30/12/2013

Poemas de Fernando Pessoa

 Fernando Pessoa - Poemas - Iba Mendes
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“O que sente em mim está pensando”

O veneno abortivo, o ingrediente que mata a imaginação criadora e a redoma que sufoca o novo espírito científico é, sem dúvida, a vigilância cognitiva e a burocracia do pensamento.” (Ceiça Almeida)


Pessoa é um poeta cerebral, sua poesia não raras vezes impressiona pela semelhança com um exímio jogador de xadrez posicionando habilmente suas peças-palavra e a dar-nos, inevitavelmente, um xeque em nossos pretensos confortos e certezas. Se Pessoa é a razão em ação o seu movimento só toma sentido na medida em que essa própria razão pode ser prescindida de si mesma, ou melhor, que se torne impregnada e abastecida de sensações. O próprio poeta define os passos de sua escrita como a constante expressão de emoções intelectualizadas.

 Dessa perspectiva a dicotomia entre razão e emoção não se dissolve num processo dialético em que há uma resolução dos opostos numa síntese poética. O jogo tem artifícios mais sutis. Não se trata de abordar as emoções pelo artifício da razão, tampouco realçar tonalidades de sentimentalismo no exercício da razão, mas sim conferir a estes dois estados uma natureza complementar em que o projeto da ciência clássica operou diferenciações irreconciliáveis.

Fernando Pessoa(s) foi genuinamente um ser-em-poesia, ou seja, foi alguém que, no plano criador, vivenciou várias possibilidades de Ser e Estar-no-Mundo com sua invulgar capacidade de despersonalização e de ser múltiplo sem deixar de ser uma individualidade.

Proporcionou a vazão intensa de todas as gamas de conhecimento e de sensações que se lhe ofereciam à inteligência e à experiência sensível. Para José Gil:

“no devir-outro da heteronímia, não há nunca um sujeito e um objeto em relação estática, mas o sujeito duplica-se de novo e sempre sobre a sua sensação, tomando-a como objeto, antes de a (e de se) transformar: tendo decidido analisar as operações necessárias à transmutação das sensações em palavras poéticas, tomá-las por objeto as suas próprias sensações, transformando a sua atividade de experimentador e analista em matéria sensível a tratar artisticamente (porque, diz ele, tudo é acompanhado por sensações, até as idéias abstratas) assim nasce Bernardo Soares, muito naturalmente, da lógica particular da produção poética pessoana.”

Não por acaso, Pessoa como representante máximo do modernismo português é também criador de várias escolas literárias. Recorrendo ao Intersecccionismo, tenta encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência (“o que sente em mim s´tá pensando”) entre  as dialéticas sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sentir/pensar.

O Interseccionismo, que surge como uma evolução do Paulismo, apresenta-nos o entrecruzamento de planos: intersecção de sensações ou percepções, de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores, de sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do material, de tempos e de espaços, da horizontalidade com a verticalidade.

A intelectualização do sentimento para exprimir a arte fundamenta a teoria do fingimento a qual leva Pessoa a afirmar que fingir é conhecer-se. Encontramos no Interseccionismo o processo de realizar o Sensacionismo, na medida em que a intersecção de sensações está em causa e por elas se faz o encontro da sensação com o pensamento. É como se Pessoa elevasse a um outro nível de realidade poética para dar cabo à conciliação dos contraditórios. E, neste jogo dialógico, o sujeito poético revela-se duplo, fragmentado, na busca de sensações que lhe permitam a felicidade pura ansiada, mas inacessível, levando-o à frustração que a consciência-de-si implica. Não é a toa que o nicho poético do engenheiro naval Álvaro de Campos incorpora a vertigem da modernidade e, não por acaso, é o heterônimo que suscitam as nossas mais íntimas identificações.

Na educação a aceitação do sentimento no processo de aprendizagem constitui um imenso desafio. Entretanto ele sempre esteve presente na medida em que só se aprende o que pode ser “integrado” pela pessoa, onde sua vivência subjetiva encontre espaço.

A negatividade e vacuidade com que os vários “eus” pessoanos se desdobram e se definem são preenchidas pela corporalidade de um traçado subjacente que liga a série ininterrupta de negações, impulsionando um discurso que faz escorrer uma virtualidade que tece as ausências, solidarizando-as num propósito educacional comum: ressignificar a importância na ação do educar pela parceira da construção do conhecimento e do desenvolvimento emocional, essencial para a maturidade do sujeito e para a constituição de sua identidade.

A negatividade e a vacuidade da constante reflexão existencial pessoana sobre a identidade humana já foi tomada como um reflexo do niilismo, herdeiro da passagem do século XIX para o XX e mesmo até como expressão de um pessimismo poético. Esse enquadramento poético encontra expressão numa vida sem muitos “acontecimentos”, numa biografia “sem fatos”, como foi tomada a existência de Pessoa.

Permeando todas as reflexões aqui intentadas nesta dissertação, a heteronímia é considerada de uma forma diversa, a saber, como uma potência criadora e ficcional para exatamente superar os limites existenciais da condição subjetiva humana. Antes de paralisar-se num enredamento ontológico sem saída é a própria experimentação sensacionista de sentir-se a ampla gama dos possíveis de nossa humanidade que está em jogo no exercício heteronímico do fingimento. Reflexo da subversão gramatical quando podemos à semelhança do amor fati, preconizado por Nietzsche, dizermos: nos somos.

 Provocante desafio se considerarmos nosso cenário contemporâneo dominado pelos suportes tecnológicos e pela desmesura das informações inassimiláveis que restringem a importância do humano e tornam prescindíveis as relações interpessoais e, quando muito, são midiatizadas em sofisticados suportes para tornar possível essa relação subjetiva.

A poesia para Pessoa não deve ser um espelhamento sentimental do poeta, este deve  tomar a impessoalidade como critério de universalidade. A pedagogia do fingimento se move nos moldes desta impessoalidade autoral na medida em que propõe acordos fundamentados pelas subjetividades abertas e plurais. Sê plural como o universo, como afirmou Campos, se torna imprescindível ao olhar que se propõe o educador. Confluímos o pensamento na direção em que

“já  não  podemos aceitar   a   idéia    de  aprendizagem como transferência/aquisição de informação; há uma outra linguagem a adotar, substituindo-se alguns termos: fazer emergir o sentido em vez de ensinar; caminho de aprendizagem, em vez de método; acoplado, vínculo, em vez de conhecimento.”


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Fonte:
Rodrigo da Costa Bezerra: “Fernando Pessoa(s): ciência das sensações, pedagogia do fingimento”. (Dissertação            de        Mestrado        apresentada     ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.) Natal, 2008.

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