30/12/2013

Poemas de Alberto Caeiro, por Fernando Pessoa

 Fernando Pessoa - Poemas de Alberto Caeiro - Iba Mendes
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História da Metafísica


De acordo com o dicionário de filosofia de André Lalande, a metafísica consiste em uma ciência especulativa que trata das coisas imateriais, como o ser, Deus e os seres intelectuais feitos à sua imagem (LALANDE, 1996, p. 666). Palavra originária do grego, metafísica compõe-se da junção dos termos meta, que significa além de, e physis, que corresponde à natureza. Assim, enquanto a Física estuda a natureza, a metafísica aborda aquilo que está além da natureza – aquilo que não é matéria. Pressupondo a existência de uma realidade ‘aparente’ oposta a uma realidade ‘em si’, a metafísica resume-se, portanto, ao “conhecimento daquilo que as coisas são em si mesmas, por oposição às aparências que elas apresentam” (LALANDE, 1996, p. 666). Conhecimento abstrato, proveniente da razão, “fazer metafísica não é outra coisa senão sistematizar, quer dizer, organizar idéias” (LALANDE, 1996, p. 666).

Esse termo surgiu por volta de 50 a.C., quando Andrónico de Rodes (século I a.C.), ao organizar a coleção da obra de Aristóteles, deu o nome de ta metà ta physiká (Metafísica) ao conjunto de textos que se seguiam aos da física (LALANDE, 1996, p. 666). Nessa obra, Aristóteles conferiu a essa disciplina o mais elevado posto do conhecimento teórico, uma vez que consistia na “ciência dos primeiros princípios e das primeiras causas” (NUNES, 1992, p. 35).

Na Contemporaneidade, porém, essa ciência passou a ser encarada criticamente. Filósofos como Nietzsche e Heidegger identificaram na tradição metafísica uma valorização do mundo racional e o consequente desprezo do mundo que se opõe a este, aquele que se oferece aos sentidos. Observaram também que a arte fora relegada a um plano inferior, em comparação com o conhecimento racional.

De acordo com Nietzsche, a metafísica teve início com Sócrates, filósofo que primeiro instituiu a razão como forma de acesso privilegiado ao conhecimento e estabeleceu uma separação entre corpo e alma e entre aparência e essência. Não tendo escrito uma linha sequer, temos acesso às obras de Sócrates por meio de outros pensadores. Os diálogos de Platão, por exemplo, retratam Sócrates como um mestre que não valorizava os prazeres dos sentidos, priorizando, entre as maiores virtudes, o belo, o bom e o justo. Com essa concepção socrática, portanto, tem início uma priorização dos conceitos e valores transcendentais (desenvolvidos pela razão) sobre a matéria (captada pelos sentidos). O conhecimento racional passa a ter maior valor que as impressões advindas dos sentidos, adquirindo, assim, hegemonia.

Platão desenvolve o pensamento de Sócrates numa obra principalmente composta por diálogos. O filósofo cria uma doutrina que concebe a existência de um mundo das idéias, oposto ao mundo em que vivemos, que seria o mundo das sombras (a realidade sensível). Tal concepção, essencialmente metafísica, é ilustrada através da Alegoria da Caverna, no Livro VII da República. Nessa alegoria, alguns prisioneiros vivem acorrentados em uma caverna, de onde só podem ver as sombras projetadas por seres e objetos reais que estão do lado de fora. Um deles, porém, liberta-se dessa caverna e começa a ver os objetos reais, tais como são. A princípio, tendo sua vista ofuscada, esse prisioneiro não consegue enxergar de fato tais objetos, mas com o tempo, sua visão se adapta à nova realidade. Feliz com a mudança, ele se lembra de seus companheiros na caverna e decide resgatá-los. De volta à caverna, o homem tem seus olhos ofuscados até se adaptar novamente com a escuridão. Enquanto passa por esse período de adaptação, seus companheiros concluem que, após ter de lá saído, voltara com a vista perdida e decidem que, caso ele tentasse resgatá-los e tirá-los dali, o matariam.

A alegoria parece ilustrar, portanto, a concepção metafísica de Platão, segundo a qual, a realidade aparente em que vivemos, captada pelos sentidos, não passa de um mundo das sombras, que seria um reflexo imperfeito da verdadeira realidade, o mundo das idéias, acessível somente através da razão. A  alegoria platônica marca, assim, a origem de uma visão de mundo dicotômica: mundo das essências em contraposição ao mundo das aparências; alma versus corpo; e sujeito versus objeto. O filósofo Heidegger vê no mito da caverna:

a origem da concepção, central para a metafísica ocidental, de conhecimento como um processo de adequação do olhar ao objeto, sendo que a verdade se
caracteriza exatamente pela correspondência entre o intelecto e a coisa visada, como posteriormente na célebre fórmula aristotélica e medieval (MARCONDES, 2004, p. 66).

Tem início, assim, a teoria do conhecimento, fundada na premissa de uma separação entre dois pólos distintos. Originalmente destinada ao estudo de tudo aquilo que não se apresenta aos sentidos (aquilo que se encontra além da natureza), a metafísica acabou por limitar-se, enfim, à teorização do conhecimento, ou epistemologia, segundo Heidegger, na medida em que concentrou seus estudos na representação que o homem faz da realidade, pressupondo uma separação entre sujeito e objeto, entre homem e natureza. E a verdade passou a ser entendida tão-somente como uma adequação do objeto com o intelecto. A pergunta “O que é a realidade?” foi substituída pela questão “O que e como podemos conhecer?”. A teoria do conhecimento tornou-se, assim, condição da metafísica.

De acordo com filósofos contemporâneos, portanto, é com Sócrates e Platão que tem início a metafísica. Embora Aristóteles, discípulo de Platão, tenha se diferenciado do mestre, ao recusar a existência de um mundo das idéias, ele permaneceu no terreno metafísico, de acordo com Heidegger, por conceber a existência de uma substância imutável como causa primeira, além de introduzir o princípio da não-contradição e por considerar a noção de verdade como correspondência (do objeto com a idéia). O pensamento medieval também conservou as bases metafísicas introduzidas pelos gregos, como veremos a seguir.

Na Idade Média, a configuração metafísica do pensamento se manteve na medida em que as especulações filosóficas concebiam ainda a existência de uma realidade transcendente àquela acessível pelos sentidos. Realidade esta, vislumbrada por meio da fé. A diferença principal introduzida nessa época foi, então, a eleição da fé como caminho para o conhecimento verdadeiro.

Com o Cristianismo, assim, a metafísica assumiu uma roupagem diferente, mas ainda se manteve presente a partir da pressuposição de um mundo além e de uma doutrina de valores. Os dois grandes eixos sobre os quais a filosofia medieval desenvolveu-se foram Platão e Aristóteles. Agostinho e Tomás de Aquino destacaram-se pela produção de uma filosofia que buscava coincidir as esferas fé e razão, sendo que o primeiro o fez ao estilo platônico e o segundo tomou por base os preceitos de Aristóteles.

Agostinho parece aderir ao estilo platônico, não só pela forma de diálogo de parte de sua obra, como pela própria maneira de conceber a realidade. O filósofo da patrística concebe um mundo divino que se assemelha ao mundo das idéias de Platão. Segundo essa teoria, Deus é quem ilumina a razão, possibilitando ao homem o conhecimento das verdades eternas: “Compreender para crer, crer para compreender.” (COTRIM, 2002, p. 118).

Já Tomás de Aquino, filósofo da escolástica, elaborou os princípios da doutrina cristã a partir do pensamento de Aristóteles. Ele se utilizou das causas aristotélicas para provar a existência de Deus, entendido como o ser necessário e como a causa primeira eficiente (COTRIM, 2002, p. 126).

Segundo Heidegger, embora outras doutrinas tenham-se feito presentes na Idade Média, todas elas tiveram em comum o pressuposto fundamental metafísico, que compreende a realidade de forma dicotômica e privilegia a questão do conhecimento sobre todas as outras.

Posteriormente, Descartes, considerado o pai da modernidade, instaurou a era da subjetividade, com a célebre frase “penso, logo existo” (DESCARTES, 1999, p. 62). Concebendo ainda corpo e alma, sujeito e objeto como esferas separadas, o filósofo privilegiou o conhecimento racional como forma de acesso à verdade, inaugurando, assim, o racionalismo da idade moderna. Ele recomendava que desconfiássemos das percepções sensoriais, responsáveis pelos freqüentes erros do conhecimento humano e defendia que o verdadeiro conhecimento das coisas deveria ser advindo do trabalho lógico da mente.

Kant destacou-se também no racionalismo, sendo que a questão central sobre a qual se desenvolveu seu pensamento foi o problema do conhecimento humano, cujas bases foram estabelecidas na Crítica da Razão Pura. Concebendo uma diferença entre fenômeno e coisa em si, Kant acredita que o homem jamais pode ter acesso à coisa em si, posto que está subordinado ao instrumental da mente que lhe permite conhecer. O sujeito só tem acesso ao objeto por intermédio desse instrumental, que lhe aplica noções a priori (inatas), como por exemplo, as de espaço e tempo (KANT, 1999, p.72).

Depois de Kant, filósofos como Schiller, Nietzsche e Heidegger identificaram nas bases do pensamento ocidental uma concepção que polariza homem e natureza, culminando na racionalização tecnológica do mundo moderno. Encarando criticamente a metafísica, eles compreendem que seu surgimento coincide com a desvinculação do homem com relação à physis universal:

O ato de nascimento da Filosofia como Metafísica, firmada nos diálogos platônicos, e consolidada nos tratados aristotélicos, assinala o início de uma descontinuidade em relação à physis, que permeará toda a história do ser até nossos dias (NUNES, 1992, p. 217).


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Fonte:
Gabriela Lira Carneiro: “A poesia de Alberto Caeiro à luz da filosofia de Martin Heidegger”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras  da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Audemaro Taranto Goulart). Belo Horizonte, 2010

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