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Metamorfose
como liberdade
O traço de descontinuidade que a metamorfose em inseto
ilustra e figurativiza muito bem não deixa de revelar seu avesso. Nos primeiros
instantes após sua transformação, Gregor manifesta o desejo interior de ruptura
do contrato que mantinha com a vida que até então levava como
caixeiro-viajante. A impossibilidade de se desviar do dever que o impelia a consumir todas as
forças no exercício da profissão tornara-se, de fato, seu pesadelo. Enquanto
seus colegas de trabalho desrespeitam a ordem superior de dedicação exclusiva e
cumprimento irrestrito ao dever – ao estenderem, por exemplo, o café da manhã
até o meio da tarde –, Gregor acorda cedo todos os dias e realiza
invariavelmente os mesmos programas diários, sem que haja a menor possibilidade
de abertura no horizonte do seu dia-a-dia rotinizado (“Tentasse eu fazer isso
com o chefe que tenho: voaria no ato para a rua”). Seu desabafo é inevitável e
também compreensível: “O diabo quecarregue tudo isso!” (KAFKA, 1997. pp. 8-9).
Percebe-se ainda em meio às suas reflexões, quando então
se encontrava em estado de sonolência, que a realização de seu desejo “do fundo
do coração” de uma iminente ruptura (“da grande ruptura”) mais se assemelha a
uma vaga “esperança”. Esta, por sua vez, permanece virtualizada, em decorrência
do quadro financeiro da família que depende de seu sacrifício integral para
saldar a dívida herdada após a falência do pai:
“Bem, ainda não renunciei por completo à esperança: assim
que juntar o dinheiro para lhe pagar a dívida dos meus pais – deve demorar
ainda de cinco a seis anos – vou fazer isso sem falta. Chegará então a vez da
grande ruptura” (KAFKA, 1997. p. 9).
Há nele um desejo interior (“do fundo do coração”)
sufocado, sacrificado pelo dever a ser cumprido, ainda que seja a custo da própria vida.
Em termos modais, isso significa que Gregor sacrifica seus projetos pessoais –
segundo o querer –, em função de uma
indelével dependência dos projetos coletivos da família, segundo o dever. Assim, não é de se surpreender que
– a par da vida que até então levava como caixeiro-viajante e dentro de limites
estreitos de uma rotina determinada sempre pelo dever fazer – Gregor também reprimisse seus
desejos em função do projeto maior designado pela família (“Se não me
contivesse, por causa de meus pais, teria pedido demissão há muito tempo”). A
própria noção de “contenção” (“Se não me contivesse...”), derivação do verbo “conter”,
fornece sua origem tensiva: a concentração do espaço que não se expande (no
eixo da extensidade) se articula com a atenuação (no eixo da intensidade) da
força (“o ímpeto”) que faz avançar.
Desse modo, ainda que em termos antropológicos a
metamorfose em inseto represente o que possa haver de mais degradante no âmbito
de uma experiência da evolução humana, é inevitável que a interrupção dos
programas que cerceiam a liberdade e limitam a vontade dos desejos mais
profundos pareça a Gregor como uma saída favorável da situação insuportável na
qual se encontrava. Mas o curso de sua vida de inseto logo mostrará o caráter
inconsistente de uma imaginação assentada nessa vã esperança.
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Fonte:
Francisco Elias Simão Merçon: “Uma Leitura Analítica da Novela: A Metamorfose, de Franz Kafka”. (Dissertação apresentada ao Departamento de Lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Lingüística. Área de concentração: Semiótica e Lingüística Geral. Orientador: Prof. Dr. Luiz A. de Moraes Tatit). São Paulo, 2006.
Fonte:
Francisco Elias Simão Merçon: “Uma Leitura Analítica da Novela: A Metamorfose, de Franz Kafka”. (Dissertação apresentada ao Departamento de Lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Lingüística. Área de concentração: Semiótica e Lingüística Geral. Orientador: Prof. Dr. Luiz A. de Moraes Tatit). São Paulo, 2006.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão
devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos
tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do
tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível em: http://www.teses.usp.br/
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