18/05/2014

Reino da Estupidez, de Francisco de Melo Franco

 Reino da Estupidez - Francisco de Melo Franco - Iba Mendes
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Francisco de Mello Franco: o autor e o anônimo

Reza a tradição que estas quatro obras anônimas foram escritas por Francisco de Mello Franco. Quem a iniciou não sabemos, embora seja possível traçar algumas linhas gerais a respeito. Não obstante, a tradição permanece até hoje: continua-se aceitando a suposta autoria.

Desta forma, ao iniciar uma busca no site da Biblioteca Nacional de Portugal com o nome de “Francisco de Melo Franco” o pesquisador irá se deparar não apenas com os livros Tratado de Educação Fysica, Elementos de Hygiene e Ensaio sobre as Febres, mas igualmente com os títulos Reino da Estupidez, Resposta ao Filósofo Solitário, Resposta Segunda ao Filósofo Solitário e Medicina Theologica. Porém, antes de iniciar esta discussão, cumpre apresentar o nosso ilustre personagem.

Nasceu em Paracatu, Minas Gerais, em 1757. Ali o seu pai, João de Melo Franco, natural de Portugal, não somente se fixara por volta de meados do século XVIII, como teria conquistado o enriquecimento através da mineração e da criação de gado. Segundo Afonso Arinos, logo se tornou uma personalidade bastante respeitada em sua região. Além de “homem bom” do distrito, teria sido também familiar do Santo Ofício. Dos onze filhos que teve, Francisco de Mello Franco era o primogênito. Ao morrer o pai, foi o único filho a ser excluído do testamento paterno, ato consentido pelo próprio Mello Franco. Justificavam-no os altos custos que tinham representado os seus estudos, a princípio de gramática e depois na Universidade de Coimbra.

As informações disponibilizadas por Afonso Arinos, embora relevantes, demandam cautela do pesquisador. Membro da família Mello Franco, o aspecto genealógico de sua obra apresenta não somente algumas lacunas, sobretudo no que se refere às fontes utilizadas, cuja procedência não é indicada, como alguns tons laudatórios. Há de considerar-se, portanto, o problema de construção da memória, sempre seletiva e social. O tom laudatório, contudo, não lhe era exclusivo. Varnhagen, ao compendiar uma biografia sobre Francisco de Mello Franco, também o demonstrou.

Ressalvas a parte, o fato é que já aos doze anos saiu de Minas rumo ao Rio de Janeiro, onde foi matriculado no Seminário de S. Joaquim. Após o que se mudou para Portugal e lá, posteriormente, ingressou no curso de Medicina da Universidade de Coimbra. Entretanto, em 1781 o curso teve de ser interrompido. O motivo: problemas com o Santo Ofício. Em auto de fé de 26 de Agosto de 1781, foi sentenciado como herege, naturalista, dogmático e que negava o sacramento do matrimônio e, em função disto, condenado a quatro anos de prisão em Rilhafoles, além de confiscação de bens e Sambenito. Fazia parte dos estudantes implicados no processo de 1779, conforme mencionado no capítulo 1. Dos quatro anos cumpriu apenas um, sendo solto já em 1782, após o que retornou à Universidade de Coimbra, graças a um aviso régio assinado por D. Maria I, para concluir o curso de medicina. O que ocorreu somente em 1786. A partir de então fixou residência em Lisboa, local em que permaneceu até o ano de 1817.

Por volta de 1792 o Almanach para o anno de 1792 o descrevia como mais um dos médicos da cidade. Dois anos antes, já como correspondente de número da Academia Real das Ciências de Lisboa e membro da comissão para o adiantamento da medicina nacional, publicou, por ordem da mesma Academia, o seu primeiro livro de forma aberta: Tratado de educação fysica dos meninos para uso da Nação Portuguesa.

Alguns historiadores costumam destacar que já em 1793 figurava como médico do Paço. As fontes com as quais tive contato são contraditórias a este respeito. Em primeiro lugar, há o pequeno opúsculo Lista das pessoas de que se compõem a Academia Real das Sciencias em maio de 1794. Neste, Mello Franco continua sendo apresentando sem qualquer indicação ao oficio citado. Ainda entre os correspondentes de número, nada permite afirmar que já era médico da câmara real. Basta-nos um contraponto. Ao nome de José Martins da Cunha Pessoa, também correspondente de número, se seguia à designação de “medico da câmara de S. Magestade.” E, em segundo, uma petição feita ao rei na qual se dizia médico da câmara régia por 20 anos. Datado de 1813, pelas contas teria entrado no ofício justamente no ano de 1793.

Não se sabe ao certo a seqüência cronológica de algumas graduações que alcançou; ainda assim, ao mesmo tempo em que era médico do rei, atuava igualmente como um dos deputados extraordinários da Real Junta do Proto-Medicato, criada em 1782 por decreto régio com o objetivo de substituir os empregos de Fysico mór e de cirurgião mór. Nos anos seguintes, a sua participação junto à Academia Real de Ciência de Lisboa foi tomando maiores proporções: não somente integrou ativamente a instituição vacínica, criada em 1812 com o objetivo de introduzir e difundir a vacina antivariólica no Reino e em seus domínios, como chegou a assumir o posto de vice-secretário, substituindo José Bonifácio de Andrada e Silva, seu amigo pessoal e então secretário da Academia em viagem pela Europa. E foi neste período, por volta de 1814, que a mesma Academia publicou o seu livro Elementos de Hygiene.

Finalmente, em 1817 foi chamado pelo rei para integrar a comitiva que levaria a princesa Leopoldina ao Brasil: seria um de seus médicos particulares. O retorno ao Brasil não foi dos melhores. Segundo Afonso Arinos, o médico tinha sido acusado de envolvimento em uma conspiração contra o rei ainda em Lisboa, sendo, por conseguinte, expulso do Paço. Como observa o autor do Dicionário Bibliográfico Português, Não encontrou porém na côrte o acolhimento que era de esperar, chegando a ser-lhe vedada a entrada no paço, onde os recentes acontecimentos de Pernambuco traziam os animos convulsos e irritados contra as doutrinas liberaes, a que Mello Franco era reconhecidamente affeiçoado.

 Não se sabe de onde estes autores tiraram tais informações. Nos documentos existentes no Arquivo Nacional, não encontrei nenhum que mencione o dito infortúnio por que supostamente teria passado o médico. O Almanaque para o ano de 1820 continua apresentando-o como médico da câmara do rei. Da mesma forma, logo após a sua morte em 1822, Francisco de Mello Franco, seu segundo filho, iniciou várias petições em nome do pai, antigo médico do rei. Todas foram atendidas.

Seja como for, a possível expulsão do Paço não teria sido o único infortúnio do médico. Ao sair de Lisboa e vir para o Brasil, Mello Franco perdera a fortuna, em função da quebra fraudulenta de um negociante. A precariedade de sua situação é demonstrada em carta que escreve ao irmão, logo após a sua chegada ao Brasil:

Trouxe tôda a minha gente e queimei tudo o que tinha, como quem por uma vez se retirava de Portugal [...] Aqui estou há um mês e ainda não tenho casa que acho aqui raríssimas, caríssimas e péssimas, nem arranjo algum próprio do país [...].

O mesmo tom de lamento transparece de uma carta que escreveu, dias antes, ao amigo José Bonifácio de Andrada e Silva. Após quatro meses e um dia de viagem finalmente havia chegado ao Brasil no dia 5 de Novembro de 1817. No momento habitava em uma casa emprestada por amigos. Era difícil encontrar uma casa na cidade. As que existiam eram “difficeis, más e caras”. E prosseguia:

Assim vamos lutando com os trabalhos, de que estava livre, e para os que já não tenho animo. Já não tem remédio, e he penosa olhar para traz, quando de huma verde planície se entra em montanhas escabrosas. [...] He preciso meu bom amigo ter força e valor para resistir a desastres desta natureza, para os quais nada contribuímos; mas lembre-se, que he pai de famílias, e que deve conservar-se para bem dos outros. Esta maxima he quem me traz (pelo) aqui arrastado sem precisão individual.

Em 1822, retornando de uma viagem que fizera a São Paulo, Francisco de Mello Franco morreu.

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Fonte:
Rossana Agostinho Nunes: “Nas sombras da libertinagem: Francisco de Mello Franco (1757-1822) entre luzes e censura no mundo luso-brasileiro”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Guilherme Pereira das Neves). Niterói, 2011.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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