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Poema em prosa
Para Suzanne Bernard (1959), em seu livro Le
Poème en Prose, o poema
em prosa “[...] é um gênero de poesia particular, que se utiliza da prosa
ritmada para fins estritamente poéticos e que lhe impõe uma estrutura e uma
organização de conjunto, cujas leis devemos descobrir: leis não somente
formais, mas profundas, orgânicas, como em todo gênero artístico verdadeiro. Trata-se de
um gênero distinto: não um
híbrido a meio caminho entre prosa e verso”. Massaud Moisés (2001), inicialmente,
não concorda em classificar o poema em prosa como gênero, pois, segundo ele, somente a
prosa e a poesia, individualmente, assim poderiam ser definidas. Discorda, também, da afirmação
de Suzanne Bernard de que o poema em prosa “não se trata de um híbrido a meio
caminho entre prosa e verso”, pois, segundo ele, “se substituíssemos a palavra verso por poesia, a afirmação claudicaria”, perdendo sua linha de sustentação teórica.
Ao se falar em poema em prosa, está-se dizendo que determinada
obra possui a “forma” de um poema (com poesia, lirismo), manifestado na
formatação do “gênero” em prosa (texto corrido, demarcado por
parágrafos). Por essa razão, Moisés (2001: p.349) clarifica que o poema em
prosa se tornou de uso corrente no Simbolismo brasileiro, dado o caráter substancialmente poético desse
movimento literário.
O poema
em prosa brasileiro, segundo Moisés (p.351), segue os moldes iniciados pelo
francês Aloysius Bertrand, em 1842.
A ele, portanto, é atribuída a paternidade do poema em
prosa. Bertrand, por sua vez, era considerado mestre de Charles Baudelaire.
Seguindo a linha do seu tutor literário, Baudelaire publica suas primeiras composições na modalidade poema
em prosa a partir de 1853. No Brasil, Raul Pompéia foi quem ousou escrever os
primeiros textos em poema em prosa, a partir de 1883, mas foi pelas mãos dos
simbolistas, mais especificamente Cruz e Sousa, que o poema em prosa ganhou notoriedade, ainda na segunda
metade do século XIX. Em solo nacional, o poema em prosa traz em si uma verve
revolucionária, contrariando estilos da época e acentuando o poder de persuasão
do discurso.
Não se
precisa ir tão longe para teorizar e exemplificar o poema em prosa. Basta
recorrer ao próprio Cruz e Sousa que, valendo-se de uma didática exemplar (e
intertextual), descreve suas impressões acerca dessa modalidade de expressão
literária por meio do texto “Intuições", também em poema em
prosa:
Quanto à prosa, para ligar um fio de palestra que já há dias
tivemos e que agora correlaciona-se a estes assuntos, dir-te-ei que a prosa não é
qualidade excepcional dos prosadores exclusivos. Para um espírito complexo de
Arte, para o verdadeiro Clarividente, para o Poeta, na grande acepção de
sensibilidade desse vocábulo, prosa e verso são teclas, órgãos diferentes onde ele
fere as suas Idéias e Sonhos. Prosa e verso são simples instrumentos de
transmissão do Pensamento. E, quanto a mim, se me fosse dado organizar, criar
uma nova forma para essa transmissão, certo de que o teria feito, a fim de dar
ainda mais ductibilidade e amplidão ao meu Sonho. Nem prosa nem verso! Outra
manifestação, se possível fosse. Uma Força, um Poder, uma luz, outro Aroma, outra
Magia, outro Movimento capaz de veicular e fazer viver e sentir e chorar e rir
e cantar e eternizar
tudo o que ondeia e turbilhona em vertigens na alma de um artista definitivo,
absoluto.
A prosa não pode ser sempre de caráter imutável, impassível diante
da flexibilidade nervosa, da aspiração ascendente, da volubilidade irrequieta do
Sentimento humano.
Não há hoje, nesta Hora alta e suprema dos tempos, fórmulas
preestabelecidas e constituídas em códigos para a estrutura da prosa, principalmente
quando ela é feita por uma sensibilidade doentia e extrema. Há tantas maneiras de fazer
cantar a prosa, de a fazer viver, radiar, florir e sangrar, quantas sejam as
diversidades dos temperamentos reais e eleitos.
É um caquetismo intelectual ou cavilosidade dos que só produzem
verso e dos que só produzem prosa, não perceberem que determinado artista se
manifesta igualmente no verso e na prosa, especialmente quando nessa prosa ele consegue
traduzir, comunicar com clareza, com profundidade, a sua estesia, a sua
idiossincrasia, os seus êxtases, as suas ansiedades íntimas. Pouco importa que essa
prosa não guarde regularidades de preceitos, de dogmas, de convenções, que embora
partindo às vezes de cérebros até certo ponto livres, são ainda, de certo modo,
por certas causas, convenções puras. O que importa é que o artista consiga dizer
imperturbavelmente, com a sinceridade dos seus nervos e da sua visão, o que de mais
delicado e elevado experimenta (p.585-586).
Para Cruz
e Sousa, o artista pode buscar novas formas de se expressar, podendo ser em prosa, em
poesia, as duas ao mesmo tempo, ou nem prosa e nem poesia, dependendo do “espírito
complexo da Arte” impregnado na alma do artista, o que é responsável por
proporcionar “outro Aroma, outra Magia, outro Movimento” à produção artística.
Conforme ele, o prosador não precisa ser um exclusivo criador em prosa;
tampouco o poeta, de poesia. Ambos, independentemente da marca, ocupam-se em transmitir um pensamento, um estado de
alma, à revelia da forma como o texto é distribuído na folha de papel. Cruz e
Sousa deseja ir além da palavra e da forma. Sua arte de prosador e de poeta extrapola a
escrita e os aspectos perceptíveis à luz da razão. Tudo é força e poder. Tudo é mágico e carrega
essências exóticas.
Conforme Suzanne Bernard, existem
duas características primordiais para a existência do “poema em prosa”:
brevidade e gratuidade, esta última utilizada no sentido de espontaneidade, de
naturalidade. Segundo Amaral, esses
pré-requisitos foram
atendidos por Cruz e Sousa em Missal, pois os textos são relativamente
curtos, de duas a três páginas. No entanto, como à época a tendência à narração
e à discussão
de problemas estéticos ganhava mais e mais fôlego, essa amplitude discursiva é
acentuada em Evocações, transformando cada
texto em pequenos ensaios
estéticos, como é o caso de “Emparedado”, escapando às características propostas
por Suzanne Bernard.
Sobre o assunto, a posição defendida nesta pesquisa está alinhada ao
pensamento de Pires (2002, p.367-380), descrito em sua pesquisa Pela volúpia do Vago: O Simbolismo – O poema em prosa nas
literaturas portuguesa e brasileira. Conforme ele, ainda não há consenso entre os
estudiosos acerca do valor dos poemas em prosa de Cruz e Sousa, os quais são “mal assimilados e
incompreendidos pela crítica”. Salienta que, “[...] no geral, há certo descaso – e
falta de subsídios crítico-teóricos – em relação à poesia em prosa de Cruz e
Sousa, vista negativamente como narrativa falhada. Assim, verifica-se que continua em aberto a
necessidade de uma análise mais acurada dos poemas em prosa do autor”.
Em sua
tese, Pires (2002) reúne o posicionamento de alguns críticos sobre o assunto. De um
lado, dentre os que consideram o poema em prosa de Cruz e Sousa menor do que sua poesia estão
Sílvio Romero, José Veríssimo, Ronald de Carvalho, Raimundo Magalhães Júnior, Gama Rosa,
Alfredo Bosi, dentre outros. Ronald de Carvalho (1922, p.379), na Pequena história da literatura brasileira, diz que “A prosa de
ficção dos simbolistas, de que Missal e as Evocações, de Cruz e Sousa, dão
bem a medida, é despicienda e de valor duvidoso.” (apud Pires, p.369). Wilson Martins, por sua vez, em Pontos de vista (1962), afirma que “O prosador, em Cruz e Sousa, é, com grande
freqüência, medíocre e menos que medíocre (inclusive em Missal): nele, também, o nosso poema em prosa e a nossa prosa
poética não atingiram
culminâncias sensacionais.” (apud Pires, p.370).
Em contrapartida, nomes como Massaud Moisés, Sonia Brayner, Terezinha Tagé, Tristão de Athayde, Ivan
Teixeira, Sílvio Castro vêem o poema em prosa de Cruz e Sousa como algo
original, típico de quem inventa o seu próprio canto a partir da desconstrução
das formas tradicionais, à revelia das normas literárias rígidas. Nestor Vítor,
por sua vez, procura agir de forma isenta, avaliando tanto o valor da poesia
como do poema em prosa, sem esconder sua preferência pela poesia em versos do Poeta Negro,
destaca Pires. A estudiosa Sonia Brayner, em Labirinto do espaço romanesco (1979, p.238-239), ao
se referir às obras Missal e Evocações, de Cruz e Sousa, diz
que “Seus poemas em prosa são movimentos de re-flexão sobre a negatividade da situação de ‘emparedado’,
distanciado para sempre de uma possível unidade com o mundo. A ironia trágica
que lhe exaspera a voz poética encontra na construção mais flexível do poema em
prosa campo para a violência de sua inspiração torturada. [...] Esta narratividade
essencial que tenta captar a linguagem do sonho, da memória e da experiência
corresponde a uma fala subjetiva sem esquemas preestabelecidos
a criar sua própria modulação. [...] Um clima de superexcitação nervosa, de alucinação, de onirismo
invade os poemas em prosa de Cruz e Sousa.
[...]”.
A título de conclusão, sentencia: “Nenhuma obra soube tão bem traduzir para a literatura brasileira do final do século
XIX o avançado estágio da luta interior que se [travava] na procura de expressão do homem
moderno”.
(apud Pires, p.371) [negrito meu]
---
Fonte:
Fonte:
Volnei José
Righi: “O poeta
emparedado: tragédia social em Cruz e Sousa”. (Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
do Departamento de Teoria Literária e Literaturas da Universidade de Brasília –
UnB, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em
Literatura Brasileira, sob orientação da Profª Drª Sylvia Helena Cyntrão). Brasília, 2006. Disponível em: http://repositorio.unb.br/
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