Para baixar este livro gratuitamente em
formato PDF, acessar o site do “Projeto
Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: autor/título (coluna à esquerda) e título/autor (coluna à direita).
---
História
da Metafísica
De acordo com o dicionário de
filosofia de André Lalande, a metafísica consiste em uma ciência especulativa
que trata das coisas imateriais, como o ser, Deus e os seres intelectuais
feitos à sua imagem (LALANDE, 1996, p. 666). Palavra originária do grego,
metafísica compõe-se da junção dos termos meta, que significa além de,
e physis, que corresponde à natureza. Assim, enquanto a Física estuda a
natureza, a metafísica aborda aquilo que está além da natureza – aquilo que não
é matéria. Pressupondo a existência de uma realidade ‘aparente’ oposta a uma
realidade ‘em si’, a metafísica resume-se, portanto, ao “conhecimento daquilo
que as coisas são em si mesmas, por oposição às aparências que elas apresentam”
(LALANDE, 1996, p. 666). Conhecimento abstrato, proveniente da razão, “fazer
metafísica não é outra coisa senão sistematizar, quer dizer, organizar idéias”
(LALANDE, 1996, p. 666).
Esse termo surgiu por volta de 50 a .C., quando Andrónico de
Rodes (século I a.C.), ao organizar a coleção da obra de Aristóteles, deu o
nome de ta metà ta physiká (Metafísica) ao conjunto de textos que se seguiam aos da física (LALANDE,
1996, p. 666). Nessa obra, Aristóteles conferiu a essa disciplina o mais
elevado posto do conhecimento teórico, uma vez que consistia na “ciência dos
primeiros princípios e das primeiras causas” (NUNES, 1992, p. 35).
Na Contemporaneidade, porém, essa
ciência passou a ser encarada criticamente. Filósofos como Nietzsche e
Heidegger identificaram na tradição metafísica uma valorização do mundo
racional e o consequente desprezo do mundo que se opõe a este, aquele que se
oferece aos sentidos. Observaram também que a arte fora relegada a um plano
inferior, em comparação com o conhecimento racional.
De acordo com Nietzsche, a
metafísica teve início com Sócrates, filósofo que primeiro instituiu a razão
como forma de acesso privilegiado ao conhecimento e estabeleceu uma separação
entre corpo e alma e entre aparência e essência. Não tendo escrito uma linha
sequer, temos acesso às obras de Sócrates por meio de outros pensadores. Os
diálogos de Platão, por exemplo, retratam Sócrates como um mestre que não
valorizava os prazeres dos sentidos, priorizando, entre as maiores virtudes, o belo,
o bom e o justo. Com essa concepção socrática, portanto, tem início uma priorização
dos conceitos e valores transcendentais (desenvolvidos pela razão) sobre a matéria
(captada pelos sentidos). O conhecimento racional passa a ter maior valor que as
impressões advindas dos sentidos, adquirindo, assim, hegemonia.
Platão desenvolve o pensamento de
Sócrates numa obra principalmente composta por diálogos. O filósofo cria uma
doutrina que concebe a existência de um mundo das idéias, oposto ao mundo em
que vivemos, que seria o mundo das sombras (a realidade sensível). Tal
concepção, essencialmente metafísica, é ilustrada através da Alegoria da
Caverna, no Livro VII da República. Nessa alegoria, alguns prisioneiros vivem acorrentados em uma
caverna, de onde só podem ver as sombras projetadas por seres e objetos reais
que estão do lado de fora. Um deles, porém, liberta-se dessa caverna e começa a
ver os objetos reais, tais como são. A princípio, tendo sua vista ofuscada,
esse prisioneiro não consegue enxergar de fato tais objetos, mas com o tempo,
sua visão se adapta à nova realidade. Feliz com a mudança, ele se lembra de seus
companheiros na caverna e decide resgatá-los. De volta à caverna, o homem tem seus
olhos ofuscados até se adaptar novamente com a escuridão. Enquanto passa por esse
período de adaptação, seus companheiros concluem que, após ter de lá saído, voltara
com a vista perdida e decidem que, caso ele tentasse resgatá-los e tirá-los
dali, o matariam.
A alegoria parece ilustrar,
portanto, a concepção metafísica de Platão, segundo a qual, a realidade
aparente em que vivemos, captada pelos sentidos, não passa de um mundo das sombras,
que seria um reflexo imperfeito da verdadeira realidade, o mundo das idéias,
acessível somente através da razão. A alegoria
platônica marca, assim, a origem de uma visão de mundo dicotômica: mundo das
essências em contraposição ao mundo das aparências; alma versus corpo; e
sujeito versus objeto. O filósofo Heidegger vê no mito da caverna:
a origem da concepção, central para a metafísica ocidental, de
conhecimento como um processo de adequação do olhar ao objeto, sendo que a
verdade se
caracteriza exatamente pela correspondência entre o intelecto e a
coisa visada, como posteriormente na célebre fórmula aristotélica e medieval (MARCONDES, 2004, p. 66).
Tem início, assim, a teoria do
conhecimento, fundada na premissa de uma separação entre dois pólos distintos.
Originalmente destinada ao estudo de tudo aquilo que não se apresenta aos
sentidos (aquilo que se encontra além da natureza), a metafísica acabou por
limitar-se, enfim, à teorização do conhecimento, ou epistemologia, segundo
Heidegger, na medida em que concentrou seus estudos na representação que o
homem faz da realidade, pressupondo uma separação entre sujeito e objeto, entre
homem e natureza. E a verdade passou a ser entendida tão-somente como uma
adequação do objeto com o intelecto. A pergunta “O que é a realidade?” foi
substituída pela questão “O que e como podemos conhecer?”. A teoria do
conhecimento tornou-se, assim, condição da metafísica.
De acordo com filósofos
contemporâneos, portanto, é com Sócrates e Platão que tem início a metafísica.
Embora Aristóteles, discípulo de Platão, tenha se diferenciado do mestre, ao
recusar a existência de um mundo das idéias, ele permaneceu no terreno
metafísico, de acordo com Heidegger, por conceber a existência de uma
substância imutável como causa primeira, além de introduzir o princípio da
não-contradição e por considerar a noção de verdade como correspondência (do
objeto com a idéia). O pensamento medieval também conservou as bases
metafísicas introduzidas pelos gregos, como veremos a seguir.
Na Idade Média, a configuração
metafísica do pensamento se manteve na medida em que as especulações
filosóficas concebiam ainda a existência de uma realidade transcendente àquela
acessível pelos sentidos. Realidade esta, vislumbrada por meio da fé. A
diferença principal introduzida nessa época foi, então, a eleição da fé como
caminho para o conhecimento verdadeiro.
Com o Cristianismo, assim, a
metafísica assumiu uma roupagem diferente, mas ainda se manteve presente a
partir da pressuposição de um mundo além e de uma doutrina de valores. Os dois
grandes eixos sobre os quais a filosofia medieval desenvolveu-se foram Platão e
Aristóteles. Agostinho e Tomás de Aquino destacaram-se pela produção de uma
filosofia que buscava coincidir as esferas fé e razão, sendo que o primeiro o
fez ao estilo platônico e o segundo tomou por base os preceitos de Aristóteles.
Agostinho parece aderir ao estilo
platônico, não só pela forma de diálogo de parte de sua obra, como pela própria
maneira de conceber a realidade. O filósofo da patrística concebe um mundo
divino que se assemelha ao mundo das idéias de Platão. Segundo essa teoria,
Deus é quem ilumina a razão, possibilitando ao homem o conhecimento das
verdades eternas: “Compreender para crer, crer para compreender.” (COTRIM,
2002, p. 118).
Já Tomás de Aquino, filósofo da
escolástica, elaborou os princípios da doutrina cristã a partir do pensamento
de Aristóteles. Ele se utilizou das causas aristotélicas para provar a
existência de Deus, entendido como o ser necessário e como a causa primeira
eficiente (COTRIM, 2002, p. 126).
Segundo Heidegger, embora outras
doutrinas tenham-se feito presentes na Idade Média, todas elas tiveram em comum
o pressuposto fundamental metafísico, que compreende a realidade de forma
dicotômica e privilegia a questão do conhecimento sobre todas as outras.
Posteriormente, Descartes,
considerado o pai da modernidade, instaurou a era da subjetividade, com a
célebre frase “penso, logo existo” (DESCARTES, 1999, p. 62). Concebendo ainda
corpo e alma, sujeito e objeto como esferas separadas, o filósofo privilegiou o
conhecimento racional como forma de acesso à verdade, inaugurando, assim, o
racionalismo da idade moderna. Ele recomendava que desconfiássemos das percepções
sensoriais, responsáveis pelos freqüentes erros do conhecimento humano e
defendia que o verdadeiro conhecimento das coisas deveria ser advindo do
trabalho lógico da mente.
Kant destacou-se também no
racionalismo, sendo que a questão central sobre a qual se desenvolveu seu
pensamento foi o problema do conhecimento humano, cujas bases foram
estabelecidas na Crítica da Razão Pura. Concebendo uma diferença entre fenômeno e coisa em si, Kant acredita que o homem jamais pode ter acesso à coisa em si, posto que está subordinado ao instrumental da mente que lhe
permite conhecer. O sujeito só tem acesso ao objeto por intermédio desse
instrumental, que lhe aplica noções a priori (inatas), como por exemplo, as de
espaço e tempo (KANT, 1999, p.72).
Depois de Kant, filósofos como
Schiller, Nietzsche e Heidegger identificaram nas bases do pensamento ocidental
uma concepção que polariza homem e natureza, culminando na racionalização
tecnológica do mundo moderno. Encarando criticamente a metafísica, eles
compreendem que seu surgimento coincide com a desvinculação do homem com
relação à physis universal:
O ato de nascimento da Filosofia como Metafísica, firmada nos
diálogos platônicos, e consolidada nos tratados aristotélicos, assinala o
início de uma descontinuidade em relação à physis, que permeará toda a história do ser até nossos dias (NUNES, 1992, p. 217).
---
Fonte:
Gabriela Lira Carneiro: “A poesia de Alberto Caeiro à luz da filosofia de Martin Heidegger”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Audemaro Taranto Goulart). Belo Horizonte, 2010
Fonte:
Gabriela Lira Carneiro: “A poesia de Alberto Caeiro à luz da filosofia de Martin Heidegger”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Audemaro Taranto Goulart). Belo Horizonte, 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário