05/04/2014

Húmus, de Raul Brandão

 Húmus, de Raul Brandão
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Os sentidos do Húmus: leitura crítica do romance

Húmus é um livro repleto de signos que nos remetem à dor: o embate entre a vida e a morte, problemática que sempre inquietou o homem, supura em gritos que ecoam por toda a narrativa e que abrem uma via de comunicação entre dois estados possíveis: a vida-simulacro, feita de manias e de mentiras, esboço de uma vivência humana, e a vida-verdadeira, em que, de fato, a existência ganharia sentido. Embora as dicotomias estejam sempre presentes, em Húmus não há dois pólos: vida e morte formam uma só moeda. O narrador, sobre quem nos deteremos mais adiante, protesta contra a mesmice da existência, contra a mentira, contra a Igreja, contra a burguesia e contra o capitalismo; não aceita as artimanhas impostas pela civilização moderna, da qual decorre uma vida falsa, desprovida de uma experiência autêntica, para pensarmos a partir dos conceitos de Walter Benjamin. Entretanto, se se expõe que a vida é uma farsa (essa idéia Raul Brandão já havia exposto em seu livro de 1903 e a retoma durante quase toda a sua produção literária), também se afirma que é preciso mentir para suportar a inutilidade da vida e reprimir o sonho (que se manifesta a partir das experiências alquímicas do Gabiru) que existe no mais recôndito de cada ser humano, desejoso de que não lhe caia a máscara.

Na meticulosa construção do texto, Raul Brandão harmoniza uma plêiade de estéticas e tendências que surgiam na virada do século, algumas das quais estão entre as conhecidas vanguardas européias, com destaque para o valor expressionista (ao lado do impressionismo, como já mencionamos na abertura do primeiro capítulo), que se infiltra não apenas na forma, mas também no conteúdo literário: as personagens sofrem agonicamente, perfilam toda a narrativa como a purgar os defeitos e a tentar recomeçar a viver, sempre aos gritos, plasticamente aproximando-se da tela de Edvard Munch. O desespero lancinante que se confronta ao olhar O Grito, pintado em 1893, aproxima-se, em tema e em técnica, da miséria, da dor e do sofrimento que se multiplicam pelo texto brandoniano, ora emitidos pelo narrador, ora pelas velhas ou pelo Gabiru. A explosão da emoção e a retratação do sentimento por meio da deformação visual da imagem, em que a dramaticidade (e, em certa medida, a tragicidade) avulta, aproximam o texto brandoniano e a tela de Munch.

Técnica: essa parece ser a palavra-chave na construção do Húmus, livro que, verdadeiramente, exige reencontros, novas leituras, para que possamos absorver e compreender ao máximo possível o texto de Raul Brandão e o projeto estético a ele subjacente. Se, como vimos no primeiro capítulo, Teixeira de Pascoaes sentiu a necessidade de voltar à obra, a fim de estudá-la como peça de arte (conscientemente construída), algumas passagens do romance parecem confirmar essa idéia, dando-nos a impressão de que seu discurso difuso, freqüentemente ambíguo, é mais uma das artimanhas do autor, que muitas vezes se detém em esmiuçar o cotidiano de uma vila imaginária, que dá certa ambientação ao livro, ou em enveredar por reflexões existenciais e até mesmo metalingüísticas.

A metalinguagem, aliás, é um dos mais fortes argumentos disponíveis no próprio corpo do texto para que se defenda a modernidade da narrativa, numa perspectiva da consciência da ruptura, aparentemente explicitada por meio do narrador, que diz: “E é com secreta satisfação que vejo esfarelar-se este edifício tão bem construído sobre bases, que pareciam inabaláveis” (H1, p. 61), pois a “construção antiga desabou, e a um mundo novo correspondem criaturas novas” (H1, p. 118). Assim, a “narrativa desconjunta-se: ganha em dor e em grotesco. Enche a boca, perde a naturalidade, adquire em imponência” (H1, p. 145), ou seja, “torna-se obscura, dolorosa, hesitante, como se fosse arrancada aos pedaços d’uma alma espezinhada” (H1, p. 147, grifo nosso).


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Fonte:
Otávio Rios Portela: “A experiência estética de Raul Brandão: Variantes textuais e Construção narrativa em Húmus”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Luci Ruas Pereira). Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/

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