Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o
site do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à
esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
Sílvio Romero: crítico e historiador da literatura
A obra de Sílvio Romero dá uma
certa idéia de turbilhão, no sentido próprio e no figurado. Um movimento forte
e agitado, que arrasta idéias e paixões, destruindo pelo caminho; um movimento
circular que gira incessantemente sobre si mesmo e progride, parecendo
permanecer. Não espanta, portanto, que bem cedo ele tenha parecido aos contemporâneos
contraditório, impaciente, injusto, mais apto para a generalização do que para
a análise. Alguns juízos a este respeito se fixaram com rapidez no tempo dele e
vieram sendo repetidos quase como um ritual crítico pelos que se ocuparam da
sua obra, e foram muitos, desde Antônio Herculano de Souza Bandeira, em 1879,
passando por Araripe Júnior, José Veríssimo, Oliveira Lima, Capistrano de
Abreu, Magalhães de Azeredo, até chegar à arraia bastante miúda dos Laudelino
Freire e Fran Paxeco.
Todos tinham e não tinham razão.
Ele foi incoerente em muita coisa, a começar pelo grande contraste que parece
ter havido entre o seu ameno modo de ser como homem e a sua truculência como
escritor. O testemunho dos contemporâneos mostra uma pessoa bonacheirona, de
excelente humor, desinteressado, generoso, comunicativo; mas que de pena em
punho preferia atacar, desfazer em tudo que o contrariasse, manifestando um ciúme
que roçava pela inveja, uma vaidade que tocava na soberba, uma suscetibilidade vizinha
da paranóia. No campo das idéias e convicções, não é difícil mostrar que
primeiro foi positivista e depois atacou desabridamente o positivismo; que na
política de Sergipe desancou um lado e depois se ligou a ele; que considerou
Luís Delfino um poetastro e, em seguida, um dos maiores poetas brasileiros; que
proclamou Capistrano de Abreu o maior sabedor de História do Brasil e, mais
tarde, um medíocre catador de minúcias; que era evolucionista agnóstico e
afinal aderiu à Escola da Ciência Social, de raízes católicas, e assim por
diante. Não é difícil, ainda, mostrar como fazia e refazia as suas divisões de períodos,
os seus catálogos de bons e maus escritores, com a mania classificatória e enumerativa
que era um dos seus modos de ver a literatura. Mas a respeito, ele próprio diz
o seguinte:
“(...) aí andam os meus livros,
publicados no decurso de mais de trinta anos e que devem ser lidos na sua ordem
cronológica para se compreender a evolução natural do meu pensamento, que, em
filosofia, mudou do positivismo para o evolucionismo spencerista, chamado
também por alguns agnosticismo evolucionista, pelo caminho natural do
criticismo de Nageli, Du-Bois Reymond e Helmholtz, como tenho cem vezes exposto
com a maior lhaneza; que no tocante ao rigorismo da análise, como tenho dito,
passou do pessimismo da fase polemística dos primeiros tempos ao período de
maturidade crítica iniciado na História da Literatura Brasileira, o que só para
quem anda de má-fé, ou nada entende destas coisas, importa em contradição,
porque a contradição supõe o choque de dois pensamentos contraditórios num
mesmo tempo, ao passo que tudo aquilo vem a ser apenas a normal evolução de um
espírito que caminhou, que progrediu.
Por outro lado, seria igualmente
fácil mostrar que, no fundo, teve poucas idéias
centrais e lhes foi fiel pela
vida afora, - como indicou José Veríssimo, vendo a coisa pelo lado negativo. Que
fixou desde moço, com bastante acuidade, algumas obsessões intelectuais que
nunca o deixaram. E que até no terreno passional das preferências foi inalteravelmente
fiel às duas principais: a tocante, mas despropositada exaltação de Tobias Barreto
e a birra obtusa contra Machado de Assis.
Virando contra ele o que
costumava fazer com os outros, pode-se, portanto, simplesmente aceitá-lo ou
rejeitá-lo em bloco, porque ele tanto irrita quanto desperta admiração: chama a
atenção tanto para o que tem de bom quanto para o que tem de mau. Mas atitude
correta é não ir na provocação do seu temperamento polêmico; não querer, por exemplo,
reduzi-lo às suas contradições nem proclamar a sua perfeita umidade; e sim procurar
compreender o seu ritmo de turbilhão.
Na verdade, a contradição era o
seu modo próprio de viver o pensamento, tanto
assim que, em vez de paralisá-lo
ou fazê-lo voltar atrás, ela o fazia ir para a frente. As suas idéias não se
propunham como desenvolvimento linear e conseqüente, mas como vaivém, retomada
incessante, tensão de opostos, visão simultânea do verso e do reverso, - o que pode
ferir exigências lógica mas enriquece o senso da realidade. Sob este aspecto,
havia algo dialético no jogo das suas idéias e opiniões, que, se não chegavam a
uma síntese satisfatória, permitiam sempre alguma conclusão interessante,
graças ao entrechoque por vezes antinômico mas vivo das proposições, jogadas
como pedras.
Se disso vem a sua fraqueza, vem
também muito da sua força. Mas é compreensível que os contemporâneos se
assustassem com o espetáculo dessa agitação turbilhonar e lhe pedissem contas
das idas e vindas, - sobretudo quando eram objeto do impacto. Hoje, é possível
sentir quanto podia ser vivo e produtivo esse modo intelectual, porque a seu respeito
pode-se falar realmente em movimento de idéias. Movimento de algumas idéias centrais
de teor altamente crítico e contundente, reforçadas pela disposição agressiva
do seu temperamento. A palavra “ crítica” tinha para ele não apenas um sentido
amplo de análise e revisão geral dos valores de toda a cultura, mas também,
quase inconscientemente, de força negativa, como se percebe em alguns textos; o
de Doutrina contra Doutrina, por exemplo, transcrito adiante, onde se vê
claramente, e quase por um ato de automatismo mental, “positivo” se opor a
crítico, tomado este, portanto, como “negativo”.
Assim, para ele, o movimento de
analisar, compreender e construir não se separava de um movimento simultâneo de
destruir; e essa dualidade indissolúvel dá certo cunho revolucionário ao seu
pensamento, mesmo quando surgem pela frente as antinomias conservadoras, que
também compunham o movimento de ir-e-vir do seu turbilhão.
[...]
---
Fonte:
Fonte:
Antonio Cândido: Sílvio Romero: Crítico
E Historiador da Literatura. In: Sílvio Romero (1851/1914) - Bibliografia e
Estudos Críticos. Centro de Documentação Do Pensamento Brasileiro. Salvador,
1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário