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“O que sente em mim está pensando”
“O veneno abortivo, o ingrediente que mata a imaginação criadora e a
redoma que sufoca o novo espírito científico é, sem dúvida, a vigilância
cognitiva e a burocracia do pensamento.” (Ceiça Almeida)
Pessoa é um poeta cerebral, sua
poesia não raras vezes impressiona pela semelhança com um exímio jogador de
xadrez posicionando habilmente suas peças-palavra e a dar-nos, inevitavelmente,
um xeque em nossos pretensos confortos e certezas. Se Pessoa é a razão em ação
o seu movimento só toma sentido na medida em que essa própria razão pode ser prescindida
de si mesma, ou melhor, que se torne impregnada e abastecida de sensações. O próprio
poeta define os passos de sua escrita como a constante expressão de emoções intelectualizadas.
Dessa perspectiva a dicotomia entre razão e
emoção não se dissolve num processo dialético em que há uma resolução dos
opostos numa síntese poética. O jogo tem artifícios mais sutis. Não se trata de
abordar as emoções pelo artifício da razão, tampouco realçar tonalidades de
sentimentalismo no exercício da razão, mas sim conferir a estes dois estados uma
natureza complementar em que o projeto da ciência clássica operou
diferenciações irreconciliáveis.
Fernando Pessoa(s) foi
genuinamente um ser-em-poesia, ou seja, foi alguém que, no plano criador,
vivenciou várias possibilidades de Ser e Estar-no-Mundo com sua invulgar capacidade
de despersonalização e de ser múltiplo sem deixar de ser uma individualidade.
Proporcionou a vazão intensa de
todas as gamas de conhecimento e de sensações que se lhe ofereciam à
inteligência e à experiência sensível. Para José Gil:
“no devir-outro da heteronímia,
não há nunca um sujeito e um objeto em relação estática, mas o sujeito
duplica-se de novo e sempre sobre a sua sensação, tomando-a como objeto, antes
de a (e de se) transformar: tendo decidido analisar as operações necessárias à
transmutação das sensações em palavras poéticas, tomá-las por objeto as suas
próprias sensações, transformando a sua atividade de experimentador e analista
em matéria sensível a tratar artisticamente (porque, diz ele, tudo é
acompanhado por sensações, até as idéias abstratas) assim nasce Bernardo
Soares, muito naturalmente, da lógica particular da produção poética pessoana.”
Não por acaso, Pessoa como
representante máximo do modernismo português é também criador de várias escolas
literárias. Recorrendo ao Intersecccionismo, tenta encontrar a unidade entre a
experiência sensível e a inteligência (“o que sente em mim s´tá pensando”) entre as dialéticas sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sentir/pensar.
O Interseccionismo, que surge
como uma evolução do Paulismo, apresenta-nos o entrecruzamento de planos:
intersecção de sensações ou percepções, de realidades físicas e psíquicas, de
realidades interiores e exteriores, de sonhos e das paisagens reais, do
espiritual e do material, de tempos e de espaços, da horizontalidade com a verticalidade.
A intelectualização do sentimento
para exprimir a arte fundamenta a teoria do fingimento a qual leva Pessoa a
afirmar que fingir é conhecer-se. Encontramos no Interseccionismo o processo de
realizar o Sensacionismo, na medida em que a intersecção de sensações está em
causa e por elas se faz o encontro da sensação com o pensamento. É como se
Pessoa elevasse a um outro nível de realidade poética para dar cabo à conciliação
dos contraditórios. E, neste jogo dialógico, o sujeito poético revela-se duplo,
fragmentado, na busca de sensações que lhe permitam a felicidade pura ansiada,
mas inacessível, levando-o à frustração que a consciência-de-si implica. Não é
a toa que o nicho poético do engenheiro naval Álvaro de Campos incorpora a
vertigem da modernidade e, não por acaso, é o heterônimo que suscitam as nossas
mais íntimas identificações.
Na educação a aceitação do
sentimento no processo de aprendizagem constitui um imenso desafio. Entretanto
ele sempre esteve presente na medida em que só se aprende o que pode ser
“integrado” pela pessoa, onde sua vivência subjetiva encontre espaço.
A negatividade e vacuidade com
que os vários “eus” pessoanos se desdobram e se definem são preenchidas pela
corporalidade de um traçado subjacente que liga a série ininterrupta de
negações, impulsionando um discurso que faz escorrer uma virtualidade que tece
as ausências, solidarizando-as num propósito educacional comum: ressignificar a
importância na ação do educar pela parceira da construção do conhecimento e do desenvolvimento
emocional, essencial para a maturidade do sujeito e para a constituição de sua
identidade.
A negatividade e a vacuidade da
constante reflexão existencial pessoana sobre a identidade humana já foi tomada
como um reflexo do niilismo, herdeiro da passagem do século XIX para o XX e
mesmo até como expressão de um pessimismo poético. Esse enquadramento poético
encontra expressão numa vida sem muitos “acontecimentos”, numa biografia “sem
fatos”, como foi tomada a existência de Pessoa.
Permeando todas as reflexões aqui
intentadas nesta dissertação, a heteronímia é considerada de uma forma diversa,
a saber, como uma potência criadora e ficcional para exatamente superar os
limites existenciais da condição subjetiva humana. Antes de paralisar-se num
enredamento ontológico sem saída é a própria experimentação sensacionista de
sentir-se a ampla gama dos possíveis de nossa humanidade que está em jogo no
exercício heteronímico do fingimento. Reflexo da subversão gramatical quando
podemos à semelhança do amor fati, preconizado por Nietzsche, dizermos: nos somos.
Provocante desafio se considerarmos nosso
cenário contemporâneo dominado pelos suportes tecnológicos e pela desmesura das
informações inassimiláveis que restringem a importância do humano e tornam
prescindíveis as relações interpessoais e, quando muito, são midiatizadas em
sofisticados suportes para tornar possível essa relação subjetiva.
A poesia para Pessoa não deve ser
um espelhamento sentimental do poeta, este deve tomar a impessoalidade como critério de
universalidade. A pedagogia do fingimento se move nos moldes desta
impessoalidade autoral na medida em que propõe acordos fundamentados pelas
subjetividades abertas e plurais. Sê plural como o universo, como afirmou
Campos, se torna imprescindível ao olhar que se propõe o educador. Confluímos o
pensamento na direção em que
“já não podemos aceitar a idéia de aprendizagem como transferência/aquisição de informação; há
uma outra linguagem a adotar, substituindo-se alguns termos: fazer emergir o
sentido em vez de ensinar; caminho de aprendizagem, em vez de método; acoplado,
vínculo, em vez de conhecimento.”
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Fonte:
Rodrigo da Costa Bezerra: “Fernando Pessoa(s): ciência das sensações, pedagogia do fingimento”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.) Natal, 2008.
Fonte:
Rodrigo da Costa Bezerra: “Fernando Pessoa(s): ciência das sensações, pedagogia do fingimento”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.) Natal, 2008.
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