01/01/2015

Sonetos de Antero de Quental

Livro provisoriamente disponível em "Minhateca", no link abaixo:


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O pensamento de Deus nos Sonetos

Penso como Proudhon, Michelet, como os ativos; sinto, imagino e sou como o autor da Imitatio Christi.

ANTERO DE QUENTAL

No capítulo anterior, apresentamos, nas Odes, a relação dos erros que Antero considerou mais graves no Catolicismo, e que o levaram, mais uma vez, a buscar soluções para a sua persistente angústia, mas é nos sonetos constantes do volume das Odes que ele vai especificar de modo mais pessoal as suas dúvidas.

Se sua preocupação com as injustiças sociais e com a instituição Igreja Católica, aparentemente, parecia exposta e aplacada, o mesmo não se pode dizer do problema principal, fonte de toda uma angustiante expectativa – o seu relacionamento com Deus:

[...] um sistema de idéias não só há-de convir à inteligência, mas também satisfazer o coração. Se a inteligência, por agora, não ficou satisfeita com o universo da ciência, o mesmo sucede ao sentimento.(RAMOS, 1942, p.58)

Debatendo-se entre Proudhon e Hegel, Antero põe-se entre o “humanismo democrático” dos franceses, “belicoso e estrídulo”, (SÉRGIO, 1943, p.11) característico do Livro Segundo das suas Odes, e o conservadorismo do idealismo alemão, caracterizado pelo “evolucionismo dialético do sistema hegeliano”, (Ibidem, p.13) mais teórico, do seu Livro Primeiro.

Daí deriva sua insatisfação espiritual e justifica-se a célebre passagem da

Carta a W. Storck, quando escreve: ”varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida”.

Desse estado “naturalmente religioso” promana, segundo António Sérgio no Prefácio às Odes Modernas, “a terceira corda – a que poderíamos chamar elegíaca” (SÉRGIO, 1943, p.15), da tríade composta pelo pensar de Proudhon, de Hegel e do próprio Antero.


Esse tom elegíaco, terno e triste, vai transparecer em alguns versos de “Tentanda Via”:

É a saudade, que nos rói e mina,
E gasta, como à pedra a gota d ’água...
Depois a compaixão, a íntima mágoa
De olhar essa tristíssima ruína...

Tristíssimas ruínas! Entristece E causa dó olhá-las – a vontade Amolece nas águas da piedade,
E, em meio do lutar, treme e falece.

Cada pedra que cai dos muros lassos Do trêmulo castelo do passado, Deixa um peito partido, arruinado,
E um coração aberto em dous pedaços!...

(Ibidem, p.14)
  
A essas meditações do poema acima junta-se o passado histórico e um futuro para o qual caminha a Revolução em marcha, como percebemos em “Flebunt Euntes”:

Também sei, também sei o que são lágrimas! E sei quanto se deve
Às cinzas dos Avós, quando as lançamos Aos ventos do oceano!
...Passado! – Eu sei dar pranto a estas tristezas, A estes restos saudosos
Do velho mundo. Vós, que estais chorando, São belas essas dores!

[...]

Depois, avante! Os astros não se extinguem! Há céus e espaços novos!
Enterre-se o passado com piedade...
Mas o olhar... no futuro!

(Ibidem, p.14/15)

Percebe-se, nesses versos, a preocupação de Antero em tentar mostrar-se ainda ligado às raízes de sua tradição, que permanecem, trazendo consigo todo o espiritualismo do qual se torna ineficaz qualquer tipo de fuga:

Fora do universo do materialismo científico, escravizado pela necessidade e pelo férreo regime das leis, há um universo independente de toda a fenomenalidade, onde o espírito, como verdadeiro Deus e acima de todo o relativismo se determina e patenteia, “se cria e fecunda continuamente”. Ora, esse espírito, no pensar de Antero, é uma energia espontânea de infinitas virtualidades criadoras: manifesta-se como uma força autônoma, que se conhece na sua íntima natureza, que é causa dos seus próprios fatos e só às suas próprias leis obedece, e, conseqüentemente, “existe em si e em si encontra a sua plenitude”. ( RAMOS, 1942, p.60)

Encontrar essa plenitude é elevar-se a um ideal que Antero chama de Deus. Na busca dessa plenitude, Antero perceberá a contradição surgida entre os valores seculares da Igreja Católica e seus próprios valores espirituais, o que trará às suas Odes a dualidade entre o ser-social (atuante e político) e o ser-espiritual (elegíaco), buscando a conciliação do “ser na sua unidade”.

Passados vinte anos da publicação das Odes, dizia Antero na carta a W. Storck:

Não sei bem como caracterizar este livro: não é certamente medíocre; há nele paixão sincera e elevação de pensamento; mas, além de declamatória e abstrata, por vezes aquela poesia é indistinta e não define bem e tipicamente o espírito que a produziu. [...] Acima de tudo é, como dizem os franceses, poesia de combate: o panfletário divisa-se muitas vezes por detrás do poeta, e a igreja, a monarquia, os grandes do mundo, são o alvo das suas apóstrofes de nivelador idealista. Noutras composições, é verdade, o tom é mais calmo e patenteia-se nelas a intenção filosófica do livro, vaga sim, mas humana e elevada.[...]. (QUENTAL, 1943, p.17/18)

Na explicação acima, Antero critica a forma “declamatória e abstrata” das Odes, sendo corroborado por António Sérgio que considera ser o soneto o molde mais adequado para o pensamento e exposição das suas idéias: “[seu pensar] era um pensar de concentração, e não de expansão; de diamântica densidade, e não de volume”. (SÉRGIO, 1942, p.19)

[…]

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Fonte:
Helen Araújo Mehl:
“Antero de Quental Uma trajetória com Deus”. (Dissertação de Mestrado Dissertação presentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio. Orientador: Prof.ª Cleonice Berardinelli). Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: www.maxwell.vrac.puc-rio.br

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