19/06/2014

Canções e Elegias, de Luís de Camões

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A estrutura dramática em Camões: o jogo retórico

Para qualquer estudioso ou interessado em Literatura Portuguesa – ou ainda, em Literatura, somente – é clara a magnitude de Camões. Sua obra lírica é paradigma e alvo de estudos que, parece, não se esgotarão nunca. Os Lusíadas foi uma epopéia bem sucedida esteticamente (a estrutura do épico raramente viria a ocorrer novamente, com tal sucesso, em tentativas posteriores), já que transcendeu a obra e a concepção de público leitor, para figurar de forma absolutamente marcante na alma dos portugueses. A sua obra lírica é de uma beleza singular e incontestável. O teatro camoniano, como vimos, não teve semelhante reconhecimento, mas, embora tardiamente, vem sendo redescoberto e aos poucos estudado, como merece.

Ninguém, deste modo, duvida do engenho deste autor e do brilhantismo de suas obras, contudo é importante verificar o papel que Camões também teve no âmbito da nossa língua. É óbvio que como cânone literário ele viria a contribuir para a manutenção da língua e dos gêneros a que se dedicou, mas a própria história do Português sofreu um
desvio – ou uma aceleração – graças a Camões.

A primeira gramática de língua portuguesa data de 1.536. Foi escrita por Fernão de Oliveira e conferiu o status de língua de fato ao Português. Antes disso ele não tinha o rigor necessário para que se mantivesse estável e uno durante todos os séculos que estariam por vir. Contudo, a nova fase da língua, que estava paulatinamente deixando para trás a condição de protolíngua, não é mérito apenas de Fernão de Oliveira ou de João de Barros (que pouco depois também escreveria uma gramática), mas igualmente de Camões. A gramática é fundamental para esta transição em qualquer língua, sobretudo no âmbito histórico, mas suas regras talvez não atuem com tanta eficácia no falante e/ou escritor quanto um belo e bem escrito poema. A literatura, que teve em Camões a maior expressão talvez em língua portuguesa, contribui para a unidade e amadurecimento da língua.

Camões utilizou os instrumentos da língua e, manipulando-os, teceu uma linguagem que, sem tantas modificações, é empregada ainda hoje. Sua estilística, sua estrutura métrica, sua coerência entre intenção, conteúdo e forma, moldaram o Português com uma clareza que, quiçá, viria com o tempo. Devemos louvar Camões pela sua importância na história da literatura, mas também na história da língua. Em livro sobre o assunto, nos diz Cruz Malpique:

A língua portuguesa foi fixada (até onde podemos empregar este termo rígido) em Camões. Foi este que lapidou o bruto diamante que a língua nacional fora, nos séculos anteriores. Ele quem lhe deu flexibilidade, elegância, maturidade, harmonia, guias de autêntico trânsito para a posteridade. (Malpique, 1981, p.27)

A mestria com que Camões utilizava/construía nossa língua é o alvo mesmo desta análise. Entretanto, aqui, no espaço circunscrito de uma de suas peças, o Auto dos Enfatriões, de maneira que verifiquemos sua linguagem no gênero dramático, bem como sua adequação da temática amorosa a uma peça originalmente cômica. Deste modo poderemos entender melhor o lúdico em Camões.

A relação, enfim, entre a língua e a nação, no jogo dramático, tendo como ponto comparativo o original de Plauto, lembrando a relação deste com a língua latina (atentando para o uso do latim vulgar) e o Império Romano. E ainda, a relação com o contemporâneo Augusto Abelaira, que também apresenta uma versão de Anfitrião, mas num Portugal diferente do de Camões onde o jogo e a linguagem tomaram outros rumos.

O Auto dos Enfatriões distancia-se, pois, do Amphitruo, de Plauto, sobretudo pela mestria da língua – contrastando com o latim vulgar e expressões de baixo calão ao gosto de Plauto e de seu público –, pela estrutura argumentativa e elementos de persuasão, e pelas características portuguesas que substituem as romanas. Preocupado com a língua portuguesa, e diríamos mais do que isso, com o sentimento de ser português, acreditamos que Camões a explorou, não só gramatical e literária, mas também retoricamente. Camões não somente imita a peça de Plauto, mas a utiliza como base de criação da língua e da nacionalidade portuguesa, mesmo que não o tenha feito intencionalmente. Clara Rocha aponta que “o auto está semeado de devaneios líricos (...) funcionando talvez como indícios de uma ‘lírica ternura’ do ‘inconsciente coletivo’ português” (Camões, 1981, p. 21).

O gênero dramático, como já dissemos, é o ideal para fazermos esta análise visto que numa estrutura de diálogo a retórica desenvolve-se com toda a sua plenitude. A língua, de modo geral, para nós, desenvolve-se melhor através da estrutura dialógica, pois todos os seus lados podem ter espaço aqui. Assim, encontramos neste auto, elementos e figuras argumentativas na construção das falas de personagens, além de um estilo retórico na relação da obra com o público.

O teatro camoniano revela o ambiente cortesão que ele freqüentava, bem como a aura portuguesa de melancolia e a própria veia lírica amorosa do poeta. Outros ingredientes mostram como Camões soube aproveitar todos os recursos que conhecia para escrever ao seu gosto, sem aderir a nenhuma linha de fato, nem a de influência medieval, nem a nova renascentista. Ele utiliza os recursos que conhece e aprecia, a seu modo, adequando-se a seu estilo e intenções, de modo a construir uma pequena obra dramática de três peças, onde não foge a sua assinatura de poeta português e de grande conhecedor de nossa língua.

Como o Auto dos Enfatriões tem base romana, é uma peça ainda mais reveladora, pois apresenta, além das influências vicentinas encontradas nesta e nas demais peças de Camões, a inspiração propriamente renascentista de forma clara. Encontramos o bilingüismo utilizado funcionalmente com inteligência, e encontramos ainda uma estrutura retórica igualmente usada com uma função, ambos os recursos vistos na análise das falas das personagens que faremos mais abaixo. Elementos cristãos misturados aos pagãos da antiguidade clássica, métrica popular, alusões eruditas. Enfim, um caldo que torna difícil classificar esta obra de qualquer modo, sem que se caia em quaisquer inadequações. Uma obra de escritor singular e universal, que não permite ser reduzido em uma escola e um gênero somente.

Cada discurso de personagem em Camões parece fundamental para a peça. Ele leva ao extremo, de maneira muito sutil, o jogo de duplos. A partir do enredo romano, ele usa a língua para definir as personagens. Toda personagem teatral já é pelo menos duas, visto que a função que ela representa na peça transfigura-se também em uma personagem. E Camões vai exacerbar isto através da língua, através da métrica, da construção discursiva, e dos diálogos, enfim. No prefácio de uma edição deste auto, diz Clara Rocha:

Por último, repare-se na presença de jogos dialéticos, que alguns críticos têm evidenciado na lírica (por exemplo, a contraposição de dois ideais de amor) e na épica (a antinomia homem concreto/ ideal humano). Aqui, a dialética camoniana manifesta-se pela fusão dramático-lírico, e ao nível do dramático pela fusão trágico/ cômico (na situação e nas personagens). Por exemplo, Anfitrião surge-nos primeiro como herói (tese), depois é envolvido numa situação de ridículo (antítese), e reassume a dignidade e a glória no final do auto (síntese) (Camões, 1081, p.15-16).

Deste modo, abordaremos, agora, a influência da retórica no teatro camoniano. Buscaremos vestígios da arte retórica ao longo da peça, em especial, nos discursos de Almena e Júpiter.


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Fonte:
Nina Barbieri Pacheco: “A Linguagem em Plauto, Camões e Abelaira: uma análise das falas de personagens e da estrutura dramática”. (Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do Estado do       Rio de Janeiro. Área de concentração: Literatura Portuguesa. Orientador: Prof. Dr. Iremar Maciel de Brito). Rio de Janeiro, 2008.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br

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