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Madrigais em castelhano na obra de Manuel Botelho de Oliveira
Na “Dedicatória” de sua obra
Música do Parnasso, Manuel Botelho de Oliveira revelou estar ciente de que era
o primeiro poeta brasileiro a publicar um livro de poesia. A esse respeito
deixou registradas, em fórmula de afetada modéstia, as seguintes palavras:
Ao meu [engenho], pôsto que
inferior aos de que é tão fértil êste país, ditaram as Musas as presentes
rimas, que me resolvi expor à publicidade de todos, para ao menos ser o
primeiro filho do Brasil que faça pública a suavidade dos metros, já que não o sou
em merecer outros maiores créditos na Poesia.
Com a publicação da obra, que
recebeu do seu autor o título de Música do Parnasso dividida em quatro coros de
rimas portuguesas, castelhanas, italianas e latinas, com seu descante cômico
redusido em duas comedias, em 1705, inaugura-se, na poesia brasileira, uma
importante tradição: a das publicações de obras líricas. A obra de que tratamos
possui, portanto, uma importância histórica inegável.
O livro se compõe, conforme
anuncia o título, de poemas escritos em quatro línguas: a portuguesa, a
castelhana, a italiana e a latina. A cada uma dessas línguas o poeta dedicou
uma parte específica da obra, a que chamou, muito apropriadamente, “coro”. São,
pois, quatro os coros da Música do Parnasso: Primeiro Coro de Rimas
Portuguesas, Segundo Coro das Rimas Castelhanas, Terceiro Coro das Rimas
Italianas e Quarto Coro das Rimas Latinas. No Coro das Rimas Castelhanas
encontram-se sonetos, canções, madrigais, décimas, e romances – nessa ordem.
Quis o poeta escrever em quatro
línguas para demonstrar que “pode uma só Musa cantar com diversas vozes” e para
que a sua obra fosse reconhecida, “se não pela elegância dos conceitos, ao
menos pela multiplicidade das línguas.”
E o fez, como já ficou dito, em
sua língua materna e em três línguas estrangeiras. O Coro de Rimas Portuguesas
e o Coro das Rimas Castelhanas são mais extensos e de organização mais complexa
que os outros dois: ambos apresentam uma divisão interna – em Versos Amorosos e
Versos Vários – que não ocorre no Coro das Rimas Italianas nem no Coro das
Rimas Latinas, que são mais breves. Sobre a menor extensão desses dois últimos coros,
o poeta, no “Prólogo ao Leitor”, afirma que “estão abreviados, porque além
desta composição não ser vulgar para todos, bastava que se desse a conhecer em
poucos versos.”
O fato de Manuel Botelho de
Oliveira haver composto versos em línguas estrangeiras, o seu polilingüismo –
que na época da realização da obra, segundo podemos entender da defesa que o
poeta fez de seus escritos, seria um motivo de valorização deles – tem servido
a um ponto de vista contrário, ou seja, para sustentar a reserva com que o
olhar da crítica tem sido dirigido à sua obra. Botelho de Oliveira, por esse
motivo – o outro seria a ausência de “cor local” em sua obra –, tem sido
considerado, de modo simplista e anacrônico, apenas um emulador da poesia
estrangeira, além de pouco “brasileiro”.
Apesar dessa tradição, nas últimas
décadas do século passado as diversas facetas da obra do poeta passaram a
despertar um crescente interesse nos estudiosos. Carmelina Magnavita Rodrigues
de Almeida dedicou-se, numa tese de concurso público, ao estudo dos poemas
escritos em italiano da Música do Parnasso; João Roberto Inácio Ribeiro tratou
da parte em latim; Ivan Teixeira e Marlene Machado Zica Vianna abordaram a
parte da obra poética escrita em português; e Enrique Rodrigues-Moura estudou
parte dos poemas escritos em espanhol. O interesse desses estudiosos pela
Música do Parnasso parece sinalizar que a obra de Manuel Botelho de Oliveira é
merecedora de outros maiores créditos, sendo digna de reavaliação.
Um dos propósitos deste artigo é,
a partir do estudo de dois madrigais em língua espanhola, contribuir para o
conhecimento da parte da obra de Manuel Botelho de Oliveira escrita naquela
língua e para a reavaliação do poeta e do conjunto de seus escritos. Os dois
madrigais que constituem o objeto deste estudo se aproximam por conterem uma
espécie de teoria do olhar. No primeiro deles, intitulado “Anarda vista, e
amada”, os olhos são janelas para entrar; no segundo, cujo título é “Amor
declarado pelos olhos”, está dito que os olhos são, também, janelas para sair.
Para amar Anarda basta vê-la. E o amor, que a visão dela desperta, é
inevitavelmente demonstrado pelos olhos do amante.
O madrigal, na Música do
Parnasso, comparece em três das quatro partes líricas em que o livro está
organizado: essa forma poética só não ocorre no Coro das Rimas Latinas. No
primeiro coro, escrito em língua portuguesa, o madrigal faz parte somente dos
Versos Amorosos, não compondo os Versos Vários; o mesmo ocorre com o segundo
coro, escrito em espanhol. Isso está de acordo com o fato de o tema próprio do
madrigal ter sido, ao longo de grande parte da história dessa forma poética, o
amor.
Na Música do Parnasso há, no
total, quarenta e oito madrigais: vinte e três no Coro de Rimas Portuguesas,
dezoito no Coro das Rimas Castelhanas e sete no Coro das Rimas Italianas. Para
compor todos os madrigais da obra, Manuel Botelho de Oliveira adotou o madrigal
espanhol como modelo, e nos estreitos limites da forma adotada teve de conter a
manifestação de sua expressão pessoal. Os madrigais de Botelho de Oliveira
apresentam uma estrofe única composta por versos cujo número varia entre quatro
e doze, predominando os de seis a oito versos, e terminam sempre por dois
versos de rimas emparelhadas.
Se Manuel Botelho de Oliveira,
adepto do rigor no uso das formas poéticas e da adequação delas ao tema de que
tratam, opera no modelo adotado de madrigal alguma inovação, o faz nas rimas. O
traço distintivo do madrigal espanhol, no que respeita à rima, é o fato de que
o remate se efetua com rimas emparelhadas – nenhuma prescrição há para as rimas
dos versos que antecedem os dois versos finais. Chegou-se a verificar, nos
madrigais escritos por poetas espanhóis da época, o caso de existirem versos
soltos, ou seja, versos cujas últimas sílabas não correspondem, do ponto de
vista sonoro, às sílabas finais de qualquer outro verso do poema.
Em Música do Parnasso, os dois
últimos versos de cada madrigal apresentam rimas emparelhadas. O uso desse tipo
de rima, nos madrigais de Botelho de Oliveira, se estende à maioria dos outros
versos: no coro escrito em castelhano, por exemplo, das dezoito composições,
doze possuem entre seis e oito versos e seguem o esquema de rimas aabbcc(dd).
Dos seis madrigais restantes, os
únicos dois de cinco versos apresentam rimas alternadas nos quatro versos
iniciais, constituindo o quarto e o quinto um par de versos de rimas
emparelhadas, segundo o esquema ababb; outros dois, de oito versos, possuem os
quatro primeiros com rimas alternadas e os demais com rimas emparelhadas,
segundo o esquema ababccdd; um dos madrigais, também de oito versos, tem rimas
abraçadas nos primeiros quatro e rimas emparelhadas nos restantes, segundo o
esquema abbaccdd; e há um único caso, nas rimas castelhanas, em que aparecem
versos soltos: isso se dá no décimo terceiro madrigal, intitulado “Ais
repetidos”, em que os seis versos obedecem ao esquema abccdd.
Como se vê, o poeta explorou
várias possibilidades aplicáveis ao madrigal, cuidando de manter, em suas
composições, as características necessárias ao bom desempenho da forma. Do
exame dos esquemas de rima aplicados no conjunto dos madrigais escritos em
espanhol – e que se repetem nos madrigais escritos nas outras duas línguas
românicas – decorre a constatação de que a obra Música do Parnasso foi
resultado da obediência às normas e da adesão ao código literário vigente na
época.
Quanto ao metro, embora haja no
conjunto da obra dois madrigais compostos exclusivamente de versos
heptassílabos, todos os demais combinam versos de onze e de sete sílabas, em
livre alternância.
Tal como ocorre em muitas das
composições presentes na obra, o rigor da amada é o objeto de dez dos dezoito
madrigais escritos em espanhol: “Anarda negando certo favor”, “Amante secreto”,
“Música, e cruel”, “Rigor e fermosura”, “Amor Medroso”, “Ao mesmo [assunto:
Anarda vendo-se a um espelho]”, “Etna amoroso”, “Ais repetidos”, “Doença
amorosa”, “Guerra amorosa” e “Retrato amoroso”.
O madrigal espanhol, herdeiro do
italiano, não tem uma definição muito exata: a sua forma métrica, muito
variável, resulta da livre combinação de versos hendecassílabos e
heptassílabos. Também a extensão é instável, embora se organize em uma única
estrofe, com número de versos que variam entre oito e doze. No entanto, há
registros de madrigais de quatro versos e outros de mais de trinta. As notas
características distintivas do madrigal são o uso de rimas invariavelmente
consoantes cuja disposição é livre, podendo haver versos soltos; e o fato de
terminarem sempre com um par de versos de rimas emparelhadas. Predomina o
assunto amoroso, que, devido à brevidade da forma, é de expressão pouco
complexa. No século XVII o madrigal espanhol conheceu a sua maior difusão,
tendo sido Francisco de Quevedo – e não Gôngora, a quem Manuel Botelho de
Oliveira tem sido acusado de imitar – o poeta mais fecundo na produção de
madrigais do Século de Ouro.
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Fonte:
Fonte:
Anne Navarro Miranda (UNI-BH): Madrigais
em castelhano na obra de Manuel Botelho de Oliveira. Belo Horizonte, p. 1-184. Disponível
em: www.letras.ufmg.br/poslit
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