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No Caminho do Desassossego
Cheguei àquele ponto em que o tédio é uma pessoa,
a ficção encarnada do meu convívio comigo.
BERNARDO SOARES
Em 1932, Fernando Pessoa escrevia a
João Gaspar Simões sobre como pretendia publicar a sua obra fazendo uma ressalva
sobre o Livro
do desassossego: Sucede, porém, que o Livro do desassossego tem muita coisa que equilibrar e rever, não podendo eu calcular, decentemente,
que me leve menos de um ano a fazê-lo .1 Passados mais de setenta anos desta
afirmação do autor, esta obra inacabada foi editada e reeditada, por renomados estudiosos
de Pessoa. Cada qual com a sua interpretação pessoal para uma organização
entendida como definitiva, consagrando o Livro do desassossego como a prosa pessoana.
A afirmação de Pessoa já seria
suficiente para que fossem aceitos como definitivos os documentos escritos e
separados em envelopes contidos em sua já famosa arca, como sendo para o Livro do desassossego. É um equívoco também considerar o Livro de a prosa pessoana. Pessoa escreveu muita coisa em prosa. A prosa
desse "indisciplinador de almas"
vai além do Livro do desassossego. Em 1976,
Cleonice Berardinelli organizou e prefaciou um livro ![](file:///C:\Users\IBAMEN~1\AppData\Local\Temp\msohtml1\01\clip_image001.gif)
contendo textos
em prosa de Fernando Pessoa, desde a sua adolescência até o último ano de vida.
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Para editar uma obra é preciso
respeitar o desejo do autor, e Fernando Pessoa continua a existir em seus papéis,
em documentos epistolares e em testemunhos registrados pelos que com ele conviveram.
É preciso lê-lo para compreender e respeitar
a forma final que ele gostaria que fosse dada à sua obra. Ivo Castro3,
esclarece essa questão editorial afirmando que, na verdade, apenas o que o
próprio autor preparou e classificou em definitivo poderiam ser considerados, e
mesmo assim tendo o autor revisto suas provas e acompanhado de perto a leitura
de sua publicação. Não foi este o caso. O Livro do desassossego é marcado pelo modo de trabalho de seu autor, que sempre atribuiu
maior valor à redação do que à publicação
de seus apontamentos. Alguns dos fragmentos pertencentes a esta obra foram
publicados por Pessoa e outros tantos deixados em desordem. Este universo de registros,
legados como testamento pelo autor, colocam sempre em discussão a existência de
uma edição definitiva que Pessoa não pôde ou não quis equilibrar e rever.
Em setembro de 2004, no colóquio Fernando
Pessoa: outra vez te revejo... realizado no Real Gabinete Português de Leitura do
Rio de Janeiro, ![](file:///C:\Users\IBAMEN~1\AppData\Local\Temp\msohtml1\01\clip_image003.gif)
Luiz Fagundes Duarte4,
em sua conferência, discorreu sobre as edições críticas do Livro do desassossego.
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Não vou dizer, é claro, que seja coisa de doidos a já longa
tradição de edições da obra de Pessoa embora
o conhecimento que tenho dos materiais autógrafos do escritor, das hesitações e
incongruências que neles se encontraram, das fortíssimas diferenças que
freqüentemente existem entre a versão final da pequena parte da obra publicada em
vida e os respectivos manuscritos autógrafos ainda conservados (o que por vezes
retira o tapete ao editor, que assim deixa, nas situações de dúvida, de poder
contar com o argumento dos hábitos autorais como guia de bem trabalhar o texto),
do complicado código de sinais gráficos que sabemos que representam intenções
do autor mas que ele não descodificou e que, por isso, para nós pouco mais são do
que marcações de hipóteses, da grande variação de letras e de materiais e suportes
de escrita, das possibilidades de leitura que permitem aos editores, enfim -, mas,
recordando Ravel, conhecer as características dos manuscritos autógrafos de Pessoa,
e arriscar a realização de uma edição crítica e rigorosa da sua obra a partir dos
suportes que a contêm, se não é de tornar o filólogo em doido (já que o verdadeiro
filólogo tem que estar preparado para tudo), é pelo menos uma das maneiras possíveis
de conhecer a obra pessoana: mesmo na imensa confusão em que os deixaram quem pela
primeira vez desfez que esvaziou os envelopes em que o autor os havia arrumado os
papéis autógrafos pessoanos que continuam a ser a partitura onde se encontra a
grande sinfonia de Fernando Pessoa.
Neste parágrafo, Luiz Fagundes
Duarte, sintetizou as grandes questões que se formam em torno do critério utilizado
para editar o Livro do desassossego. E não é à toa que faz essas referências. A partir do legado documental
de Pessoa, do estudo pioneiro feito por Jorge de Sena, passando pela edição princeps de Jacinto do Prado Coelho até a mais recente de Richard Zenith, independente
de suas qualidades, todas apresentaram ao público em geral versões diferentes
de uma mesma obra.
O leitor, cujo interesse está
sobretudo na obra e no autor, dará sempre benefício à dúvida em qualquer edição
que leia. Essas edições formam um cruzamento de justificativas editoriais, cujas
respostas irão de zero a infinito. ![](file:///C:\Users\IBAMEN~1\AppData\Local\Temp\msohtml1\01\clip_image005.gif)
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Interessa a esse leitor saber como e
de que forma cada um dos editores do Livro do desassossego deu substância à decisão do próprio Fernando Pessoa:
A organização do livro deve basar-se numa escolha, rígida quanto possível,
dos trechos variadamente existentes, adaptando-se, porém, os mais antigos, que
falhem à psicologia de Bernardo Soares, tal como agora surge, a essa vera psicologia.
À parte isso, há que se fazer uma revisão geral do próprio estilo, sem que ele
perca, na expressão íntima, o devaneio e o desconexo lógico que o caracterizam.
O desejo de Fernando Pessoa era
fazer um livro desconexo, adaptando alguns trechos que falhassem ao semi-heterônimo
Bernardo Soares, como também a revisão geral do próprio estilo.
Na década de 50, Jorge de Sena
chegou a assumir a tarefa de editar o Livro do desassossego, a partir de um trabalho de pesquisa e cópia dos textos feita por
Maria Aliete Galhoz. Todavia, após entreveros editoriais, acabou por desistir.
Mas o seu estudo é ponto de partida para quem se ocupa do L. do D.. Comum aos seus sucessores,
uma das afirmativas de Sena é o binômio desassossego-Pessoa.
Seria por certo um exagero considerar-se que o desassossego de Fernando
Pessoa estará todo no livro que ele imaginou com esse título, ou no que como Livro
, ele alguma vez chegou a ser. Esta obra fragmentária não é senão mais uma das
suas várias obras por pessoas várias.
A primeira edição do Livro foi a publicada em 1982, organizada por Jacinto do Prado Coelho, a partir do trabalho de pesquisa e de fixação de texto de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Esta publicação é um marco editorial na obra de Fernando Pessoa. Daí vieram novas edições do L. do D. e novos estudos sobre Pessoa.
A fortuna crítica amealhada desde o
afloramento maciço de sua poesia multiplica-se a partir dessa edição princeps e não pára de crescer a polêmica em relação ao autor e à sua obra.
O II Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, realizado em Nashville, em 1984,
teve como tema central o Livro do desassossego. Neste Congresso,
Eduardo Lourenço apontou para a importância dessa edição:
Em boa hora os responsáveis pela existência literária de O Livro do desassossego no-lo ofereceram. Não que a
já conhecida textualidade pessoana tenha esgotado o encanto e o mistério que são
consubstanciais. Mas os teólogos pessoanos,
que todos nós somos um pouco, começavam a moer a mesma farinha e a percorrer, talvez
com excessiva confiança, as veredas imbalizáveis de uma aventura culturalmente terminada.
Parecia ter chegado o tempo de aprender mais (e sobre) quem se ocupa com Pessoa
que sobre o próprio Pessoa, o que sem ser escandaloso até porque é também inevitável remetia (remete) o texto
para o pretexto, a voz que nos interpela e convoca para o discurso que a devora
e apaga.
O ano de 198 foi
marcado por novas edições do Livro do desassossego. No Brasil, Leyla Perrone-Moysés publicou uma edição com 308
fragmentos, em ordenação temática, tal como a portuguesa de Jacinto do Prado Coelho
com uma organização subdividida em tópicos. Perrone-Moysés atribuiu, conscientemente,
à sua edição critérios próprios de estruturação à obra desestruturada de
Fernando Pessoa:
Esta edição do Livro do desassossego é discutível. Como todas, passadas ou futuras, por uma razão ou
por outra. (...) Poderá, isto sim, haver edições mais completas, mais fiéis aos
originais, edições preparadas e apresentadas com todo o aparato crítico que a ciência
textual permite. Mas esta é uma edição voluntariamente incompleta e decididamente
pouco científica. Não é uma edição para especialistas
ou estudiosos da obra de Pessoa; é apenas uma edição corrente, feita para os amadores
do Poeta, que são legião em nosso país.
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No mesmo ano,em Portugal, Maria Alzira Seixo, publicou
o Livro
do desassossego de Bernardo Soares. Igualmente baseada na organização da edição princeps a sua diferença se faz sobretudo pelas sugestões para análise literária
do texto e também pelo apêndice bibliográfico elaborado por José Blanco. A sua
organização foi feita com a seleção de 200 fragmentos dos dois volumes da
edição de 1982, formando, pois, uma antologia capaz de dar uma compreensão
geral da obra. É uma edição menos erudita e com menor aparato crítico, voltada
para um público iniciante, mais precisamente de estudantes do Portugal dos anos
80.
Em 1990, Teresa Sobral Cunha publica a sua edição do afamado Livro. A sua organização foi pautada nas centenas de textos desconexos
inéditos e éditos que Pessoa deixou em sua arca. Sobral Cunha publica o Livro do desassossego como dois livros de dois autores; o semi-heterônimo Bernardo Soares
e o heterônimo Vicente Guedes. Do seu ponto de vista, baseada em sua investigação
nos documentos históricos, há a evidência clara de que Pessoa tinha mais do que
um livro, isto é: o percurso possível de um livro, fiel, até o fim, ao estádio
incipiente ('em preparação') de que partiu, e em manifesta homologia com quem,
falando do destino próprio, negou a evolução, mas não a viagem .
A idéia de que Pessoa tivesse como
projeto um título para dois livros e não apenas um já estava contido no estudo
de Jorge de Sena:
É que o livro a que pertence o trecho de 1913 não é, todavia, o
mesmo a que pertencem os outros mas um dos núcleos de que, como de
outros projetos iniciais, brotou o Fernando Pessoa verdadeiramente grande e liberto
de ![](file:///C:\Users\IBAMEN~1\AppData\Local\Temp\msohtml1\01\clip_image008.gif)
esteticismos a que, no entanto, devera a consciência de si mesmo como
artista, que primeiro adquiriu. A transformação do Livro
do desassossego é, pois, da maior importância
para distinguirmos a transformação do Pessoa esteticista e simbolista, no
grande modernista que ele foi.
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Em 1998, Richard
Zenith publica
a sua versão do Livro do desassossego. Para além de consultar os manuscritos da obra de Pessoa, Zenith teve
a possibilidade de acrescentar à sua organização os estudos prestimosos das edições
anteriores. Em sua introdução, defende que o Livro não existe
materialmente, o que existe é a sua subversão e negação, o livro em potência, o
livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-desespero, o antilivro, além de
qualquer literatura. Esta organização de Richard Zenith desafia o leitor a um suposto quebra-cabeça
sem solução. Cada leitor
pode montar um Livro do desassossego pessoal. Esta proposta já havia sido eliminada por Jacinto do Prado
Coelho em sua Nota sobre a Ordenação do Texto:
A ordem aleatória da inventariação do espólio literário de Fernando
Pessoa parece-me de rejeitar in limine, já que, desorientando a leitura, obrigaria cada leitor
a fazer ele próprio uma montagem¸ um jogo de puzzle que, além de penoso, exigiria
um poder de construção de que só disporiam leitores privilegiados.
A organização dessas edições do L. do D., sobretudo as realizadas por Jacinto do Prado Coelho, Teresa Sobral
Cunha e Richard Zenith formam um estudo à parte do estudo do próprio Livro. Leyla Perrone-Moysés e Maria
Alzira Seixo são claras, nas introduções ao livro, no interesse para o qual se votam
suas edições. Para se conhecer como se concretizaram os conceitos ![](file:///C:\Users\IBAMEN~1\AppData\Local\Temp\msohtml1\01\clip_image003.gif)
dados ao livro
é necessário se considerar três pontos: a autoria, o corpus e a organização do texto.
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Fonte:
Ana Cristina Comandulli da Cunha: “Memorial do Desassossego: Breve história da edição do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa”. (Dissertação deMestrado em Literatura Portuguesa apresentada ao Conselho dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor José Clécio Basílio Quesado. Co-Orientadora: Professora Doutora Gilda da Conceição Santos). UFRJ / Faculdade de Letras 1º semestre de 2005
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