21/04/2014

O dialeto caipira, de Amadeu Amaral

O dialeto caipira - Amadeu Amaral - Iba Mendes
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Amadeu Amaral e a dialetologia no Brasil

As reconstituições históricas dos estudos dialetais no Brasil costumam se iniciar
com uma referência a Domingos Borges de Barros, Visconde de Pedra Branca, que, em 1826, contribuiu para o livro Introduction à l'atlas ethnographique du globe, do geógrafo vêneto Adrien Balbi, com um breve capítulo em que aponta diferenças entre o português do Brasil e o português continental (Pinto 1978, Castilho 1992, Ferreira & Cardoso 1994, Cardoso 2002, Cardoso & Mota 2003). Em referência ao aspecto fonológico, o Visconde de Pedra Branca menciona o falar mais doce, mais ameno como característico do Brasil.

Considerando o aspecto lexical, apresenta, a título de exemplificação, um grupo de 8 palavras que adquiriram novos sentidos no Brasil, diferenciando-se do uso dos termos em Portugal, e um outro grupo de itens lexicais, que reúne 50 nomes atestados na colônia e desconhecidos na metrópole. (O texto de Pedra Branca está reproduzido em Pinto 1978: 5-7).

A partir desse marco, que coloca a questão das peculiaridades do português falado no Brasil, identifica-se na história da dialetologia no Brasil, conforme periodização proposta por Ferreira e Cardoso (1994), uma fase inicial que se caracteriza pela predominância de estudos voltados basicamente para o léxico. Dicionários, vocabulários, léxicos regionais, produzidos nesse período, procuram registrar peculiaridades do léxico do português do Brasil, em âmbito geral ou regional. Ferreira e Cardoso (1994: 38- 39) fazem referência a vários trabalhos dessa natureza, entre os quais incluem: Dicionário da língua brasileira, 1832, de Luís Maria Silva Pinto, Popularium sulriograndense e o dialeto nacional, 1872, de Apolinário Porto Alegre, Dicionário brasileiro da língua portuguesa, 1888, de Macedo Soares, O tupi na geografia nacional, 1901, de Theodoro Sampaio. Com uma abordagem mais ampla, que não se restringe ao estudo do léxico, registra-se nesse período o trabalho de José Jorge Paranhos da Silva, O idioma hodierno de Portugal comparado com o do Brasil, de 1879.

A publicação de O dialeto caipira, de Amadeu Amaral, em 1920, constitui, ainda
segundo as Autoras mencionadas (Ferreira e Cardoso 1994, Cardoso 2002), o marco inicial de uma nova fase da pesquisa dialetológica brasileira. Apesar de se constatar ainda o interesse pelo enfoque lexicográfico, manifestado em numerosos trabalhos, nessa fase se inauguram os estudos que se voltam para a observação da língua em uma determinada área, procurando caracterizá-la não só em termos léxico-semânticos, mas também do ponto de vista fonético-fonológico e morfossintático. É essa inovação que Amadeu Amaral representa, constituindo-se em incentivo e modelo para o estudo dos falares regionais. Seu estudo de caráter monográfico revela uma preocupação com a observação dos dados in loco, e com o exame dos diferentes aspectos da realidade observada. Na mesma linha de Amadeu Amaral, destacam-se também, no início dessa fase, Antenor Nascentes, com O linguajar carioca em 1922, publicado em 1923, e Mário Marroquim, com A língua do Nordeste, de 1934, em que descreve o português de Pernambuco e Alagoas.

Significativamente, Nascentes dedica O linguajar carioca a Amadeu Amaral, afirmando que o paulista ''mostrou [em seu trabalho] a verdadeira diretriz dos estudos dialetológicos no Brasil" (Nascentes 1923 I 1953: 3). Da mesma forma, Marroquim, acentuando a necessidade do estudo de nossas tendências dialetais, ressalta que, com O dialeto caipira, Amadeu Amaral "abriu resolutamente o caminho, dando um exemplo que deve ser imitado" (Marroquim 1934 I 1945: 7).

Em um balanço que faz da dialetologia brasileira, Rossi (1967) também menciona Amadeu Amaral, situando-o no estágio inicial da área, ao lado de outros que também fizeram estudos parciais, como Marroquim (1934), José Aparecida Teixeira (1938, 1944), Aires da Mata Machado Filho (1933). Por sua vez, Brandão (1991), re1embrando a história dos estudos dialetológicos no Brasil, acentua a importância de O dialeto caipira, reconhecendo seu autor como "o primeiro dialetólogo brasileiro". Segundo a Autora, a partir dessa primeira tentativa de descrever um falar regional brasileiro, ganha corpo o interesse pelo estudo da variante brasileira do português em sua modalidade falada. Mais que isso, para Brandão (1991 :43), Amadeu Amaral lança "a semente da geografia linguística" ao reconhecer a necessidade de pesquisa séria e imparcial voltada para as 'modalidades locais e regionais', condição para se saber 'com segurança quais os caracteres gerais do dialeto brasileiro, ou dos dialetos brasileiros, quantos e quais os subdialetos, o grau de vitalidade, as ramificações, o domínio geográfico de cada um' (Amaral 1920 I 1982: 44).

Pinto (1981) também aponta o caráter inovador de Amadeu Amaral no quadro da reflexão sobre a língua portuguesa no Brasil. Para a Autora, ele é um dos "grandes pioneiros" da renovação dos nossos estudos lingüísticos observada no período de 1920 a 1945, renovação que assinala uma "opção pelo enfoque dialetológico, em detrimento do filológico, até então predominante" (Pinto 1981: XVIII).

Resumindo as avaliações expostas, dois aspectos inovadores devem ser destacados no estudo de Amadeu Amaral, que justificam a importância que lhe é atribuída: por um lado, o enfoque da variedade regional em questão em seus diferentes aspectos- fonético, lexical, morfológico e sintático -, indo além do levantamento lexical, a que se limitavam basicamente os estudos dialetológicos até então, e, por outro lado, o cuidado metodológico revelado pelo Autor, conferindo confiabilidade à descrição. Ao apresentar, com modéstia, seu trabalho, Amadeu Amaral aponta esses dois aspectos, ao afirmar que sua contribuição é apenas um começo, e que se dará por satisfeito se tiver "conseguido fixar duas ou três idéias e duas ou três observações aproveitáveis, neste assunto, por enquanto, quase virgem de vistas de conjunto, sob critérios objetivos" (Amaral 1920 I 1982: 43). (Destacamos.)


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Fonte:

Vandersí Sant'Ana Castro: A Resistência de Traços do Dialeto Caipira: Estudo com Base em Atlas Lingüísticos Regionais Brasileiros. (Tese apresentada ao Curso de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Lingüística. Orientador: Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho). UNICAMP, 2006. Disponível em: www.bibliotecadigital.unicamp.br

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