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O individualismo absoluto da obra de arte
“(...) uso do termo “individualismo
absoluto” no sentido puramente estético, pois é a arte em geral, e uma forma
dela em particular, em que me ocupo neste estudo. Individualismo absoluto, neste
sentido especial, significa a tendência e a tensão do artista para exprimir
inteiramente a sua alma, com tudo quanto nela se contém. Assim, queira ou não
queira, ele a opõe, em emoção e sua expressão, às almas dos outros, pois que
não é outro; às coisas que não são indivíduo, visto que é indivíduo. /.../”
Quando falamos em individualismo
absoluto, podemos pensar que tal individualismo tem como ponto de partida o
mesmo que tudo aquilo que se possa nomear como ‘individualismo’ tenha: os elementos
sensíveis e intelectuais (impressões e idéias) constitutivos do indivíduo. E aí
cremos que o individualismo absoluto seja exatamente uma ‘absolutização’ total
e irrestrita desta individualidade mais elementar. Porém, cremos não haver nada
de elementar na exacerbação de tal individualidade, pois somente impondo a expressão
de uma individualidade intrínseca e forte, o artista poderá opô-la aos
indivíduos que são alheios (ou exteriores) a tal expressão. Somente impondo uma
emoção e expressão inteiramente individuais, o artista poderá imprimir um
individualismo que se afirme por si só.
E aqui acreditamos ser
pertinente relembrar que, ao seguir as prescrições para criar uma impressão ou
uma idéia, o artista coerentemente exercitaria tal individualismo absoluto. Se
relembrarmos as leis que regem impressão e idéia, lembraremos também que aquelas
leis abrangem o “elemento subjetivo da arte”, ou seja, o indivíduo no que há de
mais individual. Também que a impressão ou idéia será perfeita e típica na
medida em que revelar “o temperamento do indivíduo”, “todo o temperamento do
indivíduo” e “o temperamento do indivíduo o mais harmonicamente disposto dentro
de si que seja possível”99. Aí não há só uma exacerbação do
indivíduo: há uma imposição de modo a que tal indivíduo expresso exerça plenamente
sua individualidade. Qual indivíduo, tal impressão ou idéia deverá “exprimir inteiramente”
uma alma, “com tudo quanto nela se contém”; o que subentende a imposição de um
certo temperamento total e harmonicamente expresso.
Isso nos induz a pensar que
uma cousa, uma impressão e uma idéia expressas, sejam justamente individualidade
absoluta, porque já trazem em si elementos individuais que resumem um modo de entender
o mundo, que traduzem o mundo qual matérias de sua expressão e repetem o
complexo ditame do mundo de exibir-se aos outros em um grande número de partes
e singularidades, existindo como tudo e de todas as maneiras possíveis.
E aí devemos entender que a
efetuação do individualismo absoluto seja a expressão de tudo o que componha um
indivíduo, inclusive o mundo como ele é capturado por esse indivíduo, sob a forma
de impressões e idéias (que em si já não seria mundo — desagregado do indivíduo
— mas mundo como forma de apreensão deste), de modo que todas as
particularidades individuais apreendidas de um mundo sejam o daquele indivíduo,
e, reciprocamente, aquele indivíduo seja um mundo. Ao sê-lo, aquele indivíduo
expresso acaba sendo integral e ímpar frente aos mundos que são os outros
indivíduos — e tomemos aí o termo ‘indivíduos’ como também se referindo a
outros artistas ou obras de arte. O
resultado de tal operação nos é colocado claramente em “Fernando Pessoa”:
“Se se efetua esse intento,
resultava (resulta) uma obra, ou uns opera omnia, em que, voluntária ou
involuntariamente, superior a todas as regras, o espírito do artista se afirma
distinto do de todos os outros artistas, do de todos os outros homens, se
afirma em oposição a um e a outro.”
Porém, a imposição pura e
simples do individualismo absoluto poderia muito bem resultar em uma ‘confissão
de alma’, na simples defesa de uma sensibilidade particular. Continuando, a
simples imposição do individualismo absoluto poderia facilmente cair em tudo
aquilo que poderíamos chamar de uma poética mais chã do romantismo: a confissão
de alma, a exaltação do gênio individual — e do gênio como uma espécie de ‘deus’
da arte, a supramedida para todas as coisas; em suma, no vate romântico. E se o
individualismo absoluto, assim como as outras premissas das páginas livres de estética,
insurge-se explicitamente como resposta imediata ao romantismo, então tal procedimento
seria claramente contraproducente às intenções de tais páginas.
Pensando bem, se houvesse apenas
a presença pura e simples das prescrições do individualismo absoluto, talvez tudo
fatalmente caísse para o viés romântico. Mas contamos com a exigência,
paradoxal em relação a esta, que é a da prescrição por uma universalidade/generalidade
da obra de arte.
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Fonte:
Fonte:
Jason Campelo Bastos: “Coisa, impressão e idéia: Prolegômenos
ao estudo da noção de obra de arte em Fernando Pessoa”. (Dissertação de mestrado
apresentada ao programa de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre.
Área de concentração: Literatura Portuguesa. Orientador: Prof. Dr. Marcus Alexandre Motta).
Rio de Janeiro, 2006
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