Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o
site do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à
esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
---
Luiz
Delfino dos Santos: um poeta digno de atenção
Não
é a palavra fácil
que
procuro.
Nem
a difícil sentença,
aquela
da morte,
a da
fértil e definitiva solitude.
A
que antecede este caminho
[sempre
de repente.
Onde
me esgueiro, me soletro,
em
fantasias de pássaro,
[homem,
serpente.
(
Lindolf Bell)
Luiz
Delfino, considerado por Luciana Stegagno-Picchio como “o camaleão das letras
brasileiras” no período parnasiano, trazia sangue forte e aventureiro, herdado do
pai, Tomás dos Santos Ferreira Lobo, que era natural de Alcobaça, filho único do
primeiro casamento de uma senhora, cujo segundo marido, de gênio violento e
intolerante, transformou a vida do enteado em um autêntico inferno. Aos quinze
anos, o adolescente Tomás, ao presenciar uma briga entre a mãe e o padrasto,
avançou sobre este. Pedindo-lhe depois a mãe que se afastasse de tais situações
e, sentindo-se já homem, deixou para sempre a casa materna. Aos dezesseis anos,
tendo já casa montada, mulher e filha, providenciou dinheiro e víveres para
sustentá-las por três anos e partiu para aventura nas Índias, vivendo longos anos pela Ásia e África. De
volta a Portugal, não encontrou mais vestígios da mulher e filha, ambas haviam
desaparecido e ninguém conhecia-lhes o destino. Além disso, o país vivia uma crise sem
precedentes. Desde a fuga de D. João VI para o Brasil, a antiga metrópole
descera de fato à posição de colônia. A nação degringolava, em plena bancarrota.
A indústria estava paralisada, o comércio à beira da falência. A comida
escasseava. Não havia dinheiro ao menos para se pagar as tropas e o funcionalismo.
Tomás permaneceu alguns anos ainda em Portugal; no entanto, como as
perspectivas eram cada vez piores, decidiu viajar para o Brasil. Desembarcou no
Amazonas, onde enfrentou perseguição, pois na época, devido à Independência do
Brasil, os brasileiros odiavam os portugueses. E certo dia tendo-se
desentendido com um brasileiro, foi perseguido e surrado com rijas
bastonadas,cujas cicatrizes permaneceram durante toda a vida. Ao livrar-se dos
perseguidores, conseguiu chegar à beira do rio, de onde zarpava uma canoa,
conduzida por negros; saltou, então, para dentro dela e, sacando o revólver,
obrigou os negros a remarem até uma fazenda, cujo dono estava ausente. Vivendo
lá vários anos, entre o “prazer da Sra. Fazendeira e o rancor dos negros escravos”, fez a fazenda
prosperar como nunca. Um dia, porém, carta do esposo anunciou sua volta à fazenda,
e Tomás teve de fugir.
Atravessando o Brasil, veio a Santa Catarina. Aproximando-se já
dos sessenta anos, bem
vividos e aventureiros, decidiu estabelecer-se com negócio de “ chá, cereais,
cera e rapé” na rua Augusta, hoje João Pinto, em Desterro(atualmente
Florianópolis), capital da Província. Adquiriu bom conceito, cercou-se de
amigos, freqüentava as famílias da cidade. Para estabilizar a vida, pediu moça
em casamento, porém logo desistiu, vendo-a de meias rotas.
Pouco
depois, em visita a D. Laureana, viúva com três filhas em casa, dirigiu-se à
mais moça: “Ouvi dizer, D. Delfina, que estava para casar”. Ao obter resposta afirmativa e
certificado de não haver compromisso nesse sentido, Tomás emendou diretamente: “Quererá a
Sra. casar comigo?”. A resposta veio sem devaneios: “ Se a mãezinha
consentir...” O ajuste se completou na hora, marcando-se o casamento dentro de
oito dias. E assim, Tomás dos Santos Ferreira Lobo, de 60 anos, casou com
Delfina Victorina dos Santos, de 18 anos.
Sua vitalidade foi tamanha que tiveram dez
filhos: Luiz, Tomás, Antônio, Paulo, Agostinho, José, seis varões sucessivos,
até nascer a primeira filha, Filomena. Observe-se que, na Certidão de Batismo
consta o nome Luís, porém, como sua assinatura em vida foi sempre Luiz,
prefere-se manter essa grafia com z, também seguida por Ubiratan Machado, seu
biógrafo fundamental, em seu livro sobre a vida de Luiz Delfino, cujos
dados estão aqui sintetizados, juntamente com algumas informações retiradas dos
textos de Lauro Junkes, organizador da Poesia
Completa do poeta e
orientador deste trabalho que aqui apresento, “Luiz Delfino: esboço biográfico” e “A Poética de Luiz
Delfino”
Luiz, o
primogênito, nasceu a 25 de agosto de 1834, na Rua Augusta, de família
católica, recebendo o nome do santo do dia, São Luís, rei da França, ao ser
batizado, no dia 21 de outubro, na Matriz Nossa Senhora do Desterro. Naquele
momento, o pai abandonou definitivamente seu sobrenome Ferreira Lobo,
assinando-se simplesmente Tomás dos Santos. E o filho chamou-se Luiz dos
Santos. Era de saúde débil, nos primeiros meses. Cresceu na liberdade de criança, pés descalços e
travessuras, muito cercado pela natureza e, como qualquer menino do Brasil patriarcal e escravocrata, cuidado
por diversas amas e escravos: Ana, Teresa e Pai João, pessoas dóceis e
resignadas em sua condição servil e que serão personagens de algumas de suas
poesias encontradas na seção “Domésticas” de Íntimas
e Aspásias.
As
primeiras histórias que lhe exaltaram a fantasia foram ouvidas da boca da
escrava Ana, que era uma velha africana, meio dada a evocações de espíritos,
contadora de histórias. Seus contos maravilhosos marcaram fundo a imaginação do
menino. Talvez, diz Ubiratan Machado, “seja ela quem tenha lhe despertado a
imaginação para aquele panteísmo delirante que eclodiria na maturidade do
poeta.”
Com seis
anos, foi matriculado no Colégio dos Jesuítas, quando seu nome foi acrescido de
Delfino, em homenagem à mãe Delfina. Os jesuítas mantinham seu ensino
caracterizado por disciplina rígida, obediência e profundas noções religiosas,
além de acentuarem o estudo do latim. Promoviam muita leitura da Bíblia. Essa
fase de estudo imprime marcas no adolescente, que caracterizarão mais tarde seu
poema, conforme veremos no segundo capítulo desta tese, dedicado aos poemas
relacionados ao misticismo. As noções religiosas permanecerão na mente do poeta
e se desdobrarão, em 1858, no maçônico espírito racionalista, em constantes
inquietações metafísicas, também cantadas em seus versos.
A Bíblia,
além do fundamento religioso, contribui para despertar toda uma iniciação ao
exótico oriente; os estudos de latim lhe abriram acesso à poética clássica de
Horácio, Ovídio e Virgílio, de quem extrairá inúmeras epígrafes para seus
poemas, além de colocá-los também como personagens de alguns de seus poemas,
como em “Que Diria Beatriz?”, em que o eu-poético diz que no seio de Beatriz está o paraíso
e que seu olhar deixava Dante aflito, mas “Ela, que tinha tanto amor no
peito,/Gozar não pôde nunca o amor do eleito,/O riso e o olhar de Beatriz
diria!...”; em “Ovídio”, onde o eu-poético fala da tristeza desse poeta em seu
exílio, dizendo que “Na dor, que em ti pranteia, alvora um hino;/Fulge a
lágrima dele em cílio e cílio;/ Cantar, sofrer, ser deus, foi teu destino”, entre
outros.
Mas não
seriam os poetas latinos que desencadeariam no rapazinho a eclosão do poeta. O
desejo de fazer versos surgiria apenas aos 14 anos. Como era hábito à época, Luiz
Delfino costumava encher os longos serões lendo em voz alta, para a família, alguma página
das Peregrinações, de Fernão Mendes Pinto, decidindo que um
dia também seria poeta. O desejo da família era destiná-lo ao sacerdócio, mas a
maneira de agir do adolescente, seus cuidados para consigo e seus apaixonantes
namoricos afastaram logo tal idéia.
É provável que por essa época já se inteirasse da novidade
romântica, velha novidade,
que vinha contagiando o país. Como movimento literário, o romantismo custaria a
chegar a Desterro. Os raros intelectuais da terra eram conservadores e seguiam
a velha escola, indiferentes e superiores à renovação. Mas apesar da cultura
ser restrita e tradicional, o estudante deve ter conhecido e lido alguns
escritores franceses em voga: Brizeux, Cazotte, Millevoye, anões que pareciam
gigantes aos contemporâneos, citados em epígrafes de seus poemas de juventude. E,
naturalmente Lamartine, que lhe modelou o lirismo até a descoberta reveladora e
revolucionária de Victor Hugo, homenageado por Delfino nos poemas que compõem a
seção “Hugoana”, de Íntimas e Aspásias, como o poema “João Valjean e Deus”, em
que o primeiro é personagem da obra hugoana Os
Miseráveis. Além de
cantar Camões na seção “Camoneana” de Algas e Musgos, a exemplo do poema “A Luís de Camões”, onde o eu-poético diz ser
Camões um rei maior que os reis das nações que cantara, pede que o inspire: “Daí-me
o vosso rumor, indiânicos mares,/ Vosso aroma e verdor, matas orientais,/ Vossa
voz, ó leões, vossa sombra, ó palmares,/ Ó céus, o vosso azul, e os sóis com
que inda o festejais”
Em fins
de 1850, alimentando aspirações maiores, pois a literatura ampliava-lhe a visão
de mundo, o pai levou a ele e seu irmão Antônio ao Rio de Janeiro. Desterro se
tornava muito pequeno para os anseios do rapaz. Necessitava estudar,
aprimorar-se, longe da acanhada vida provinciana. Sente-se poeta acima de
qualquer coisa, mas a vocação médica também é forte. A viagem foi de navio,
fazendo o adolescente impressionar-se com a imensidão do mar, sob o céu
infinito, em contraste com a pequenez humana.
Ao entrar na Baía da Guanabara, experimentou a
agitação buliçosa da Sociedade da Corte, cidade com cerca de 270 000
habitantes. Hospedam-se na casa do melhor amigo do pai e seu correspondente
comercial, Luiz Antônio Alves de Carvalho, comerciante liberal e hospitaleiro,
com destacado armazém na Praia dos Mineiros. Nessa casa os dois irmãos
estabeleceram morada por oito anos, sem nada pagar, tratados como filhos junto
aos cinco filhos do casal.
Luiz Delfino concluiu o curso de Humanidades na prestigiada casa
de ensino particular, Colégio Vitório. As preocupações com os estudos fizeram com
que o rapaz se adaptasse bem na nova morada, mas conservou profundas saudades da casa paterna e da
cidade natal. Logo passa a escrever poemas, evocando sua Desterro em “Saudade”
de Rosas Negras, que mostra-nos um eu-poético saudoso de
sua terra natal, como nos versos: “Ilha gentil do sul, filha misteriosa/ De uma
verde Anfitrite e voluptuoso poeta,/ Que ampla saudade morde aqui minha alma
inquieta,/ Terra, em que o sol à fronte abre como uma rosa”.
---
Fonte:
Fonte:
Renata Lopes Pedro: “A imortalidade de Helena: O corpo na lírica de Luiz
Delfino”. (Tese
apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Teoria
Literária, Curso de Pós-graduação em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador:
Prof. Dr. Lauro Junkes). Florianópolis, 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário