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Euclides da Cunha: de engenheiro
e jornalista a grande escritor da nação
Nesse capítulo, será analisada a
popularização e a glorificação da figura e da obra euclidianas não somente a
partir da criação do Grêmio Euclides da Cunha do Rio de Janeiro, em 1911, mas a partir da própria publicação de “Os
Sertões”, em 1902, que recebeu críticas muito
favoráveis e transformou Euclides, de engenheiro e repórter praticamente
desconhecido, em grande expoente da
literatura nacional. Essas críticas tiveram um papel muito importante na
consolidação do nome de Euclides da Cunha.
Na verdade, a literatura sobre o
sertão não era exatamente uma novidade no momento em que foi publicado “Os Sertões”. Outros
escritores, como Coelho Netto e Artur Azevedo também tinham o sertão como o tema principal de suas
histórias. Esses escritores faziam parte de uma
corrente que, segundo Regina Abreu, era valorizada por estar associada à
autenticidade, pureza, sinceridade, ao contrário da literatura urbana,
associada à contaminação, ao engano e à
ilusão.
Desse modo, a busca pelo “cerne
da nacionalidade”, nas palavras do próprio Euclides, estava presente em outros
escritores, que viam a literatura urbana dessa época como excessivamente contaminada por influências
estrangeiras e pouco afeita a uma realidade
genuinamente nacional. Outro ponto importante a ser ressaltado diz
respeito, especificamente, ao tema da guerra de Canudos: esse foi um conflito
amplamente noticiado pelos jornais da
época, e, além de Euclides, outros repórteres foram enviados para fazer a cobertura
da guerra. Dentre eles, alguns também publicaram livros sobre o
acontecimento, como o major Barreto
Dantas, Manuel Benício e Olívio de Barros.
Mas nenhum desses escritores fez
tanto sucesso quanto Euclides da Cunha. Tamanho e tão repentino sucesso de um livro a respeito de
um tema até certo ponto ultrapassado, já que no momento em que “Os Sertões” foi
publicado, 1902, a
guerra já havia terminado há alguns anos, mereceu uma investigação mais apurada
de historiadores como Regina Abreu. Afinal, o
livro de Euclides da Cunha é considerado, mesmo nos dias atuais, um
livro de difícil leitura, em razão da quantidade de termos científicos que o
autor utiliza ao longo de seu texto. Considerando-se que a maior parte do
público leitor daquele período histórico não estava familiarizado com os
termos, conceitos e teorias utilizados por Euclides da Cunha, como o seu livro conseguiu atingir um índice de
vendas tão alto, já nos primeiros meses após a sua publicação? Por que, afinal, o livro de
Euclides da Cunha fez tanto sucesso já na época de seu lançamento?
Segundo Regina Abreu, uma das
explicações possíveis, ainda que não seja a única, pode estar relacionada à
aprovação do livro por parte de alguns dos grandes críticos literários da
época: José Veríssimo, Araripe Junior e Silvio Romero. Os três literatos, que
produziam importantes críticas sobre
novos e antigos escritores e seus livros em grandes jornais da época, foram unânimes na aprovação do livro
de Euclides. Mais do que isso: os três foram
unânimes na aprovação do caráter científico do livro, que talvez
diferenciasse a obra euclidiana da dos
outros autores que haviam escrito sobre a guerra de Canudos. A crítica dos literatos ao livro de Euclides deixa bem
clara a importância dada por eles ao caráter científico do livro. José Veríssimo, em 1902, escreveu
o seguinte:
O livro do Sr: Euclides da Cunha,
ao mesmo tempo um homem de ciência, um
geógrafo, um geólogo, em etnólogo; de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um historiador, e de
um homem de sentimento, um poeta, um
romancista, um artista, que sabe ver e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos da natureza como ao
contato do homem...
José Veríssimo, em sua análise
sobre o livro de Euclides, fez questão de dar destaque à formação intelectual
do autor. Veríssimo assinalou que o livro foi produzido por um homem de ciência, que era geógrafo, geólogo,
etnólogo, filósofo e historiador, entre outras
qualidades. Desse modo, para Veríssimo, por ser cientista além de
escritor, é como se a narrativa de
Euclides tivesse mais legitimidade do que as outras produzidas sobre esse
mesmo assunto. Sendo assim, apesar de a
guerra de Canudos já ter sido objeto de outros estudos e de uma extensa
cobertura jornalística para os padrões da época, o livro de Euclides da Cunha
não poderia ser ignorado, pois fornecia uma visão diferenciada, de um homem de
ciência, sobre aquele conflito ocorrido
nos sertões brasileiros. Não é de se espantar que José Veríssimo tenha dado importância ao caráter científico
do livro de Euclides da Cunha. Assim como
Silvio Romero, e embora tenha discordado deste último em alguns pontos,
Veríssimo também era simpático às
teorias e aos pensadores evolucionistas, que aparecem em profusão, seja por citações nominais, seja pela
aplicação de suas idéias, no livro de Euclides. Essa característica do
pensamento de Veríssimo é destacada por Maria Auxiliadora Cavazotti, em livro intitulado “O projeto republicano de
educação nacional na versão de José Veríssimo”. No livro citado, a autora
afirma que:
O perfil intelectual de Veríssimo
encontra ressonância no pensamento social
brasileiro à época republicana. As características de erudição,
domínio científico e qualidade literária
presentes em Veríssimo são compartilhadas
por toda uma geração de intelectuais brasileiros- entre os quais
denominada ‘geração de 70’- que viveram e produziram no ocaso do século passado e início deste, ou seja, no período
em que se gesta a república.
Mais adiante, a autora afirma:
Mas é, principalmente, no
pensamento de Spencer que Veríssimo vai buscar
luzes. Nisso segue uma tendência da época, de cunho liberal, ligada às
lutas republicanas. De fato, como lembra
José Murilo de Carvalho, ‘a versão final
do século XIX na postura liberal era o darwinismo social, absorvido no Brasil
por intermédio de Spencer.
Ainda sobre Veríssimo, completa a
autora:
Fica claro, assim, que é sob os
auspícios da Biologia e da Sociologia,
integradas no evolucionismo social spenceriano, que Veríssimo vai
buscar os princípios com os quais busca
fundamentar sua proposta de educação
nacional.
Sobre Os Sertões, escreveu
Araripe Junior que o livro de Euclides “(...) resulta da soma da arte com a
ciência, do épico com o trágico, da emoção com a razão (...)” . Essas palavras deixam
claro que o caráter científico-literário do livro de Euclides da Cunha conferiu
mais credibilidade e até mais
legitimidade à narrativa de Euclides da Cunha sobre o sertão e sobre a guerra.
Regina Abreu confirma a
importância dada pela trindade crítica do realismo, na expressão da autora, ao caráter científico da obra
euclidiana em diversas afirmações, entre as quais:
Apesar de desavenças pontuais, os
três partilhavam idéias próximas e, sobretudo,
ocupavam o mesmo lugar de representantes de novo método de crítica literária calcada em critérios
científicos por oposição aos antigos métodos
acusados de pecar por excesso de subjetivismo.
Mais adiante, ao caracterizar a
nova visão dos chamados críticos realistas, a autora afirma que:
A literatura devia estar a
serviço da ‘realidade nacional’, e os escritores, regidos por novos critérios
de consagração, pautados por crítica moderna e científica. Romero expressava o ponto de vista
de muitos dos excluídos da Rua do Ouvidor e das principais agências:
arregimentar suas forças na novidade da
ciência e com ela mudar os rumos da literatura. Esse movimento, que se
processou a partir dos anos 70 do século passado, foi crucial não apenas para
que um engenheiro como Euclides da Cunha viesse a produzir Os Sertões, bem como para que essa
obra viesse a ser consagrada. A consagração de Os Sertões significaria o
exercício da nova crítica que buscava se
afirmar no país. O criador e a criatura se encontravam. Um alimentaria o outro. Tanto a
crítica moderna e científica seria
fundamental para a consagração de Os Sertões quanto o aparecimento de Os Sertões seria fundamental para o
exercício e a afirmação da nova crítica.
Ainda sobre esse assunto, Regina
Abreu ressalta que:
Como Araripe, Romero observava a
importância dos estudos realizados sobre o meio físico, concordando com a visão
determinista de que a terra moldava os homens à sua imagem e semelhança.
Também não é surpresa que Romero
concordasse com a linha interpretativa de Euclides da Cunha sobre o acontecido em Canudos, já que,
como vimos, os dois partilhavam das mesmas convicções nas teorias evolucionistas da
época. A aprovação de Silvio Romero ao trabalho de Euclides da Cunha é também
uma evidência que contraria a hipótese de que Euclides da Cunha foi um positivista convicto, uma vez
que, repudiando o positivismo como Silvio Romero repudiava, é pouco provável que ele
aprovasse o trabalho produzido por um escritor que pertencesse a essa escola. A
crítica favorável de Romero ao livro de Euclides demonstra a identidade de
pensamento entre os dois, pelo menos no que se refere ao ocorrido em Canudos.
Portanto, considero que um dos
motivos do livro de Euclides ter sido valorizado por estes críticos é seu
caráter científico, acadêmico, e não apenas literário. Deve-se ressaltar, no entanto, que, conforme aponta Venâncio Filho,
o uso em excesso de termos científicos e de uma linguagem muito prolixa também
foi alvo de críticas por parte de José Veríssimo, ainda que essas críticas tenham sido feitas em
âmbito privado, apenas para o próprio escritor. Venâncio também afirma que a
isso, Euclides respondeu:
Num ponto apenas vacilo-o que se
refere ao emprego de termos técnicos. Aí, a meu ver, a crítica não foi justa. Sagrados
pela ciência e sendo de algum modo,
permita-me a expressão, os aristocratas da linguagem, nada justifica o desprezo que lhes votam os homens de
letras-sobretudo se considerarmos que o
consórcio da ciência e da arte, sob qualquer de seus aspectos, é hoje a tendência mais elevada do pensamento humano.
(...) Eu estou convencido que a
verdadeira impressão artística exige, fundamentalmente, a noção científica do caso que a desperta- e que,
nesse caso, a cometida intervenção de uma tecnografia própria se impõe
obrigatoriamente e é justo, desde que se não exagere a ponto de dar um aspecto
de compêndio ao livro que se escreve, mesmo porque em tal caso a feição
sintética desapareceria e com ela a obra de arte.
É, portanto, a partir da
publicação de “Os Sertões” que começou a ser consolidada a imagem de Euclides como grande escritor de literatura
enriquecida pelo conhecimento científico, que chegaria ainda com bastante força aos nossos
dias. Depois do grande sucesso de críticas e de vendas de “Os Sertões” - em menos de um ano o livro já estava na terceira edição, o escritor passou a ocupar importantes cargos
nos meios acadêmicos da época, como os de membro do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras.
Para esta última, o escritor
recebeu votos de acadêmicos como o Barão do Rio Branco e Machado de Assis, então
presidente da instituição. O discurso de posse do escritor na ABL é também um indício de que essa memória do
escritor recebeu contribuições dele mesmo, que fazia questão de não se definir
como apenas um literato. Na ocasião, diria Euclides:
Escritor por acidente- eu
habituei-me a andar terra a terra, abreviando o espírito à contemplação dos fatos de ordem
física adstritos às leis mais simples e
gerais; (...) vai-se-me tornando mais e mais difícil esse abranger os caracteres preexcelentes das cousas,
buscando-lhes as relações mais altas e
formadoras das impressões artísticas, ou das sínteses estéticas.
E mais adiante:
(...) me desviei, sobremodo,
dessa literatura de ficções, onde desde cedo se exercita e revigora o nosso
subjetivismo.
O autor, nesse mesmo discurso,
também fez questão de frisar que, como homem de ciência, sentia dificuldades de
ingressar numa casa de homens de letras. A referência a uma postura científica, tanto por parte do próprio autor
como por alguns de seus críticos foi, portanto, recorrente desde a publicação
de seu primeiro livro. No entanto, ao longo do tempo, essa postura, chamada na
época apenas de científica, foi se convertendo, na crítica do autor, em postura positivista.
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Fonte:
Natalia Peixoto Bravo de Souza: “A militância em torno da glorificação de Euclides da Cunha: um projeto político-ideológico”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Profa. Dra. Maria Amélia Mascarenhas Dantes). São Paulo, 2010.
Fonte:
Natalia Peixoto Bravo de Souza: “A militância em torno da glorificação de Euclides da Cunha: um projeto político-ideológico”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Profa. Dra. Maria Amélia Mascarenhas Dantes). São Paulo, 2010.
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