23/04/2014

Broquéis, de Cruz e Sousa

 Broquéis, de Cruz e Sousa
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Linguagem e Formalismo em Broquéis


O livro de Maria Helena Camargo Regis, Linguagem e Versificação em Broquéis, é o único a que tive acesso que trata exclusivamente do livro Broquéis. Publicado em 1976, tem o grande mérito de desenvolver uma análise focada sobre as virtudes do livro e os significados de sua linguagem.

Antes dela, pelo menos um outro estudo de fôlego incidia sobre a linguagem do poeta simbolista. Trata-se do texto de Antônio de Pádua, À Margem do Estilo de Cruz e Sousa, publicado originalmente em 1946 e reunido também na Fortuna Crítica do poeta. O estudo de Pádua, ainda que não centrado em Broquéis, precisa dele retirar matéria para a pesquisa.

As considerações de Pádua partem da premissa de que o solo comum aos simbolistas foi o parnasianismo. Para o estudioso, nenhum defeito, em si, nasceria dessa origem comum.

Afirma textualmente que “os mestres do simbolismo seriam esse mesmo Baudelaire, e, mais diretamente, Verlaine e Mallarmé, que haviam pertencido ao parnasianismo e eram agora os corifeus da poética nova” (In: COUTINHO: 1979: 190). Logo, mesmo na França não se pode afirmar uma “pureza estética”; o “parnasianismo” de Mallarmé e de Verlaine já era uma mescla.  Uma  compreensão  moderna,  compartilhada  por  outros  escritores  e  críticos  mais contemporâneos, aparece na perspectiva que alimenta inicialmente Pádua:

O simbolismo correspondeu a uma transformação por que passou o pensamento nos fins do século passado: a revivescência do idealismo.
Como  os  parnasianos  (ao  lado  dos  realistas  na  prosa)  foram  um  reflexo  do positivismo  filosófico,  do  cientificismo,  os  simbolistas  reagiram  num  retorno  à subjetividade, à contemplação interior das imagens do mundo. A fórmula de Schopenhauer: “o mundo é minha representação” - assenhorava-se dos domínios  da  arte  e  da  literatura,  incentivando  o  individualismo,  o desconvencionalismo estético” (PÁDUA, in COUTINHO: 1979: 191)

Sua visada crítica, no entanto, é aquela da Estilística, que se difundiu entre nós nas décadas de 40 e 50, como afirma Bosi, em seu “Sobre alguns modos de ler poesia: memórias e reflexões”, presente na coletânea de textos críticos Leitura de poesia, de sua organização. Logo, o estudo de Pádua busca mostrar o “virtuosismo expressional” de Cruz e Sousa em uma “análise estilística [que se] dedicava aos fenômenos linguísticos, correndo às vezes o risco de hipersimbolizar este ou aquele elemento fonético ou gramatical” (BOSI: 2007: 13).

Por isso, a análise de Pádua tenta traçar analogias entre o nível formal e o nível simbólico, buscando sempre exemplos retirados dos poemas do escritor. Mostra o valor dos sons, das metáforas, da linguagem lúdica, dos neologismos – sempre se apoiando em outros estudos  e  fazendo  analogias  com  outros  escritores  simbolistas,  sobretudo,  franceses.  O levantamento consegue, de fato, demonstrar a “expressividade” do poeta. Ao contrário do que sugeriram os seus primeiros críticos, a obra como um todo revela riqueza e não repetição de técnicas, embora alguns traços mantenham-se constantes.

Entretanto,  por  ser tratar  de um “breve  estudo”,  como  afirma  o  próprio  autor,  as interpretações dos aspectos de expressão levantados são raras, quando não inexistentes. Fica-se  no  levantamento,  sem  discutir,  por  exemplo,  “as  vantagens  e  prejuízos  da  criação  de palavras”  (PÁDUA,  in  COUTINHO:  1979:  216).  O  pesquisador  elenca  um  conjunto  de classes gramaticais criadas pelo poeta sem mencionar realmente o valor expressivo de tais criações. O levantamento impede uma síntese, porque, deslocados dos poemas, muitos versos e palavras perdem o espírito que os anima e permitiria recolher um significado de totalidade.

O estilo aí compreendido como técnica trata do processo de criação, mas não dos resultados que esse processo nos dá.

Esse ponto é importante, porque parto dele para voltar ao livro de Maria Helena Camargo Regis. Distanciados no tempo por três décadas e partindo de pressupostos teóricos diferentes, a análise empreendida em Linguagem e Versificação em Broquéis também acaba por  focar  muito  os  processos  de  criação,  os  mecanismos  e  técnicas  que  permitem  o “virtuosismo expressivo” de Cruz e Sousa.

Outros tempos, porém, revelam um olhar talvez mais refinado. O primeiro indício disso já  fica  evidente  pelo  recorte  que  a  autora  faz  e  pela  delimitação  dos  pressupostos teóricos que assume desde o início. Alinha-se ao Formalismo Russo e demonstra ser uma estudiosa da linguagem poética nos seus diversos níveis (fonético, morfológico, sintático, semântico). Não pretende ver o “estilo” de Cruz e Sousa através de enumerações retiradas de diferentes obras, mas reflete sobre a linguagem em um só livro: Broquéis.

Assim, embora isole versos, sons ou palavras, tem em mente o poema, quer perscrutá-lo de modo a evidenciar os significados que o processo de criação teria deixado ocultos. Como afirma Alfredo Bosi (2007), no texto citado mais acima, o formalismo entra nos estudos literários como moda e repercute criando certos artificialismos na leitura da poesia.

No entanto, o movimento no interior do próprio Formalismo, tendo como centro a figura de Roman Jakobson, consegue criar instrumentos na leitura analítica, que a enriquecem. Desse modo, Regis, além das referências múltiplas a Jakobson, também se refere, por exemplo,  a  Chklovski,  cuja  apreensão  por  Bosi  parece  ser  fecunda. Vale  a  pena  citar  a compreensão de Chklovski por Bosi, para que possamos depois verificar em que sentido essa compreensão também teve Regis ao analisar os poemas de Broquéis.

Cito,  a  propósito,  a  controvertida  definição  de  Chklovski  de  arte  como procedimento. Tomada em abstrato, é um lema ultraformalista e, como tal, serve de escudo a jogos maneiristas. No entanto, vista no seu contexto, essa fórmula abre-se para  o  projeto  maior  de  aproximar  linguagem  poética  e  percepção  original  de pessoas e objetos. (…) O novo em poesia não é efeito de arranjos cerebrinos de fonemas ou de palavras: arranjos que, com graça e propriedade, os italianos chamam de freddure, frioleiras, dada a baixa temperatura poética que os ditou. Ao contrário, o novo depende de uma ingenuidade radical do olhar e do sentir que atenta para a coisa e a diz como se o fizesse pela primeira vez. Ingenuidade no sentido que lhe atribui Schiller no extraordinário A poesia ingênua e sentimental. Só o poeta ingênuo é gênio, afirmava Schiller, e, enquanto gênio, capaz de criar novos procedimentos de expressão. (BOSI: 2007: 30)

Veremos que a autora, ao longo da terceira parte de seu livro, “Leitura de alguns poemas”, oscila entre observar os “arranjos cerebrinos de fonemas ou de palavras” e captar “novos procedimentos de expressão”. Na base dessa oscilação, há, como me referi antes, a intenção de revelar o processo de criação. Não como Pádua, preocupado com o “estilo do autor”, mas vinculado a esse pressuposto teórico da arte como procedimento, da arte como técnica de montagem, como quando se refere às reflexões de Serguei Eisenstein. Arte que cria sentido, que se vincula a estéticas preexistentes, que organiza uma visão do mundo, como ela salienta na conclusão do livro.

Observemos  algumas  de  suas  análises  que,  posteriormente,  devem  servir  também como ponto de partida para escolhas que farei na análise de poemas da obra.


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Fonte:
Douglas Ferreira de Paula: “Mescla estilística e ambiguidade em Broquéis de Cruz e Sousa”.Dissertação  apresentada  ao  Programa  de  Pós-Graduação em Literatura Brasileira do Departamento de Letras, Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia,  Letras  e  Ciências  Humanas  da Universidade  de  São  Paulo  como  requisito  para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Jefferson Agostini Mello). São Paulo, 2013. Disponível em: www.teses.usp.br

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