05/04/2014

Poesias Eróticas, Satíricas e Burlescas de Bocage

 Poesias Eróticas, Satíricas e Burlescas  de Bocage - Iba Mendes
Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o site  do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(
Download)
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).


---
O Ciúme em Bocage

Em Bocage, a loucura amorosa manifesta-se também e, diríamos mesmo, sobretudo pela expressão exacerbada do ciúme. A este propósito recordamos as palavras de José Cândido Martins: “O sujeito poético bocageano reage à desconfiança, à ausência ou à infidelidade, na mesma proporção com que ama violenta e apaixonadamente. Por isso, nesta estética e psicologia pré-romântica, não nos surpreende a obsessão violenta com que descreve o sentimento do Ciúme, que não encontramos em nenhum outro escritor do seu tempo”.

O Ciúme é frequentemente personificado, visto como um ser monstruoso, terrível, que o poeta enquadra em cenários infernais, habitados por outros monstros igualmente terríficos, com o propósito de descrever o sofrimento que tal sentimento suscita no ser humano.  Assim ocorre no soneto 32820:

 Guiou-me ao templo do letal Ciúme
A Desesperação que em mim fervia;
O cabelo de horror se me arrepia
Ao recordar o formidável nume.

Fumegava-lhe aos pés tartáreo lume,
Crespa serpe as entranhas lhe roía;
Eram ministros seus a Aleivosia,
O Susto, a Morte, a Cólera, o Queixume.

«Cruel! (grito em frenético transporte)
Dos sócios teus, no Báratro gerados,
Dá-me um só, que te invejo - a Morte, a Morte.»
Cessa (diz) os teus rogos são baldados:
Querem ter-te no mundo Amor e a Sorte
Para consolação dos desgraçados.»

O Ciúme é caracterizado como “letal”, pois facilmente conduz o sujeito poético à morte. Quem guiou este último ao templo de tal divindade foi a Desesperação, o que demonstra claramente a agitação e o delírio em que se encontrava o eu, intensificado pelo emprego de “ferver”. Em tal templo deparou com um “formidável nume”, sendo o adjectivo utilizado no seu sentido de terrível e temeroso, cuja mera recordação é suficiente para suscitar o horror do sujeito poético. A nível fónico destaca-se a aliteração em vibrante [r] nos vv.3-4, de forma a sugerir precisamente o horror experimentado pelo eu Na segunda quadra é na descrição horrífica do templo do Ciúme que o poeta centra a sua atenção. Destaca-se a presença do fogo, o “tartáreo lume” enquanto elemento destruidor. De salientar também o latinismo que permite enquadrar o templo no espaço e situá-lo assim nas profundezas do Inferno onde os mortos eram torturados, da mesma forma que também o Ciúme se torna um suplício para quem o experimenta. Além do fogo, destaca-se a “crespa serpe”, criatura igualmente terrífica e infernal, cujo acto de devorar as entranhas da divindade suscita não só algum horror como também repugnância no próprio leitor. O poeta completa a descrição do quadro com a identificação dos restantes seres infernais que rodeiam o Ciúme: Aleivosia, Susto, Morte, Cólera e Queixume, todos eles personificados.

Nos tercetos assistimos a um diálogo entre o sujeito poético e o “formidável nume”: aquele, quase em êxtase, grita implorando pela Morte como fim para o seu sofrimento. A repetição do vocábulo, além de acentuar a súplica desesperada do eu, sugere a perturbação que o atormenta. O pedido formulado deixa antever a esperança do sujeito poético em libertar-se da dor que o dilacera. No entanto, rapidamente o Ciúme o confronta com a mais dura das realidades: os seus rogos são vãos. A razão é simples: Amor e Sorte querem ter o sujeito poético no mundo para servir de exemplo e sobretudo de consolo a todos aqueles que sofrem as agruras do amor. Ressalta uma vez mais a ideia do poeta como um ser condenado à infelicidade, vítima do Fado e também do Amor.


---
Fonte:
Raquel Teixeira da Rocha Filipe: “O legado clássico em Bocage - A elegia erótica latina e os sonetos amorosos bocageanos”. (Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Literatura, realizada sob a orientação científica do Doutor Carlos de Miguel Mora, Professor Auxiliar do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro). Universidade de Aveiro - Departamento de Línguas e Culturas, 2010. Disponível em: https://ria.ua.pt

Nenhum comentário:

Postar um comentário