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Análise da “Prosopopéia”
A Prosopopéia é um poema em que são louvados os feitos sublimes e
heróicos de Jorge d'Albuquerque, estruturados na concepção épica (com Proposição,
Invocação, Dedicatória, Narração, Descrição de Pernambuco, Canto de Proteu e
Epílogo). As 94 estrofes (estâncias) compõemse de oitos versos decassílabos
cada, os quais permanecem heróicos em quase todo o poema, embora, às vezes,
mostremse sáficos. As rimas se dão entre o primeiro, o terceiro e o quinto
versos; o segundo, o quarto e o sexto; o sétimo e o oitavo. Por tudo o que já foi
especificado no presente trabalho, evidenciase que a obra de Bento Teixeira
merece ser relida no século XXI, para que a pósmodernidade possa resgatála e
darlhe novos sentidos, diferentes dos que a crítica tradicional tem dado,
mostrando que esse “riscunho” é atemporal e plurissignificativo. Sob essa
ótica, o autor deste ensaio realiza a sua tarefa, ciente de que se trata de um
fazer arriscado, mas acreditando na sua validade historial.
De início, evocarseão as duas
etapas da leitura hermenêutica, a compreensão e a interpretação: ou seja, primeiro
se compreende a obra, para depois interpretála. Essa abordagem do texto é
fundamental para que se construa uma análise literária. Esclareçase que o
objetivo deste trabalho é promover uma significação aberta da obra de Bento Teixeira,
o que faculta um exercício crítico baseado em “recortes” do poema – deixandose
explícito que, se partes do texto não foram trabalhadas, não foi por descuido do
ensaísta, nem por falta de valor estético dos versos do poeta. A análise não
terá caráter linear e, se for preciso, juntarseão passagens de estrofes
variadas da Prosopopéia. Como toda leitura começa pelo título da obra,
busquese o significado de “prosopopéia”. De acordo com o dicionário Novo
Aurélio, a palavra “prosopopéia” designa uma figura de linguagem que vivifica o
que é inanimado, permitindolhe agir, moverse e falar; confere, também, o dom
da fala a seres humanos distantes ou falecidos e, ainda, a bichos. Seguindo essa
definição, percebese que o(s) texto(s), em si, é/são inanimados(s) e
carente(s) de um leitor que possa darlhe(s) vida, através da construção de
sentido(s). A partir de agora, a função deste pesquisador será a de dar vida à
Prosopopéia, colocála para falar, tirála das cinzas, assim como uma fênix
radiosa. Lido o título, partirseá para a investigação do “Prólogo”, que é
cheio de significância:
Se é verdade o que diz Horácio
que Poetas e Pintores estão no mesmo predicamento; e estes pera pintarem perfeitamente
ũa Imagem, primeiro na lisa távoa fazem riscunho, pera depois irem pintando os
membros dela extensamente, até realçarem as tintas, e ela ficar na fineza de
sua perfeição; assim eu, querendo dibuxar com obstardo pinzel de meu engenho a
viva Imagem da vida e feitos memoráveis de vossa mercê, quis primeiro fazer este
riscunho, pera depois, sendome concedido por vossa mercê, ir mui
particularmente pintando os membros desta Imagem, se não me faltar a tinta do
favor de vossa mercê, a quem peço, humildemente, receba minhas Rimas, por serem
as primícias com que tento servilo. E porque entendo que as aceitará com
aquela benevolência e brandura natural, que custuma. Respeitando mais a pureza
do ânimo que a vileza do presente, não me fica mais que desejar, se não ver a
vida de vossa mercê augmentada e estado prosperado, como todos os seus súbditos
desejamos.
O trecho da poética horaciana,
referido no “Prólogo” da obra de Bento Teixeira, cria uma abertura altamente polissêmica,
para o entendimento do lugar da Prosopopéia na História da Literatura
Brasileira. Caso se aceite que Jorge d'Albuquerque Coelho é uma alegoria do
Brasil, podese compreendêla como uma referência do poeta ao início da literatura
essencialmente brasileira. Entretanto, Bento Teixeira sabe que o seu intento
acolhe riscos e, concomitantemente, delineia o rascunho de uma identidade
literária. Não foi à toa que escolheu utilizar, dentre todos os gêneros, o épico,
associado à afirmação de uma sociedade. Observese que não se está confundindo o
autor Bento Teixeira com o eu poemático. Confirase a primeira estância da Prosopopéia:
Cantem Poetas o Poder Romano, Sobmetendo Nações ao jugo duro; O Mantuano pinte
o Rei Troiano, Descendo à confusão do Reino escuro: Que eu canto um Albuquerque
soberano, Da Fé, cara Pátria firme muro, Cujo valor e ser, que o Ceo lhe
inspira, Pode estancar a Lácia e Grega Lira. No primeiro verso, o verbo cantar,
conjugado no tempo presente do modo subjuntivo, permite a seguinte leitura:
devese duvidar dos textos dos poetas – Virgílio, Horácio e Ovídio –, ou
melhor, do que eles cantaram ou, então, do que se propuseram a cantar. Isso não
é nada, perto da matéria cantada pelo novo eu poemático, uma vez que o modo subjuntivo
indica incerteza. No terceiro verso, o verbo pintar, igualmente no subjuntivo, lançará
dúvida sobre a imagem do “Rei Troiano”. A ofensa, no entanto, é destinada ao
poeta Virgílio. Já no quinto verso, o eu poemático utilizará o verbo cantar em
referência ao seu herói, no modo indicativo, para conferir certeza ao seu
relato. Contudo, o que diferenciará os heróis romanos, do herói “brasileiro”, é
que este será soberano, não pela força, mas pela fé e integridade moral. Os romanos,
ao contrário, submeteram nações pela força. Abaixo, leiase a segunda estância:
As Délficas irmãs chamar não
quero, Que tal invocação é vão estudo; Aquele chamo só, de quem espero A vida
que se espera em fim de tudo. Ele fará meu Verso tão sincero, Quanto fora sem
ele tosco e rudo, Que per rezão negar não deve o menos Quem deu o mais a
míseros terrenos. Geralmente, a crítica tem associado “As Délficas irmãs” às nove
musas do monte Parnaso, filhas da deusa da memória, Mnemósine, e Zeus. Todavia,
as “As Délficas irmãs” podem estar relacionadas às sibilas de Delfos, pitonisas
do deus Apolo, que prediziam o futuro através de versos, os quais, para serem
entendidos, precisariam ser decifrados. O eu poemático, ao abdicar do auxílio
das musas ou das pitonisas, assume a figura de profeta e, mais adiante, registrará
os vaticínios do deus Proteu. O poeta abdica da colaboração das Musas e invoca
a figura de Deus, sem nomeálo. Mais à frente, a figura de Proteu é quem assume
o lugar das musas e de Deus. Esta estância, assim como a XV, mostra bem a crise
maneirista de busca por uma identidade.
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Fonte:
Leonel Isac Maduro Velloso:
“Bento Teixeira: o talento de sua mão”. Rede de
Letras. Disponível em: www.estacio.br/publicacoes/redeletras
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