15/03/2014

Poemas de Luís Delfino

 Poemas de Luís Delfino
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Luiz Delfino dos Santos: um poeta digno de atenção
Não é a palavra fácil
que procuro.
Nem a difícil sentença,
aquela da morte,
a da fértil e definitiva solitude.
A que antecede este caminho
[sempre de repente.
Onde me esgueiro, me soletro,
em fantasias de pássaro,
[homem, serpente.
( Lindolf Bell)

Luiz Delfino, considerado por Luciana Stegagno-Picchio como “o camaleão das letras brasileiras” no período parnasiano,  trazia sangue forte e aventureiro, herdado do pai, Tomás dos Santos Ferreira Lobo, que era natural de Alcobaça, filho único do primeiro casamento de uma senhora, cujo segundo marido, de gênio violento e intolerante, transformou a vida do enteado em um autêntico inferno. Aos quinze anos, o adolescente Tomás, ao presenciar uma briga entre a mãe e o padrasto, avançou sobre este. Pedindo-lhe depois a mãe que se afastasse de tais situações e, sentindo-se já homem, deixou para sempre a casa materna. Aos dezesseis anos, tendo já casa montada, mulher e filha, providenciou dinheiro e víveres para sustentá-las por três anos e partiu para aventura nas Índias, vivendo longos anos pela Ásia e África. De volta a Portugal, não encontrou mais vestígios da mulher e filha, ambas haviam desaparecido e ninguém conhecia-lhes o destino. Além disso, o país vivia uma crise sem precedentes. Desde a fuga de D. João VI para o Brasil, a antiga metrópole descera de fato à posição de colônia. A nação degringolava, em plena bancarrota. A indústria estava paralisada, o comércio à beira da falência. A comida escasseava. Não havia dinheiro ao menos para se pagar as tropas e o funcionalismo.

Tomás permaneceu alguns anos ainda em Portugal; no entanto, como as perspectivas eram cada vez piores, decidiu viajar para o Brasil. Desembarcou no Amazonas, onde enfrentou perseguição, pois na época, devido à Independência do Brasil, os brasileiros odiavam os portugueses. E certo dia tendo-se desentendido com um brasileiro, foi perseguido e surrado com rijas bastonadas,cujas cicatrizes permaneceram durante toda a vida. Ao livrar-se dos perseguidores, conseguiu chegar à beira do rio, de onde zarpava uma canoa, conduzida por negros; saltou, então, para dentro dela e, sacando o revólver, obrigou os negros a remarem até uma fazenda, cujo dono estava ausente. Vivendo lá vários anos, entre o “prazer da Sra. Fazendeira e o rancor dos negros escravos”, fez a fazenda prosperar como nunca. Um dia, porém, carta do esposo anunciou sua volta à fazenda, e Tomás teve de fugir.  

Atravessando o Brasil, veio a Santa Catarina. Aproximando-se já dos sessenta anos, bem vividos e aventureiros, decidiu estabelecer-se com negócio de “ chá, cereais, cera e rapé” na rua Augusta, hoje João Pinto, em Desterro(atualmente Florianópolis), capital da Província. Adquiriu bom conceito, cercou-se de amigos, freqüentava as famílias da cidade. Para estabilizar a vida, pediu moça em casamento, porém logo desistiu, vendo-a de meias rotas.

Pouco depois, em visita a D. Laureana, viúva com três filhas em casa, dirigiu-se à mais moça: “Ouvi dizer, D. Delfina, que estava para casar”. Ao obter resposta afirmativa e certificado de não haver compromisso nesse sentido, Tomás emendou diretamente: “Quererá a Sra. casar comigo?”. A resposta veio sem devaneios: “ Se a mãezinha consentir...” O ajuste se completou na hora, marcando-se o casamento dentro de oito dias. E assim, Tomás dos Santos Ferreira Lobo, de 60 anos, casou com Delfina Victorina dos Santos, de 18 anos.

 Sua vitalidade foi tamanha que tiveram dez filhos: Luiz, Tomás, Antônio, Paulo, Agostinho, José, seis varões sucessivos, até nascer a primeira filha, Filomena. Observe-se que, na Certidão de Batismo consta o nome Luís, porém, como sua assinatura em vida foi sempre Luiz, prefere-se manter essa grafia com z, também seguida por Ubiratan Machado, seu biógrafo fundamental, em seu livro sobre a vida de Luiz Delfino, cujos dados estão aqui sintetizados, juntamente com algumas informações retiradas dos textos de Lauro Junkes, organizador da Poesia Completa do poeta e orientador deste trabalho que aqui apresento, “Luiz Delfino: esboço biográfico” e “A Poética de Luiz Delfino”

Luiz, o primogênito, nasceu a 25 de agosto de 1834, na Rua Augusta, de família católica, recebendo o nome do santo do dia, São Luís, rei da França, ao ser batizado, no dia 21 de outubro, na Matriz Nossa Senhora do Desterro. Naquele momento, o pai abandonou definitivamente seu sobrenome Ferreira Lobo, assinando-se simplesmente Tomás dos Santos. E o filho chamou-se Luiz dos Santos. Era de saúde débil, nos primeiros meses. Cresceu na liberdade de criança, pés descalços e travessuras, muito cercado pela natureza e, como qualquer menino do Brasil patriarcal e escravocrata, cuidado por diversas amas e escravos: Ana, Teresa e Pai João, pessoas dóceis e resignadas em sua condição servil e que serão personagens de algumas de suas poesias encontradas na seção “Domésticas” de Íntimas e Aspásias.

As primeiras histórias que lhe exaltaram a fantasia foram ouvidas da boca da escrava Ana, que era uma velha africana, meio dada a evocações de espíritos, contadora de histórias. Seus contos maravilhosos marcaram fundo a imaginação do menino. Talvez, diz Ubiratan Machado, “seja ela quem tenha lhe despertado a imaginação para aquele panteísmo delirante que eclodiria na maturidade do poeta.”

Com seis anos, foi matriculado no Colégio dos Jesuítas, quando seu nome foi acrescido de Delfino, em homenagem à mãe Delfina. Os jesuítas mantinham seu ensino caracterizado por disciplina rígida, obediência e profundas noções religiosas, além de acentuarem o estudo do latim. Promoviam muita leitura da Bíblia. Essa fase de estudo imprime marcas no adolescente, que caracterizarão mais tarde seu poema, conforme veremos no segundo capítulo desta tese, dedicado aos poemas relacionados ao misticismo. As noções religiosas permanecerão na mente do poeta e se desdobrarão, em 1858, no maçônico espírito racionalista, em constantes inquietações metafísicas, também cantadas em seus versos.

A Bíblia, além do fundamento religioso, contribui para despertar toda uma iniciação ao exótico oriente; os estudos de latim lhe abriram acesso à poética clássica de Horácio, Ovídio e Virgílio, de quem extrairá inúmeras epígrafes para seus poemas, além de colocá-los também como personagens de alguns de seus poemas, como em “Que Diria Beatriz?”, em que o eu-poético diz que no seio de Beatriz está o paraíso e que seu olhar deixava Dante aflito, mas “Ela, que tinha tanto amor no peito,/Gozar não pôde nunca o amor do eleito,/O riso e o olhar de Beatriz diria!...”; em “Ovídio”, onde o eu-poético fala da tristeza desse poeta em seu exílio, dizendo que “Na dor, que em ti pranteia, alvora um hino;/Fulge a lágrima dele em cílio e cílio;/ Cantar, sofrer, ser deus, foi teu destino”, entre outros.

Mas não seriam os poetas latinos que desencadeariam no rapazinho a eclosão do poeta. O desejo de fazer versos surgiria apenas aos 14 anos. Como era hábito à época, Luiz Delfino costumava encher os longos serões lendo em voz alta, para a família, alguma página das Peregrinações, de Fernão Mendes Pinto, decidindo que um dia também seria poeta. O desejo da família era destiná-lo ao sacerdócio, mas a maneira de agir do adolescente, seus cuidados para consigo e seus apaixonantes namoricos afastaram logo tal idéia.

É provável que por essa época já se inteirasse da novidade romântica, velha novidade, que vinha contagiando o país. Como movimento literário, o romantismo custaria a chegar a Desterro. Os raros intelectuais da terra eram conservadores e seguiam a velha escola, indiferentes e superiores à renovação. Mas apesar da cultura ser restrita e tradicional, o estudante deve ter conhecido e lido alguns escritores franceses em voga: Brizeux, Cazotte, Millevoye, anões que pareciam gigantes aos contemporâneos, citados em epígrafes de seus poemas de juventude. E, naturalmente Lamartine, que lhe modelou o lirismo até a descoberta reveladora e revolucionária de Victor Hugo, homenageado por Delfino nos poemas que compõem a seção “Hugoana”, de Íntimas e Aspásias, como o poema “João Valjean e Deus”, em que o primeiro é personagem da obra hugoana Os Miseráveis. Além de cantar Camões na seção “Camoneana” de    Algas e Musgos, a exemplo do poema “A Luís de Camões”, onde o eu-poético diz ser Camões um rei maior que os reis das nações que cantara, pede que o inspire: “Daí-me o vosso rumor, indiânicos mares,/ Vosso aroma e verdor, matas orientais,/ Vossa voz, ó leões, vossa sombra, ó palmares,/ Ó céus, o vosso azul, e os sóis com que inda o festejais”

Em fins de 1850, alimentando aspirações maiores, pois a literatura ampliava-lhe a visão de mundo, o pai levou a ele e seu irmão Antônio ao Rio de Janeiro. Desterro se tornava muito pequeno para os anseios do rapaz. Necessitava estudar, aprimorar-se, longe da acanhada vida provinciana. Sente-se poeta acima de qualquer coisa, mas a vocação médica também é forte. A viagem foi de navio, fazendo o adolescente impressionar-se com a imensidão do mar, sob o céu infinito, em contraste com a pequenez humana.

 Ao entrar na Baía da Guanabara, experimentou a agitação buliçosa da Sociedade da Corte, cidade com cerca de 270 000 habitantes. Hospedam-se na casa do melhor amigo do pai e seu correspondente comercial, Luiz Antônio Alves de Carvalho, comerciante liberal e hospitaleiro, com destacado armazém na Praia dos Mineiros. Nessa casa os dois irmãos estabeleceram morada por oito anos, sem nada pagar, tratados como filhos junto aos cinco filhos do casal.

Luiz Delfino concluiu o curso de Humanidades na prestigiada casa de ensino particular, Colégio Vitório. As preocupações com os estudos fizeram com que o rapaz se adaptasse bem na nova morada, mas conservou profundas saudades da casa paterna e da cidade natal. Logo passa a escrever poemas, evocando sua Desterro em “Saudade” de Rosas Negras, que mostra-nos um eu-poético saudoso de sua terra natal, como nos versos: “Ilha gentil do sul, filha misteriosa/ De uma verde Anfitrite e voluptuoso poeta,/ Que ampla saudade morde aqui minha alma inquieta,/ Terra, em que o sol à fronte abre como uma rosa”.


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Fonte:
Renata Lopes Pedro: “A imortalidade de Helena: O corpo na lírica de Luiz Delfino”. (Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Teoria Literária, Curso de Pós-graduação em Literatura, Universidade  Federal       de      Santa Catarina. Orientador: Prof. Dr. Lauro Junkes). Florianópolis, 2008.

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