14/09/2014

Música do Parnaso (Poesia), de Manuel Botelho de Oliveira

 Música do Parnaso, de Manuel Botelho de Oliveira gratis em pdf
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Madrigais em castelhano na obra de Manuel Botelho de Oliveira

Na “Dedicatória” de sua obra Música do Parnasso, Manuel Botelho de Oliveira revelou estar ciente de que era o primeiro poeta brasileiro a publicar um livro de poesia. A esse respeito deixou registradas, em fórmula de afetada modéstia, as seguintes palavras:

Ao meu [engenho], pôsto que inferior aos de que é tão fértil êste país, ditaram as Musas as presentes rimas, que me resolvi expor à publicidade de todos, para ao menos ser o primeiro filho do Brasil que faça pública a suavidade dos metros, já que não o sou em merecer outros maiores créditos na Poesia.

Com a publicação da obra, que recebeu do seu autor o título de Música do Parnasso dividida em quatro coros de rimas portuguesas, castelhanas, italianas e latinas, com seu descante cômico redusido em duas comedias, em 1705, inaugura-se, na poesia brasileira, uma importante tradição: a das publicações de obras líricas. A obra de que tratamos possui, portanto, uma importância histórica inegável.

O livro se compõe, conforme anuncia o título, de poemas escritos em quatro línguas: a portuguesa, a castelhana, a italiana e a latina. A cada uma dessas línguas o poeta dedicou uma parte específica da obra, a que chamou, muito apropriadamente, “coro”. São, pois, quatro os coros da Música do Parnasso: Primeiro Coro de Rimas Portuguesas, Segundo Coro das Rimas Castelhanas, Terceiro Coro das Rimas Italianas e Quarto Coro das Rimas Latinas. No Coro das Rimas Castelhanas encontram-se sonetos, canções, madrigais, décimas, e romances – nessa ordem.

Quis o poeta escrever em quatro línguas para demonstrar que “pode uma só Musa cantar com diversas vozes” e para que a sua obra fosse reconhecida, “se não pela elegância dos conceitos, ao menos pela multiplicidade das línguas.”

E o fez, como já ficou dito, em sua língua materna e em três línguas estrangeiras. O Coro de Rimas Portuguesas e o Coro das Rimas Castelhanas são mais extensos e de organização mais complexa que os outros dois: ambos apresentam uma divisão interna – em Versos Amorosos e Versos Vários – que não ocorre no Coro das Rimas Italianas nem no Coro das Rimas Latinas, que são mais breves. Sobre a menor extensão desses dois últimos coros, o poeta, no “Prólogo ao Leitor”, afirma que “estão abreviados, porque além desta composição não ser vulgar para todos, bastava que se desse a conhecer em poucos versos.”

O fato de Manuel Botelho de Oliveira haver composto versos em línguas estrangeiras, o seu polilingüismo – que na época da realização da obra, segundo podemos entender da defesa que o poeta fez de seus escritos, seria um motivo de valorização deles – tem servido a um ponto de vista contrário, ou seja, para sustentar a reserva com que o olhar da crítica tem sido dirigido à sua obra. Botelho de Oliveira, por esse motivo – o outro seria a ausência de “cor local” em sua obra –, tem sido considerado, de modo simplista e anacrônico, apenas um emulador da poesia estrangeira, além de pouco “brasileiro”.

Apesar dessa tradição, nas últimas décadas do século passado as diversas facetas da obra do poeta passaram a despertar um crescente interesse nos estudiosos. Carmelina Magnavita Rodrigues de Almeida dedicou-se, numa tese de concurso público, ao estudo dos poemas escritos em italiano da Música do Parnasso; João Roberto Inácio Ribeiro tratou da parte em latim; Ivan Teixeira e Marlene Machado Zica Vianna abordaram a parte da obra poética escrita em português; e Enrique Rodrigues-Moura estudou parte dos poemas escritos em espanhol. O interesse desses estudiosos pela Música do Parnasso parece sinalizar que a obra de Manuel Botelho de Oliveira é merecedora de outros maiores créditos, sendo digna de reavaliação.

Um dos propósitos deste artigo é, a partir do estudo de dois madrigais em língua espanhola, contribuir para o conhecimento da parte da obra de Manuel Botelho de Oliveira escrita naquela língua e para a reavaliação do poeta e do conjunto de seus escritos. Os dois madrigais que constituem o objeto deste estudo se aproximam por conterem uma espécie de teoria do olhar. No primeiro deles, intitulado “Anarda vista, e amada”, os olhos são janelas para entrar; no segundo, cujo título é “Amor declarado pelos olhos”, está dito que os olhos são, também, janelas para sair. Para amar Anarda basta vê-la. E o amor, que a visão dela desperta, é inevitavelmente demonstrado pelos olhos do amante.

O madrigal, na Música do Parnasso, comparece em três das quatro partes líricas em que o livro está organizado: essa forma poética só não ocorre no Coro das Rimas Latinas. No primeiro coro, escrito em língua portuguesa, o madrigal faz parte somente dos Versos Amorosos, não compondo os Versos Vários; o mesmo ocorre com o segundo coro, escrito em espanhol. Isso está de acordo com o fato de o tema próprio do madrigal ter sido, ao longo de grande parte da história dessa forma poética, o amor.

Na Música do Parnasso há, no total, quarenta e oito madrigais: vinte e três no Coro de Rimas Portuguesas, dezoito no Coro das Rimas Castelhanas e sete no Coro das Rimas Italianas. Para compor todos os madrigais da obra, Manuel Botelho de Oliveira adotou o madrigal espanhol como modelo, e nos estreitos limites da forma adotada teve de conter a manifestação de sua expressão pessoal. Os madrigais de Botelho de Oliveira apresentam uma estrofe única composta por versos cujo número varia entre quatro e doze, predominando os de seis a oito versos, e terminam sempre por dois versos de rimas emparelhadas.

Se Manuel Botelho de Oliveira, adepto do rigor no uso das formas poéticas e da adequação delas ao tema de que tratam, opera no modelo adotado de madrigal alguma inovação, o faz nas rimas. O traço distintivo do madrigal espanhol, no que respeita à rima, é o fato de que o remate se efetua com rimas emparelhadas – nenhuma prescrição há para as rimas dos versos que antecedem os dois versos finais. Chegou-se a verificar, nos madrigais escritos por poetas espanhóis da época, o caso de existirem versos soltos, ou seja, versos cujas últimas sílabas não correspondem, do ponto de vista sonoro, às sílabas finais de qualquer outro verso do poema.

Em Música do Parnasso, os dois últimos versos de cada madrigal apresentam rimas emparelhadas. O uso desse tipo de rima, nos madrigais de Botelho de Oliveira, se estende à maioria dos outros versos: no coro escrito em castelhano, por exemplo, das dezoito composições, doze possuem entre seis e oito versos e seguem o esquema de rimas aabbcc(dd).

Dos seis madrigais restantes, os únicos dois de cinco versos apresentam rimas alternadas nos quatro versos iniciais, constituindo o quarto e o quinto um par de versos de rimas emparelhadas, segundo o esquema ababb; outros dois, de oito versos, possuem os quatro primeiros com rimas alternadas e os demais com rimas emparelhadas, segundo o esquema ababccdd; um dos madrigais, também de oito versos, tem rimas abraçadas nos primeiros quatro e rimas emparelhadas nos restantes, segundo o esquema abbaccdd; e há um único caso, nas rimas castelhanas, em que aparecem versos soltos: isso se dá no décimo terceiro madrigal, intitulado “Ais repetidos”, em que os seis versos obedecem ao esquema abccdd.

Como se vê, o poeta explorou várias possibilidades aplicáveis ao madrigal, cuidando de manter, em suas composições, as características necessárias ao bom desempenho da forma. Do exame dos esquemas de rima aplicados no conjunto dos madrigais escritos em espanhol – e que se repetem nos madrigais escritos nas outras duas línguas românicas – decorre a constatação de que a obra Música do Parnasso foi resultado da obediência às normas e da adesão ao código literário vigente na época.

Quanto ao metro, embora haja no conjunto da obra dois madrigais compostos exclusivamente de versos heptassílabos, todos os demais combinam versos de onze e de sete sílabas, em livre alternância.

Tal como ocorre em muitas das composições presentes na obra, o rigor da amada é o objeto de dez dos dezoito madrigais escritos em espanhol: “Anarda negando certo favor”, “Amante secreto”, “Música, e cruel”, “Rigor e fermosura”, “Amor Medroso”, “Ao mesmo [assunto: Anarda vendo-se a um espelho]”, “Etna amoroso”, “Ais repetidos”, “Doença amorosa”, “Guerra amorosa” e “Retrato amoroso”.

O madrigal espanhol, herdeiro do italiano, não tem uma definição muito exata: a sua forma métrica, muito variável, resulta da livre combinação de versos hendecassílabos e heptassílabos. Também a extensão é instável, embora se organize em uma única estrofe, com número de versos que variam entre oito e doze. No entanto, há registros de madrigais de quatro versos e outros de mais de trinta. As notas características distintivas do madrigal são o uso de rimas invariavelmente consoantes cuja disposição é livre, podendo haver versos soltos; e o fato de terminarem sempre com um par de versos de rimas emparelhadas. Predomina o assunto amoroso, que, devido à brevidade da forma, é de expressão pouco complexa. No século XVII o madrigal espanhol conheceu a sua maior difusão, tendo sido Francisco de Quevedo – e não Gôngora, a quem Manuel Botelho de Oliveira tem sido acusado de imitar – o poeta mais fecundo na produção de madrigais do Século de Ouro.


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Fonte:

Anne Navarro Miranda (UNI-BH): Madrigais em castelhano na obra de Manuel Botelho de Oliveira. Belo Horizonte, p. 1-184. Disponível em: www.letras.ufmg.br/poslit

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