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Francisco
de Mello Franco: o autor e o anônimo
Reza a
tradição que estas quatro obras anônimas foram escritas por Francisco de Mello Franco.
Quem a iniciou não sabemos, embora seja possível traçar algumas linhas gerais a
respeito. Não obstante, a tradição permanece até hoje: continua-se aceitando a
suposta autoria.
Desta
forma, ao iniciar uma busca no site da Biblioteca Nacional de Portugal com o
nome de “Francisco de Melo Franco” o pesquisador irá se deparar não apenas com
os livros Tratado de Educação Fysica, Elementos de Hygiene e Ensaio
sobre as Febres, mas igualmente com os títulos Reino da Estupidez,
Resposta ao Filósofo Solitário, Resposta Segunda ao Filósofo Solitário
e Medicina Theologica. Porém, antes de iniciar esta discussão, cumpre
apresentar o nosso ilustre personagem.
Nasceu em Paracatu,
Minas Gerais, em 1757. Ali o seu pai, João de Melo Franco, natural de Portugal,
não somente se fixara por volta de meados do século XVIII, como teria conquistado
o enriquecimento através da mineração e da criação de gado. Segundo Afonso Arinos,
logo se tornou uma personalidade bastante respeitada em sua região. Além de “homem
bom” do distrito, teria sido também familiar do Santo Ofício. Dos onze filhos
que teve, Francisco de Mello Franco era o primogênito. Ao morrer o pai, foi o único
filho a ser excluído do testamento paterno, ato consentido pelo próprio Mello
Franco. Justificavam-no os altos custos que tinham representado os seus estudos,
a princípio de gramática e depois na Universidade de Coimbra.
As informações
disponibilizadas por Afonso Arinos, embora relevantes, demandam cautela do
pesquisador. Membro da família Mello Franco, o aspecto genealógico de sua obra apresenta
não somente algumas lacunas, sobretudo no que se refere às fontes utilizadas,
cuja procedência não é indicada, como alguns tons laudatórios. Há de considerar-se,
portanto, o problema de construção da memória, sempre seletiva e social. O tom
laudatório, contudo, não lhe era exclusivo. Varnhagen, ao compendiar uma biografia
sobre Francisco de Mello Franco, também o demonstrou.
Ressalvas
a parte, o fato é que já aos doze anos saiu de Minas rumo ao Rio de Janeiro, onde
foi matriculado no Seminário de S. Joaquim. Após o que se mudou para Portugal e
lá, posteriormente, ingressou no curso de Medicina da Universidade de Coimbra. Entretanto,
em 1781 o curso teve de ser interrompido. O motivo: problemas com o Santo
Ofício. Em auto de fé de 26 de Agosto de 1781, foi sentenciado como herege, naturalista,
dogmático e que negava o sacramento do matrimônio e, em função disto, condenado
a quatro anos de prisão em Rilhafoles, além de confiscação de bens e Sambenito.
Fazia parte dos estudantes implicados no processo de 1779, conforme mencionado no
capítulo 1. Dos quatro anos cumpriu apenas um, sendo solto já em 1782, após o
que retornou à Universidade de Coimbra, graças a um aviso régio assinado por D.
Maria I, para concluir o curso de medicina. O que ocorreu somente em 1786. A partir de então fixou
residência em Lisboa, local em que permaneceu até o ano de 1817.
Por volta de
1792 o Almanach para o anno de 1792 o descrevia como mais um dos médicos
da cidade. Dois anos antes, já como correspondente de número da Academia Real das
Ciências de Lisboa e membro da comissão para o adiantamento da medicina nacional,
publicou, por ordem da mesma Academia, o seu primeiro livro de forma aberta: Tratado
de educação fysica dos meninos para uso da Nação Portuguesa.
Alguns historiadores
costumam destacar que já em 1793 figurava como médico do Paço. As fontes com as
quais tive contato são contraditórias a este respeito. Em primeiro lugar, há o pequeno
opúsculo Lista das pessoas de que se compõem a Academia Real das Sciencias
em maio de 1794. Neste, Mello Franco continua sendo apresentando sem
qualquer indicação ao oficio citado. Ainda entre os correspondentes de número, nada
permite afirmar que já era médico da câmara real. Basta-nos um contraponto. Ao
nome de José Martins da Cunha Pessoa, também correspondente de número, se seguia
à designação de “medico da câmara de S. Magestade.” E, em segundo, uma petição
feita ao rei na qual se dizia médico da câmara régia por 20 anos. Datado de
1813, pelas contas teria entrado no ofício justamente no ano de 1793.
Não se sabe
ao certo a seqüência cronológica de algumas graduações que alcançou; ainda assim,
ao mesmo tempo em que era médico do rei, atuava igualmente como um dos deputados
extraordinários da Real Junta do Proto-Medicato, criada em 1782 por decreto régio
com o objetivo de substituir os empregos de Fysico mór e de cirurgião
mór. Nos anos seguintes, a sua participação junto à Academia Real de
Ciência de Lisboa foi tomando maiores proporções: não somente integrou
ativamente a instituição vacínica, criada em 1812 com o objetivo de introduzir
e difundir a vacina antivariólica no Reino e em seus domínios, como chegou a
assumir o posto de vice-secretário, substituindo José Bonifácio de Andrada e Silva,
seu amigo pessoal e então secretário da Academia em viagem pela Europa. E foi neste
período, por volta de 1814, que a mesma Academia publicou o seu livro Elementos
de Hygiene.
Finalmente,
em 1817 foi chamado pelo rei para integrar a comitiva que levaria a princesa
Leopoldina ao Brasil: seria um de seus médicos particulares. O retorno ao
Brasil não foi dos melhores. Segundo Afonso Arinos, o médico tinha sido acusado
de envolvimento em uma conspiração contra o rei ainda em Lisboa, sendo, por conseguinte,
expulso do Paço. Como observa o autor do Dicionário Bibliográfico Português,
Não encontrou porém na côrte o acolhimento que era de esperar, chegando a ser-lhe
vedada a entrada no paço, onde os recentes acontecimentos de Pernambuco traziam
os animos convulsos e irritados contra as doutrinas liberaes, a que Mello
Franco era reconhecidamente affeiçoado.
Não se sabe de onde estes autores tiraram tais
informações. Nos documentos existentes no Arquivo Nacional, não encontrei nenhum
que mencione o dito infortúnio por que supostamente teria passado o médico. O Almanaque
para o ano de 1820 continua apresentando-o como médico da câmara do rei. Da mesma
forma, logo após a sua morte em 1822, Francisco de Mello Franco, seu segundo
filho, iniciou várias petições em nome do pai, antigo médico do rei. Todas
foram atendidas.
Seja como for,
a possível expulsão do Paço não teria sido o único infortúnio do médico. Ao
sair de Lisboa e vir para o Brasil, Mello Franco perdera a fortuna, em função
da quebra fraudulenta de um negociante. A precariedade de sua situação é demonstrada
em carta que escreve ao irmão, logo após a sua chegada ao Brasil:
Trouxe
tôda a minha gente e queimei tudo o que tinha, como quem por uma vez se
retirava de Portugal [...] Aqui estou há um mês e ainda não tenho casa que acho
aqui raríssimas, caríssimas e péssimas, nem arranjo algum próprio do país
[...].
O mesmo
tom de lamento transparece de uma carta que escreveu, dias antes, ao amigo José
Bonifácio de Andrada e Silva. Após quatro meses e um dia de viagem finalmente havia
chegado ao Brasil no dia 5 de Novembro de 1817. No momento habitava em uma casa
emprestada por amigos. Era difícil encontrar uma casa na cidade. As que existiam
eram “difficeis, más e caras”. E prosseguia:
Assim
vamos lutando com os trabalhos, de que estava livre, e para os que já não tenho
animo. Já não tem remédio, e he penosa olhar para traz, quando de huma verde
planície se entra em montanhas escabrosas. [...] He preciso meu bom amigo ter
força e valor para resistir a desastres desta natureza, para os quais nada
contribuímos; mas lembre-se, que he pai de famílias, e que deve conservar-se
para bem dos outros. Esta maxima he quem me traz (pelo) aqui arrastado sem
precisão individual.
Em 1822, retornando
de uma viagem que fizera a São Paulo, Francisco de Mello Franco morreu.
---
Fonte:
Rossana Agostinho Nunes: “Nas sombras da libertinagem: Francisco de Mello Franco (1757-1822) entre luzes e censura no mundo luso-brasileiro”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Guilherme Pereira das Neves). Niterói, 2011.
Fonte:
Rossana Agostinho Nunes: “Nas sombras da libertinagem: Francisco de Mello Franco (1757-1822) entre luzes e censura no mundo luso-brasileiro”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Guilherme Pereira das Neves). Niterói, 2011.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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