfazer o coração. Se a
inteligência, por agora, não ficou satisfeita com o universo da ciência, o
mesmo sucede ao sentimento.(RAMOS, 1942, p.58)
Debatendo-se entre Proudhon e
Hegel, Antero põe-se entre o “humanismo democrático” dos franceses, “belicoso e
estrídulo”, (SÉRGIO, 1943, p.11) característico do Livro Segundo das
suas Odes, e o conservadorismo do idealismo alemão, caracterizado pelo
“evolucionismo dialético do sistema hegeliano”, (Ibidem, p.13) mais
teórico, do seu Livro Primeiro.
Daí deriva sua insatisfação espiritual e justifica-se
a célebre passagem da
Carta a W. Storck, quando
escreve: ”varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional,
caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito
naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem
esforço a uma regra reconhecida”.
Desse estado “naturalmente
religioso” promana, segundo António Sérgio no Prefácio às Odes Modernas,
“a terceira corda – a que poderíamos chamar elegíaca” (SÉRGIO, 1943, p.15), da
tríade composta pelo pensar de Proudhon, de Hegel e do próprio Antero.
Esse tom elegíaco, terno e triste, vai transparecer em
alguns versos de “Tentanda Via”:
É a saudade, que nos rói e mina,
E gasta, como à pedra a gota d ’água...
Depois a compaixão, a íntima mágoa
De olhar essa tristíssima ruína...
Tristíssimas
ruínas! Entristece E causa dó olhá-las – a vontade Amolece nas águas da
piedade,
E, em meio do lutar, treme e falece.
Cada pedra que
cai dos muros lassos Do trêmulo castelo do passado, Deixa um peito partido,
arruinado,
E um coração aberto em dous pedaços!...
(Ibidem, p.14)
A essas meditações do poema
acima junta-se o passado histórico e um futuro para o qual caminha a Revolução
em marcha, como percebemos em “Flebunt Euntes”:
Também sei,
também sei o que são lágrimas! E sei quanto se deve
Às cinzas dos
Avós, quando as lançamos Aos ventos do oceano!
...Passado! – Eu
sei dar pranto a estas tristezas, A estes restos saudosos
Do velho mundo.
Vós, que estais chorando, São belas essas dores!
[...]
Depois, avante!
Os astros não se extinguem! Há céus e espaços novos!
Enterre-se o passado com piedade...
Mas o olhar... no futuro!
(Ibidem, p.14/15)
Percebe-se, nesses versos, a
preocupação de Antero em tentar mostrar-se ainda ligado às raízes de sua
tradição, que permanecem, trazendo consigo todo o espiritualismo do qual se
torna ineficaz qualquer tipo de fuga:
Fora do universo do materialismo
científico, escravizado pela necessidade e pelo férreo regime das leis, há um
universo independente de toda a fenomenalidade, onde o espírito, como
verdadeiro Deus e acima de todo o relativismo se determina e patenteia, “se
cria e fecunda continuamente”. Ora, esse espírito, no pensar de Antero, é uma
energia espontânea de infinitas virtualidades criadoras: manifesta-se como uma
força autônoma, que se conhece na sua íntima natureza, que é causa dos
seus próprios fatos e só às suas próprias leis obedece, e,
conseqüentemente, “existe em si e em si encontra a sua plenitude”. ( RAMOS, 1942, p.60)
Encontrar essa plenitude é
elevar-se a um ideal que Antero chama de Deus. Na busca dessa plenitude, Antero
perceberá a contradição surgida entre os valores seculares da Igreja Católica e
seus próprios valores espirituais, o que trará às suas Odes a dualidade
entre o ser-social (atuante e político) e o ser-espiritual
(elegíaco), buscando a conciliação do “ser na sua unidade”.
Passados vinte anos da publicação das Odes,
dizia Antero na carta a W. Storck:
Não sei bem como caracterizar
este livro: não é certamente medíocre; há nele paixão sincera e elevação de
pensamento; mas, além de declamatória e abstrata, por vezes aquela poesia é
indistinta e não define bem e tipicamente o espírito que a produziu. [...]
Acima de tudo é, como dizem os franceses, poesia de combate: o panfletário
divisa-se muitas vezes por detrás do poeta, e a igreja, a monarquia, os grandes
do mundo, são o alvo das suas apóstrofes de nivelador idealista. Noutras
composições, é verdade, o tom é mais calmo e patenteia-se nelas a intenção
filosófica do livro, vaga sim, mas humana e elevada.[...]. (QUENTAL, 1943,
p.17/18)
Na explicação acima, Antero
critica a forma “declamatória e abstrata” das Odes, sendo corroborado
por António Sérgio que considera ser o soneto o molde mais adequado para
o pensamento e exposição das suas idéias: “[seu pensar] era um pensar de
concentração, e não de expansão; de diamântica densidade, e não de volume”. (SÉRGIO, 1942, p.19)
[…]
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Fonte:
Helen Araújo Mehl: “Antero de Quental Uma trajetória com Deus”. (Dissertação de Mestrado Dissertação presentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio. Orientador: Prof.ª Cleonice Berardinelli). Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: www.maxwell.vrac.puc-rio.br
Helen Araújo Mehl: “Antero de Quental Uma trajetória com Deus”. (Dissertação de Mestrado Dissertação presentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio. Orientador: Prof.ª Cleonice Berardinelli). Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: www.maxwell.vrac.puc-rio.br
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