30/12/2013

Poesias Inéditas de Fernando Pessoa

 Fernando Pessoa - Poesias Ineditas - Iba Mendes
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O individualismo absoluto da obra de arte

“(...) uso do termo “individualismo absoluto” no sentido puramente estético, pois é a arte em geral, e uma forma dela em particular, em que me ocupo neste estudo. Individualismo absoluto, neste sentido especial, significa a tendência e a tensão do artista para exprimir inteiramente a sua alma, com tudo quanto nela se contém. Assim, queira ou não queira, ele a opõe, em emoção e sua expressão, às almas dos outros, pois que não é outro; às coisas que não são indivíduo, visto que é indivíduo. /.../”

Quando falamos em individualismo absoluto, podemos pensar que tal individualismo tem como ponto de partida o mesmo que tudo aquilo que se possa nomear como ‘individualismo’ tenha: os elementos sensíveis e intelectuais (impressões e idéias) constitutivos do indivíduo. E aí cremos que o individualismo absoluto seja exatamente uma ‘absolutização’ total e irrestrita desta individualidade mais elementar. Porém, cremos não haver nada de elementar na exacerbação de tal individualidade, pois somente impondo a expressão de uma individualidade intrínseca e forte, o artista poderá opô-la aos indivíduos que são alheios (ou exteriores) a tal expressão. Somente impondo uma emoção e expressão inteiramente individuais, o artista poderá imprimir um individualismo que se afirme por si só.

E aqui acreditamos ser pertinente relembrar que, ao seguir as prescrições para criar uma impressão ou uma idéia, o artista coerentemente exercitaria tal individualismo absoluto. Se relembrarmos as leis que regem impressão e idéia, lembraremos também que aquelas leis abrangem o “elemento subjetivo da arte”, ou seja, o indivíduo no que há de mais individual. Também que a impressão ou idéia será perfeita e típica na medida em que revelar “o temperamento do indivíduo”, “todo o temperamento do indivíduo” e “o temperamento do indivíduo o mais harmonicamente disposto dentro de si que seja possível”99. Aí não há só uma exacerbação do indivíduo: há uma imposição de modo a que tal indivíduo expresso exerça plenamente sua individualidade. Qual indivíduo, tal impressão ou idéia deverá “exprimir inteiramente” uma alma, “com tudo quanto nela se contém”; o que subentende a imposição de um certo temperamento total e harmonicamente expresso.

Isso nos induz a pensar que uma cousa, uma impressão e uma idéia expressas, sejam justamente individualidade absoluta, porque já trazem em si elementos individuais que resumem um modo de entender o mundo, que traduzem o mundo qual matérias de sua expressão e repetem o complexo ditame do mundo de exibir-se aos outros em um grande número de partes e singularidades, existindo como tudo e de todas as maneiras possíveis.

E aí devemos entender que a efetuação do individualismo absoluto seja a expressão de tudo o que componha um indivíduo, inclusive o mundo como ele é capturado por esse indivíduo, sob a forma de impressões e idéias (que em si já não seria mundo — desagregado do indivíduo — mas mundo como forma de apreensão deste), de modo que todas as particularidades individuais apreendidas de um mundo sejam o daquele indivíduo, e, reciprocamente, aquele indivíduo seja um mundo. Ao sê-lo, aquele indivíduo expresso acaba sendo integral e ímpar frente aos mundos que são os outros indivíduos — e tomemos aí o termo ‘indivíduos’ como também se referindo a outros artistas ou obras de arte.  O resultado de tal operação nos é colocado claramente em “Fernando Pessoa”:

“Se se efetua esse intento, resultava (resulta) uma obra, ou uns opera omnia, em que, voluntária ou involuntariamente, superior a todas as regras, o espírito do artista se afirma distinto do de todos os outros artistas, do de todos os outros homens, se afirma em oposição a um e a outro.”

Porém, a imposição pura e simples do individualismo absoluto poderia muito bem resultar em uma ‘confissão de alma’, na simples defesa de uma sensibilidade particular. Continuando, a simples imposição do individualismo absoluto poderia facilmente cair em tudo aquilo que poderíamos chamar de uma poética mais chã do romantismo: a confissão de alma, a exaltação do gênio individual — e do gênio como uma espécie de ‘deus’ da arte, a supramedida para todas as coisas; em suma, no vate romântico. E se o individualismo absoluto, assim como as outras premissas das páginas livres de estética, insurge-se explicitamente como resposta imediata ao romantismo, então tal procedimento seria claramente contraproducente às intenções de tais páginas.

Pensando bem, se houvesse apenas a presença pura e simples das prescrições do individualismo absoluto, talvez tudo fatalmente caísse para o viés romântico. Mas contamos com a exigência, paradoxal em relação a esta, que é a da prescrição por uma universalidade/generalidade da obra de arte.


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Fonte:
Jason Campelo Bastos: “Coisa, impressão e idéia: Prolegômenos ao estudo da noção de obra de arte em Fernando Pessoa”. (Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Literatura Portuguesa.  Orientador: Prof. Dr. Marcus Alexandre Motta). Rio de Janeiro, 2006

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