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O Ciúme em Bocage
Em Bocage, a loucura amorosa
manifesta-se também e, diríamos mesmo, sobretudo pela expressão exacerbada do
ciúme. A este propósito recordamos as palavras de José Cândido Martins: “O
sujeito poético bocageano reage à desconfiança, à ausência ou à infidelidade,
na mesma proporção com que ama violenta e apaixonadamente. Por isso, nesta
estética e psicologia pré-romântica, não nos surpreende a obsessão violenta com
que descreve o sentimento do Ciúme, que não encontramos em nenhum outro
escritor do seu tempo”.
O Ciúme é frequentemente
personificado, visto como um ser monstruoso, terrível, que o poeta enquadra em
cenários infernais, habitados por outros monstros igualmente terríficos, com o
propósito de descrever o sofrimento que tal sentimento suscita no ser humano. Assim ocorre no soneto 32820:
Guiou-me ao templo do letal Ciúme
A Desesperação que em mim fervia;
O cabelo de horror se me arrepia
Ao recordar o formidável nume.
Fumegava-lhe aos pés tartáreo
lume,
Crespa serpe as entranhas lhe
roía;
Eram ministros seus a Aleivosia,
O Susto, a Morte, a Cólera, o
Queixume.
«Cruel! (grito em frenético
transporte)
Dos sócios teus, no Báratro
gerados,
Dá-me um só, que te invejo - a
Morte, a Morte.»
Cessa (diz) os teus rogos são
baldados:
Querem ter-te no mundo Amor e a
Sorte
Para consolação dos desgraçados.»
O Ciúme é caracterizado como “letal”, pois
facilmente conduz o sujeito poético à morte. Quem guiou este último ao templo
de tal divindade foi a Desesperação, o que demonstra claramente a agitação e o
delírio em que se encontrava o eu, intensificado pelo emprego de “ferver”. Em
tal templo deparou com um “formidável nume”, sendo o adjectivo utilizado no seu
sentido de terrível e temeroso, cuja mera recordação é suficiente para suscitar
o horror do sujeito poético. A nível fónico destaca-se a aliteração em vibrante
[r] nos vv.3-4, de forma a sugerir precisamente o horror experimentado pelo eu Na
segunda quadra é na descrição horrífica do templo do Ciúme que o poeta centra a
sua atenção. Destaca-se a presença do fogo, o “tartáreo lume” enquanto elemento
destruidor. De salientar também o latinismo que permite enquadrar o templo no
espaço e situá-lo assim nas profundezas do Inferno onde os mortos eram
torturados, da mesma forma que também o Ciúme se torna um suplício para quem o
experimenta. Além do fogo, destaca-se a “crespa serpe”, criatura igualmente
terrífica e infernal, cujo acto de devorar as entranhas da divindade suscita
não só algum horror como também repugnância no próprio leitor. O poeta completa
a descrição do quadro com a identificação dos restantes seres infernais que
rodeiam o Ciúme: Aleivosia, Susto, Morte, Cólera e Queixume, todos eles personificados.
Nos tercetos assistimos a um
diálogo entre o sujeito poético e o “formidável nume”: aquele, quase em êxtase,
grita implorando pela Morte como fim para o seu sofrimento. A repetição do
vocábulo, além de acentuar a súplica desesperada do eu, sugere a perturbação que
o atormenta. O pedido formulado deixa antever a esperança do sujeito poético em
libertar-se da dor que o dilacera. No entanto, rapidamente o Ciúme o confronta
com a mais dura das realidades: os seus rogos são vãos. A razão é simples: Amor
e Sorte querem ter o sujeito poético no mundo para servir de exemplo e
sobretudo de consolo a todos aqueles que sofrem as agruras do amor. Ressalta
uma vez mais a ideia do poeta como um ser condenado à infelicidade, vítima do
Fado e também do Amor.
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Fonte:
Raquel Teixeira da Rocha Filipe: “O
legado clássico em Bocage - A elegia erótica latina e os sonetos amorosos bocageanos”.
(Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Doutor em Literatura, realizada sob a
orientação científica do Doutor Carlos de Miguel Mora, Professor Auxiliar do
Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro). Universidade de Aveiro
- Departamento de Línguas e Culturas, 2010. Disponível em: https://ria.ua.pt
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