10/06/2024

Tomás Antônio Gonzaga e a história intelectual portuguesa


TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA E A HISTÓRIA INTELECTUAL PORTUGUESA
Gonzaga e sua participação na Universidade de Coimbra

Embora interessem mais fatos ocorridos entre 1763 a 1768 quando ainda era aluno da Universidade de Coimbra, far-se-á aqui uma rápida menção sobre sua vida desde o nascimento até a morte de Gonzaga. Ele nasceu em 11 de agosto de 1744, em Miragaia, freguesia da cidade portuguesa do Porto, filho do magistrado carioca João Bernardo Gonzaga e da portuense Tomásia Isabel Clarque. Sua mãe morreu aos 37 anos, antes que o menino completasse um ano. Em 1752, transferido para Recife, como Ouvidor-Geral, o pai de Tomás mudou-se para o Brasil e enviou-o para Salvador, onde estudou no Colégio da Companhia de Jesus.

Gonzaga retornou a Portugal em 1761 e no ano seguinte matriculou-se na Universidade de Coimbra. Formou-se em Direito em Coimbra em 1768. Foi nomeado Juiz de Fora em 1779 para atuar em Beja. Retornou ao Brasil em 1782 como Ouvidor da Comarca de Vila Rica, em Minas Gerais. conheceu Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, jovem de 17 anos, celebrada em suas liras sob o pseudônimo de Marília, compostas em sua primeira parte durante os anos de 1783 e 1784. Neste ano, começou o litígio entre Tomás Antônio Gonzaga e Luís da Cunha Meneses, Governador de Vila Rica acusado pelo magistrado em queixa enviada à rainha de Portugal, em 8 de abril. No ano seguinte, Gonzaga foi acusado por Cunha Meneses de praticar extorsões à real Fazenda.

Em 1786, Gonzaga é nomeado Desembargador da Relação, na Bahia, entretanto permaneceu em Vila Rica. A partir de 87, circularam em Vila Rica as Cartas Chilenas, poemas satíricos anônimos em que um certo Critilo escreve a Doroteu, criticando os desmandos e a má administração do Governador Fanfarrão Minésio, do Chile, cuja autoria é indicada por estudo filológico de Rodrigues Lapa como sendo de Gonzaga. Em 21 de maio de 1789, foi preso por ordem do novo Governador Visconde de Barbacena, sob a suspeita de envolvimento na Inconfidência Mineira. Foi enviado ao Rio de Janeiro e ficou aprisionado na fortaleza da Ilha das Cobras, onde se supõe ter continuado a escrever suas liras. Foi condenado em 1792 a dez anos de degredo em Moçambique, onde reconstruiu sua vida e ficou até a morte. Casou-se em 1793, com Juliana de Sousa Mascarenhas, herdeira de grande fortuna obtida com o tráfico negreiro. Em 1806, foi nomeado procurador da Coroa e Fazenda de Moçambique e, em 1809, foi promovido a Juiz da Alfândega. Morreu em 1810.

Quando Gonzaga retornou a Portugal em 1761, Lisboa ainda estava arruinada devido ao terremoto de 1755 e o Marquês de Pombal queria erguer uma cidade moderna, sem o acordo da população. Havia muita gente desabrigada, a cidade cercada de lama e miséria. O ministro era  conhecido  por  Cabeleira  e  não  deixava  nenhuma  casa  ser reconstruída sem a sua aprovação. Viam-se então fidalgos e burgueses desabrigados.

Em Portugal, Gonzaga ficou sem o seu escravo, pois “uma portaria de 19 de setembro do Conde de Oeiras determinava que fossem considerados livres todos os escravos que pisassem a terra da metrópole. Se o ex-escravo continuou com o antigo amo como criado, é fato irremediavelmente perdido na história” (GONÇALVES 1999: 53).

Coimbra naquela época era um foco de irrequietação e de vanguardismo culturais. Verifica-se que, em 1760, a instrução secundária passou por reforma, com a criação de classes de ensino de Gramática Latina e Retórica em todas as comarcas e o ensino foi proibido a quem não estivesse autorizado oficialmente a fazê-lo. Interessante notar que se Gonzaga não passou pela Universidade de Coimbra durante o período de inovações, a chamada Reforma da Universidade, algumas mudanças pôde sentir: 

A reforma chegaria à universidade em 1772, numa época em que Gonzaga estava longe de Mondego havia quatro anos. Por isso, a Universidade de Coimbra que o poeta frequentou foi aquela que ainda se regia pelos estatutos reformados ao tempo de dom João III, embora algumas mudanças se fizessem sentir. Uma delas vinha de 1759, quando a Secretaria de Estado dos Negócios do reino baixou as famosas Instruções que, entre outras medidas, determinavam que ninguém fosse admitido a matricular-se na Universidade de Coimbra, “em alguma das ditas faculdades maiores” teologia, Cânones, Leis e Medicina -, sem fazer exame de Retórica. Essas normas, porém, nem sempre foram cumpridas. Nos exames de admissão, os professores, geralmente, pediam aos alunos que falassem sobre Virgílio, Horácio e outros autores da Idade de Ouro e, não raro, exigiam períodos no idioma do Lácio, com trechos decorados dos Diálogos, de Luís Vives. E tudo com brevidade e perspicácia, como convinha.

De qualquer modo, era uma universidade mais arejada aquela que recebeu Tomás Antônio Gonzaga por cinco anos. Tanto que, em 1768, ano em que o poeta se despediu do Mondego e da vida estudantil, Carvalho e Melo mandou prender o bispo de Coimbra, dom Miguel da Anunciação, que havia publicado uma pastoral em que condenava vários livros de autores contemporâneos. A Real Mesa Censória, manobrada pelo ministro, acusou o bispo de heresia e mandou queimar publicamente a pastoral. O prelado foi encerrado na masmorra da Junqueira e de saiu depois da queda do ministro. (GONÇALVES 1999: 60) 

Segundo Gonçalves (1999: 58), tanto Gonzaga quanto seu pai foram maçons e a Universidade de Coimbra os influenciaram notoriamente. Se não ocorreu a sua iniciação na maçonaria em Coimbra, foi à beira do Mondego que ela se deu, pois leu: 

Voltaire, Euclides, Cervantes, Newton, Lineu, D’Alembert, Hobbes, Toscanelle, Cícero, Molière, Ovídio, Shakespeare, Rabelais, Bezout, Horácio e outros. Esses livros circulavam livremente entre alguns estudantes, embora o atraso dos estudos superiores fosse enorme, fruto de uma mentalidade excessivamente retrógrada: em 1772 seriam promulgados os novos estatutos da universidade, em substituição aos que vinham ainda do tempo de dom João III. (GONÇALVES 1999: 56-57) 

Verifica-se que Gonzaga recebia influências fora da Universidade, uma vez que teve contato com obras proibidas por muitos professores. Vale salientar que os maçons daquele período encontravam-se para discussões acerca das novas ideias iluministas, o que supõe a participação de Gonzaga nesses encontros por haver tantas menções em seu Tratado de Direito Natural de filósofos e jusnaturalistas:

Os maçons naquele tempo colocavam em causa o Deus tradicional e os dogmas da religião católica. Além disso, distinguiam-se pela maneira de estar no mundo, em contraste com a maioria de uma população mergulhada no obscurantismo. Havia entre esses maçons ampla tolerância de costumes, como ligações extramatrimoniais, recusa ao jejum e à abstinência, leitura de livros proibidos pela Igreja Católica e a discussão de uma nova moral. (GONÇALVES 1999: 57) 

Observa-se, portanto, que não foi somente a participação na maçonaria como também a frequência à Universidade que levou Gonzaga a perceber a nova questão ideológica que dominava todos os intelectuais que eram estudantes da Universidade de Coimbra. Assim, pode-se supor que Gonzaga participou de grêmios secretos, organizados pelos iluministas. Os estudantes eram influenciados pelo Iluminismo católico de Verney e outros escritores franceses e ingleses.

A Universidade em 1767 tinha quarenta e três brasileiros que a frequentavam. Gonzaga se tornou amigo de Domingos Caldas Barbosa, nascido no Rio de Janeiro, poeta satírico. Ambos entraram em 1763, mas Barbosa sai antes, depois de ter cursado Leis e Cânones. Outro contemporâneo de Gonzaga em Coimbra foi o baiano Manuel Coelho de Carvalho, que freqüentou a Universidade de 1764 a 1768. Quando foi para a Universidade já levava estudos de Filosofia e Teologia e já era mestre de Retórica.

Tomé Joaquim Gonzaga Neves, primo de Gonzaga, estava no ano, quando este se graduou. Quem realmente era amigo de Gonzaga era Silva Alvarenga que o acompanhava nas andanças por Coimbra, mas foi embora em 3 de fevereiro de 1767.

Gonzaga fez seu ato de conclusões em maio de 1765. Em 6 de junho do ano seguinte, foi aprovado bacharel nemine discrepante. Em março de 1768, tornou-se doutor, depois de ter obtido, em 12 de fevereiro, outra aprovação nemine discrepante. Saiu com o título de bacharel formado, que permitiria o exercício profissional da advocacia e o acesso à magistratura. Deixou Coimbra com 23 anos, gostava da Antiguidade e tinha predileção por Virgílio, pois considerava a sátira uma forma de gênero épico. Cultivava Camões e Miguel de Cervantes, leu Dom Quixote. Em Coimbra gostou dos gêneros teatrais.

Gonzaga estava em Lisboa em 1770, quando numa fogueira, ateada no Terreiro do Paço, foram queimadas obras de Voltaire, Bayle, Rousseau, abade Raynal, Boulanger e La Mettrie, consideradas as mais nefandas pela Real Mesa Censória que via em seu ateísmo e materialismo uma ameaça à religião. Talvez esse seja o motivo de Gonzaga acalentar em 1773 a ideia de virar professor da Universidade de Coimbra, inscrevendo-se com a sua obra Tratado de Direito Natural, para defender ideias que já estavam consagradas nessa época. Talvez fosse perigoso defender ideias mais recentes. Gonçalves nos diz que a época era contraditória: 

a prática ilustrada do pombalismo sempre haveria de se mover entre avanços e recuos em relação ao antigo e ao moderno. Não há como deixar de admitir que o advogado só passou a sonhar com o prestígio que uma cátedra na universidade lhe poderia dar porque, tempos antes, entusiasmara-se com as intenções da Reforma Pombalina. A rigor, os efeitos da reforma começaram em 1770, no mesmo ano em que as chamas da intolerância ardiam livros no Terreiro do Paço. Naquele ano, o ministro Carvalho e Melo criou uma Junta de Providência Literária para examinar as causas da decadência dos estudos superiores. Em 1771, a Junta apresentou o resultado de seu trabalho e, no ano seguinte, promulgaram-se os novos estatutos da universidade. (1999: 72)

O Marquês deu um entusiasmo para os cultos que vislumbravam a recuperação do reino, pois muitos acreditavam que os jesuítas tinham arruinado a literatura em Portugal. Isso fez com que Gonzaga pensasse em abandonar a sua banca em Lisboa para apresentar-se em 1773 como candidato à cadeira de Direito pátrio como se pode ver no ANTT, Leitura de Bacharéis, letra T, maço 1, doc. 14: 

Pascoal José de Melo Freire dos Reis, deputado do Santo Ofício da Inquisição de Coimbra, desembargador da relação do Porto, e lente substituto da cadeira de Direito Pátrio, atesto que o Dr. Tomás Antônio Gonzaga se matriculou no Livro respectivo dos Opositores da Faculdade Jurídica da Nova Reforma e Fundação da Universidade e como tal satisfez as condições que lhe eram impostas. Lisboa, 20 de setembro de 1778. (GONÇALVES 1999: 73) 

Para ser recomendado e visitador da Universidade, Gonzaga exerceu a arte que fracassou, ao escrever o livro Direito Natural acomodado ao estado Civil católico.4 Gonzaga queria então ser professor na Universidade de Coimbra, revelando-se um pombalista na sua dedicatória do seu Tratado de Direito Natural, sustentando também o regalismo: 

Oferecido ao Ilmo e Ex.mo Sr. Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês do Pombal, do Conselho de sua Majestade Fidelíssima e seu Ministro de Estado, alcaide-mor de Lamego, senhor donatário das vilas de Oeiras, Pombal, Carvalho e Cercosa e dos reguengos e direitos reais de Oeiras, comendador de Santa Maria da Mata de Lobos e de S. Miguel das Três Minas, na ordem de Cristo, etc.,etc.

Por TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA
Opositor às cadeiras na Faculdade de Leis, na Universidade de Coimbra (GONZAGA 1957: 09). 

Vale salientar que a dedicatória a um governante era algo tácito no período. Gonzaga não consegue esconder o entusiasmo pela Reforma Pombalina que o levou a escrever um soneto devido ao fato de querer entrar para o serviço régio. O soneto, que nada acrescenta a sua obra, está dedicado “ao ilustríssimo e excelentíssimo senhor Marquês de Pombal, reformulando a Universidade de Coimbra” e está presente no livro Marília de Dirceu e mais poesias de Tomás Antônio Gonzaga, 1982, Parte 3, Lira 25:
Vós fizestes da vossa pátria e glória;
por vós hoje é feliz a humanidade:
que dignos sois de uma imortal história!
Cesse, cesse porém vossa vaidade;
Que basta a escurecer vossa memória
Um Carvalho, que adora vossa idade. (GONÇALVES 1999: 73-74) 

Gonzaga, com 30 anos, e com as duas obras queria a vaga de professor da Universidade de Coimbra e também ver o seu nome em letra de imprensa. Porém, Pombal não autorizou a impressão do livro e o candidato não teve aprovação dos doutos examinadores. O manuscrito se conservou entre os papéis do arquivo pombalino, até a queda do ministro em 1777: “A partir daí, o próprio Gonzaga seria o primeiro a querer que o manuscrito ficasse para sempre esquecido. E, de fato, ficou sepultado no arquivo da Universidade de Coimbra até que, no final do século passado, Teófilo Braga o descobrisse” (GONÇALVES 1999: 74).

Interessante salientar um detalhe importante demonstrado por Gonçalves: 

Depois de citar Grócio, Heinécio e Pufendorf – autores adotados em Coimbra após a reforma dos estatutos da Universidade por Carvalho e Melo em 1772 Gonzaga, no Tratado, acusa Lutero e Calvino de “monstros da impiedade”. Para ele, a romana era a verdadeira Igreja de Cristo, não passando as demais de “sinagogas do Anticristo”. É um bacharel que não tomara ainda conhecimento do Contrato Social, de Rousseau, publicado em 1762, nem tampouco das ideias de John Locke de um século antes, embora seja possível imaginar o contrário: afinal, Gonzaga não seria ingênuo a ponto de argumentar com base em autores cujos livros haviam ardido na fogueira da Real Mesa Censória poucos anos antes. Fosse como fosse, o Gonzaga que se percebe no tratado é um autor contrário à tendência revolucionária que, então, germinava. E, portanto, inimigo das liberdades individuais, um pensador para quem o homem seria uma criatura pervertida que precisa ser freada pelo bridão da autoridade. (1999: 74) 

Em Tratado de Direito Natural, Gonzaga afirma a superioridade do Direito Pátrio, ao lado do Direito Natural e das Gentes, primordiando a razão, que é o exemplo das nações cultas e civilizadas: 

Aparece, portanto, como defensor do Iluminismo, principalmente quando ousa afirmar que ‘todos os homens são iguais e têm direito a que outro não os sujeite’. Ou quando sugere que não se deve conceder aos monarcas o poder sobre a vida dos vassalos, ficando a tarefa de se administrar a justiça aos magistrados. (GONÇALVES 1999: 75) 

Há, pelos escritos de Gonçalves, uma contradição na escrita de Gonzaga: em alguns momentos foi totalmente monárquico, em outros, iluminista. É algo que permite lembrar das palavras de Martins (1992) que diz que Gonzaga era um oportunista, pois não só contemplava os interesses de Pombal como tratava de colocar o rei acima de tudo. O oportunismo fica claro também no fato de Gonzaga demonstrar novas formas de pensamento, exatamente o que o Primeiro Ministro defendia.

Percebe-se, portanto, que Pombal não era ingênuo. Quanto à recusa da candidatura de Gonzaga, nota-se que ele não foi sozinho: “todos os candidatos que obedeceram ao novo regimento e apresentaram teses para obter o acesso às nomeações de lentes substitutos foram preteridos” (GONÇALVES 1999: 76). Alguns foram até perseguidos pelas suas ideias. Por outro lado, talvez seja possível explicar o fracasso de Gonzaga por outro ângulo: 

Não se pode esquecer, porém, que a adoção, no estudo jurídico, de novos livros de autores como Grócio, Pufendorf e Heinécio “e outros hereges”, todos citados por Gonzaga, provocou grande polêmica e muitas críticas em Coimbra. E que, talvez, o Tratado de Direito Natural tenha sido vítima das próprias brigas intestinas que ocorriam entre os grupos que disputavam o poder na Universidade de Coimbra. (GONÇALVES 1999: 76) 

Segundo Gonçalves, existe a possibilidade do Tratado de Direito Natural de Gonzaga nunca ter chegado às mãos do Marquês de Pombal, pois ele foi encontrado em vernáculo e não em latim, língua obrigatória à época para livros e teses (1999: 76). Pode-se considerar que o Tratado de Direito Natural foi um trabalho de horas perdidas: 

Não se deve imaginar que, ao consumir mais de um ano na elaboração do Tratado de Direito Natural, Gonzaga estivesse sempre, ao escrever, disposto a iludir a férrea vigilância do onipotente ministro e seus áulicos. Mesmo que quisesse, não o conseguiria. Sempre colocou muito de si em tudo o que escreveu. Foi aquele, portanto, um trabalho inútil, de horas perdidas. Teve mesmo de continuar como advogado em Lisboa. De Coimbra, nunca receberia resposta. (GONÇALVES 1999: 77) 

Até 1775, Gonzaga ainda ficava esperando a resposta de Coimbra, mas não alimentava esperanças. No Brasil, vários escritores fizeram sonetos em comemoração a estátua de D. José I, mas Gonzaga nada escreveu, talvez percebia o despotismo do velho Marquês: 

Por essa época, era mesmo difícil continuar a acreditar naquele ministro que levava ao extremo o seu gosto pela crueldade. Pelo menos quatro mil homens de pensamento já haviam passado pelas masmorras a mando de Carvalho e Melo. Outros tantos haviam sido eliminados de maneira trágica. E, por aqueles dias, mais um espetáculo de barbaridade e selvageria teria lugar na Junqueira.

Foi no dia 11 de outubro de 1775 que o pintor genovês João Batista Pele, morador em Lisboa, teve as mãos decepadas e o corpo esquartejado, depois de ter sido amarrado pelos braços e pernas a quatro cavalos. Pele era acusado de planejar a colocação de uma bomba na carruagem que conduziu Pombal desde a Ajuda até o Terreiro do Paço no dia da inauguração da estátua. Se o espetáculo desagradou ao advogado Gonzaga, não se sabe... (GONÇALVES 1999: 78)

Em menos de dois anos, Tomás Antônio Gonzaga havia abandonado as ideias expostas em seu Tratado de Direito Natural e viu o Marquês em 1777 ser retirado do poder que durou 22 anos. Com a morte de D. José, sua filha Maria I o sucedia. Foi chamada de Piedosa pelos portugueses e de Louca pelos brasileiros. Pombal foi chamado de corrupto e nunca explicou a origem de sua vasta fortuna. Alguns ministros de Pombal permaneceram no poder como: 

Martinho e Melo e Castro, secretário de estado dos Negócios do Ultramar e Marinha desde 1770, e Aires de e Melo, dos negócios estrangeiros. Em março de 1777, dom Pedro José de Noronha, 3º Marquês de Angeja, era designado ministro assistente do despacho e presidente do Real Erário e Tomás Xavier de Lima Brito Nogueira Teles da Silva, 14º Visconde de Vila Nova da Cerveira, assumia a Ministério do Reino, que compreendia as pastas da Justiça e da Fazenda. (GONÇALVES 1999: 79). 

E à nova ordem, saíram versos bajulatórios, entre eles o que Gonzaga escreveu: “Congratulação com o povo português na feliz aclamação da muita alta e poderosa soberana d. Maria I, nossa senhora”. Observe-se a citação a seguir e a mudança do comportamento de Gonzaga: 

No poemeto, o admirador de Grócio, Heinécio e Pufendorf, que exaltara a obra de cesarismo de dom José I no Tratado de Direito Natural, agora já aparecia como entusiasta das idéias dos enciclopedistas, defensor das liberdades civis e antimilitarista, qualidades que se acentuariam nos anos seguintes. Gonzaga louva os governantes que sabem impor-se por suas virtudes e pelo respeito dos direitos dos seus súditos e defende as medidas adotadas pela soberana no restabelecimento da justiça interna. (GONÇALVES 1999: 79)

Verifica-se que Gonzaga herdou a vocação jurídica do pai e do avô e os anos como advogado o teriam levado para a oposição às arbitrariedades cometidas pelo antigo tirano contra o princípio do Direito: 

No poemeto, transparece também um pouco da mágoa por não ver reconhecido os seus méritos para a carreira no magistério. E por ter sido seu pai relegado ao ostracismo na carreira judiciária, tantos anos como desembargador na relação do Porto, talvez vítima de intrigas. 

Eu vejo que, movida da clemência,
Tomando o justo amparo da inocência,
Com suas mãos formosas, mas potentes,
Desfez masmorras e quebrou correntes.
Eu vejo que, atendendo aos justos brados
De ilustres, abatidos magistrados,
Outra vez os levanta à honra antiga,
Da qual dos despojou a infame intriga.
(GONÇALVES 1999: 80) 

após a queda de Pombal é que Gonzaga conseguiu um lugar de Letras e que seu pai, com 68 anos, foi promovido à casa da Suplicação de Lisboa, em novembro de 1778.

 

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Fonte:
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO: “O IDEÁRIO GONZAGUIANO NA OBRA TRATADO DE DIREITO NATURAL” (Tese apresentada ao curso de Pós- graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina). Londrina, setembro de 2008.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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