Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o
site do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à
esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
A superação da dor de amor
O luto da imagem, na
medida em que não consigo levá-la a cabo, me angustia; mas, na medida em que
consigo realizá-lo, me entristece. Se o exílio do Imaginário é a via necessária
para a “cura” deve-se convir que nesse caso o progresso é triste. Essa tristeza não é uma melancolia
incompleta (de modo
algum clínica), pois não me acuso de nada e não estou prostrado. Minha tristeza
pertence àquela orla da melancolia em que a perda do ser amado permanece
abstrata. Dupla perda: nem mesmo posso investir em minha desgraça, como naquela
época em que sofria por estar enamorado. Naquela época, eu desejava, sonhava,
lutava; havia um bem diante de mim, simplesmente adiado, atravessado por
contratempos. Agora, nada mais ressoa. Tudo está calmo, e é pior. Se bem que
justificado por uma economia
– a imagem morre para que eu viva -, o luto amoroso sempre deixa um resto: uma frase ressoa sem cessar: “Que
pena!” (BARTHES, 2003, 187)
Esse luto amoroso descrito
por Barthes neste fragmento, pode ser encontrado nas poesias de Florbela
Espanca, figurado na morte da imagem do ser amado:
AMOR QUE MORRE
O nosso amor morreu...
Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao
ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem
ver a conta
Do tempo que passava,
que fugia!
Bem estava a sentir que
ele morria...
E outro clarão, ao
longe, já desponta!
Um engano que morre... e
logo aponta
A luz doutra miragem
fugidia...
Eu bem sei, meu Amor,
que pra viver
São precisos amores, pra
morrer
E são precisos sonhos
pra partir.
Eu bem sei, meu Amor,
que era preciso
Fazer do amor que parte
o claro riso
Doutro amor impossível
que há de vir!
Esse soneto de Florbela
Espanca é representativo da imagem do luto do amor. O eu-lírico tem a
consciência de que o amor, o sentimento morreu. Foi necessário realizar o luto para evitar o sofrimento demasiado ou a
evitar a formação de uma fantasia. Aparece ainda a imagem da cegueira novamente relacionada ao sentimento amoroso:
O nosso amor morreu...
Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao
ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem
ver a conta
Do tempo que passava,
que fugia!
No verso Bem estava a
sentir que ele morria..., aponta de um sujeito que já conhece e pode prever
as conseqüências de um enamoramento, reconhece assim, a efemeridade do
sentimento:
Bem estava a sentir que
ele morria...
E outro clarão, ao
longe, já desponta!
Um engano que morre... e
logo aponta
A luz doutra miragem
fugidia...
O eu-lírico parece já ter
vivido a mesma situação antes. A sua cegueira se contrapõe ao abrir dos olhos e
enxergar um outro clarão que estar por vir, e esse clarão, nada mais é, mais um
novo amor. O amor, o sentimento, que não passava de um engano, se esvai. Reconhece
o eu-lírico o amor enquanto sentimento efêmero quando afirma a vinda da luz doutra
miragem fugidia. O amor é uma miragem - o que se vê não é a realidade -,
além de ser efêmero.
Apesar de enganoso e
fugidio, e de ser um sentimento relacionado à dor, morte, aniquilação do
sujeito, o amor também, reconhece o eu-lírico, é essencial para a vida:
Eu bem sei, meu Amor,
que pra viver
São precisos amores, pra
morrer
E são precisos sonhos
pra partir.
Confirma-se, mais uma vez,
o paradoxo vidamorte do amor na obra poética de Florbela Espanca: o amor é princípio e fim, parafraseando
um de seus poemas. Entretanto, após a morte, a destruição, vem a reconstrução,
e essa depende do sonho. É necessário sonhar
para conseguir abandonar os velhos sentimentos. Do velho sentimento resta, apenas, a esperança para viver
um outro amor, mesmo reconhecendo a sua
efemeridade:
Eu bem sei, meu Amor,
que era preciso
Fazer do amor que parte
o claro riso
Doutro amor impossível
que há de vir!
Na obra de
Florbela, o luto, o esquecimento de um amor está relacionado à condição da vida:
A VIDA
É vão o amor, o ódio, ou
o desdém;
Inútil o desejo e o
sentimento...
Lançar um grande amor
aos pés d’alguém
O mesmo é que lançar
flores ao vento!
Todos somos no mundo “Pedro
Sem”,
Uma alegria é feita dum
tormento,
Um riso é sempre o eco
dum lamento,
Sabe-se lá um beijo d’onde
vem!
A mais nobre ilusão
morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós
renasce
Que no mesmo momento é
já perdida...
Amar-te a vida inteira
eu não podia.
A gente esquece sempre o
bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se
isto é a Vida!...
Podemos observar no soneto,
mais uma vez, a percepção do eu-lírico em relação à efemeridade dos sentimentos: amor, ódio,
desdém. Qualquer tipo de sentimento, assim como
o desejo é inútil:
É vão o amor, o ódio, ou
o desdém;
Inútil o desejo e o
sentimento...
Lançar um grande amor
aos pés d’alguém
O mesmo é que lançar
flores ao vento!
A ilusão
do amor se desfaz, e o que resta é a nostalgia, uma saudade que parecia adormecida, mas logo se desfaz:
A mais nobre ilusão
morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós
renasce
Que no mesmo momento é
já perdida...
A
efemeridade do amor não permite a eternidade deste. Acabamos por esquecer o que um dia nos foi importante. Essa é a condição da vida:
Amar-te a vida inteira
eu não podia.
A gente esquece sempre o
bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se
isto é a Vida!...
A morte do
amor é condição para o surgimento de outro amor, como vimos no soneto Amor
que morre. É nesse ponto em que na poesia de Florbela aparece a temática
que é a negação do único e grande amor e o
encontro com vários amados:
Assim se fecha um ciclo:
espera do amante-amado; encontros com vários amados; sentimento do desencontro;
negação do amor único e do grande amor; entrega ao amar só por amar, com recusa de pertencer a alguém;
total decepção do amor dos homens; apelo para um Deus que não virá.(RÉGIO,
José. In: Sonetos de Florbela Espanca, 1984, 24)
Em várias poesias de
Florbela percebemos a presença da temática da inconstância do objeto de amor, o que exprime a própria
condição da pulsão (rever conceito de pulsão no Capítulo I). A dinâmica do
desejo permite que este se realize em vários objetos de amor. Não existe a
completude procurada pelo sujeito. Um outro não totaliza o que é desejado, procurado.
Um outro ser não é capaz de preencher a falta do sujeito. A incompletude reina,
então.
AMAR!
Eu quero amor, amar
perdidamente!
Amar só por amar:
Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o
Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar
ninguém!
Recordar? Esquecer?
Indiferente!...
Prender ou desprender? É
mal? É bem?
Quem disser que se pode
amar alguém
Durante a vida inteira é
porque mente!
Há uma primavera em cada
vida:
É preciso cantá-la assim
florida,
Pois se Deus nos deu voz
foi pra cantar!
E se um dia hei de ser
pó, cinza e nada
Que seja a minha noite
uma alvorada,
Que me saiba prender...
pra me encontrar...
(ESPANCA. In: Charneca
em flor, 1999, 232)
O soneto acima confirma a
dialética do objeto de desejo através da multiplicidade do verbo amar. Amar a todos é o que
importa, não importa a quem, ou seja, o objeto sempre substitui um outro que já
partiu, e assim, não amar a ninguém, que representa a consolidação do desejo no simbólico:
Eu quero amor, amar
perdidamente!
Amar só por amar:
Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o
Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar
ninguém!
Assim se confirma também,
mais uma vez, a efemeridade do sentimento:
Recordar? Esquecer?
Indiferente!...
Prender ou desprender? É
mal? É bem?
Quem disser que se pode
amar alguém
Durante a vida inteira é
porque mente!
Torna-se indiferente
qualquer tipo de sentimento, pois não perduram. Eles duram um tempo
determinado, que no soneto é representado pela estação da primavera, que é a estação
do desabrochar das flores, que aqui pode remeter ao desabrochar do sentimento,
do desejo:
Há uma primavera em cada
vida:
É preciso cantá-la assim
florida,
Pois se Deus nos deu voz
foi pra cantar!
Reconhece-se,
assim, a multiplicidade dos sentimentos que a obra de Florbela comporta.
Partindo do desejo suscitado com o olhar, passamos pela vassalagem amorosa,
chegando ao olhar negado, responsável pela dor e angústia do sujeito. A conseqüência
da dor é o luto ou a fantasia de um amor. Completa-se o ciclo com a busca de um novo objeto de amor.
---
Fonte:
Michelle Vasconcelos Oliveira do Nascimento: “Trocando olhares: o desejo, o amor, a angústia e a dor na Poesia de Florbela Espanca”. (Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito de conclusão do Mestrado em Literatura Comparada, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Falchero Falleiros). Natal/RN, 2005.
Fonte:
Michelle Vasconcelos Oliveira do Nascimento: “Trocando olhares: o desejo, o amor, a angústia e a dor na Poesia de Florbela Espanca”. (Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito de conclusão do Mestrado em Literatura Comparada, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Falchero Falleiros). Natal/RN, 2005.
Notas:
A imagem inserida no texto
não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que
faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto
postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma
compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua
totalidade. Disponível em: ftp.ufrn.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário