10/06/2024

A história intelectual de Portugal


A HISTÓRIA INTELECTUAL DE PORTUGAL 

Transformações em toda a Europa agitaram a segunda metade do século XVIII. No campo ideológico assinala-se como acontecimento fundamental à instalação do pensamento enciclopédico de D’Alembert, Diderot e Voltaire, ocorrida em 1751 que se pode dizer foi o que culminou com a Revolução Francesa (1789). Tratava-se do Iluminismo francês que se baseava na Razão e no culto das ciências.

Portugal conseguiu acompanhar esse fluxo de mudanças graças ao apoio dado por D. João V a Luís Antônio Verney (1713-1792) que publica a obra Verdadeiro Método de Estudar em 1746. Nesta obra, Verney propõe a reforma geral do ensino superior em Portugal tendo por base as ideias iluministas. Em consequência a Universidade transformou-se.

A partir de 1759, os jesuítas são expulsos, a escolaridade vai se tornando laica e o grande influente foi o Marquês de Pombal (1699- 1782), ministro de D. José I que sucede a D. João V e reina até 1777. Pombal promoveu medidas que tendem a colocar Portugal no nível da cultura europeia, especialmente à francesa e incrementa a instalação do ideário iluminista. Em lugar de Verney coloca o pedagogo Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782-3). A Universidade, com a importação de professores estrangeiros, conhece uma fase de intensa atividade científica e filosófica. O dinheiro que vinha das Minas do Brasil possibilitou em Portugal a construção da Biblioteca da Universidade de Coimbra, começada em 10 de maio de 1712 e terminada em 1728. Foram compradas obras de Francisco Barreto, de Pe. Le Rue (Paris), de João Baptista Lerzo e de Lucas Seabra da Silva, só que tudo isso foi retirado em 1772 com a Reforma e a introdução das ideias francesas.

O reinado de D. João V (1707 a 31 de julho de 1750) dividiu-se em dois períodos: um sob a influência dos jesuítas, até 1742 e o outro pelo domínio de Fr. Gaspar da Encarnação que afastava a interferência jesuítica. Os jesuítas, querendo manter-se no poder, solicitaram ao rei D. João V que mandassem vir de Itália os dois jesuítas Pe. Domingos Cappace e o Pe. João Baptista Carbone para fundarem em Portugal o ensino da matemática. O Pe. Carbone tornou-se mentor político do monarca por 28 anos, impedindo que entrassem em Portugal as doutrinas de Bacon, como revelou em carta Jacob de Castro Sarmento  que foi encarregado pelo rei para a tradução do Novum Organum Scientiarum. Os jesuítas tinham um método formal e imutável, típico e tradicional, tinham cristalizado o Ratio Studiorum de 1588.

No período do domínio jesuítico, Portugal não tinha parlamento, o povo não tinha terra, o trabalho mecânico era considerado degradante, a instrução pública era dada pelos jesuítas, o espírito crítico apagava-se ante a espionagem do Santo Ofício, que o expulsava nas fogueiras dos autos-de-fé, a realeza era respeitada pelo terror das forcas e a aristocracia prostituía-se galantemente. Tratava-se de um povo sem opinião, submisso a um regime que corta toda a manifestação do pensamento acerca dos atos do governo, os espetáculos eram desviados das causas públicas, as ideias eram consideradas como perigo social, tudo impelia para a degradação.

A cultura humanística dos jesuítas conservava Portugal afastado do movimento intelectual europeu, mas havia Jacob de Castro Sarmento, em Inglaterra, Luís Antônio Verney, em Roma, Francisco Xavier de Oliveira, na Holanda e o Doutor Ribeiro Sanches, em França que compreenderam a necessidade de abrir-se para as correntes da civilização moderna. Para renovar a intelectualidade portuguesa, o Conde de Ericeira promovia junto de D. João a resolução oficial de mandar traduzir para o português o Novum Organum Scientiarum, embora o influente Pe. Carbone tentasse impedir.

Essa ideia de liberdade de pensamento começou-se a fortalecer no século XVIII e surgiu uma associação de livres-pensadores chamada Club de l’Entresol (sobreloja). Era um grupo que expunha suas opiniões sem medo de se comprometerem, pois todos se conheciam.

Importante ressaltar que Verney (1738-1798) escrevia cartas anônimas, assinando como Frade Barbadinho, atacando os jesuítas e dando base concreta para a reforma pedagógica pombalina. Ele analisou os livros dos seis métodos de ensino dos jesuítas. Escreveu o Verdadeiro Método de Estudar demonstrando o atraso das escolas em Portugal, perto do conhecimento da Europa. Verney tinha uma cultura enciclopédica, o que dava a sua crítica um intuito de reforma. Sua obra é documento histórico das formas do ensino jesuítico em Portugal, expondo o absurdo de se estudar tanta gramática e latim e suas regras. Era ensinada a gramática de Pe. Manuel Álvares e outros livrinhos. A retórica era ensinada por cadernos manuscritos do Pe. Cipriano Soares, de Pomey e Juglar, em exercícios de recitações pedantes.

O livro de Verney provocou extraordinária reação por parte dos jesuítas que atacaram o Frade Barbadinho. Só que Pombal, nas Instruções Régias de 1759, mandou adotar nas aulas públicas um resumo do Novo Método. Pode-se concluir que as reformas da instrução pública, feitas em 1770 pelo Marquês de Pombal, tomaram por base o Verdadeiro Método de Estudar. que em 1768, Verney queixou-se a um amigo da Congregação do Oratório da falta de reconhecimento pelo seu trabalho.

Verney esperava então receber pelo seu trabalho, como D. José havia prometido. Escreveu para Pombal pedindo a sua importância, mas Pombal não lhe responde. Só em 1768 (13 de abril) é que foi nomeado secretário régio para servir a corte com o ministro Almada. Foi ainda nomeado para a Mesa da Consciência e Ordens em 11 de setembro de 1790. Faleceu em Roma, em 1792.

Também, salienta-se a obra a Arte de Furtar de Alexandre Gusmão como o texto que critica a sociedade. Trata-se de uma obra que reflete a corrente antijesuíta e afirmações de regalismo. Vale salientar que quanto ao reinado, D. João V morreu em 31 de julho de 1750, Alexandre de  Gusmão atua até 1758 e foi considerado por Fr. Fortunato de S. Boaventura, no seu livro Subsídios para a História Literária de Portugal, como o melhor prosador da primeira metade do século XVIII.

Neste período, Portugal tinha livres pensadores, entre eles: Francisco Xavier de Oliveira e Antônio da Costa, ambos escreviam cartas que impulsionaram a emancipação mental da geração que formou a enciclopédia. Francisco Xavier de Oliveira (1702-1783) apresentou revolta de consciência e curiosidade de espírito, saiu então de Portugal. Escreveu Discours Pathétique em 1756 e estudou no Colégio dos Jesuítas e admirava o Pe. Antônio Vieira. O antagonismo entre a Companhia e a Inquisição refletiu no seu espírito, sentindo-se incompatível com as barbaridades monstruosas do Santo Ofício. Suas Cartas foram proibidas em Portugal, por Frei Manoel do Rosário. Estas Cartas tinham o livre- pensamento da Holanda. O Cavaleiro de Oliveira, como era conhecido, teve relações com o ministro, mas algo os separava. o Cavaleiro de Oliveira detestava e combatia a Inquisição como causa da ruína de Portugal e era admirador dos Jesuítas. Já, Sebastião José de Carvalho tinha essa visão invertida, pois expulsou os jesuítas e deu oficialmente o tratamento de majestade à Inquisição. Em 1761, a Inquisição queimou em praça pública o Pe. Gabriel Malagrida e como o Cavaleiro de Oliveira estava na Inglaterra, seu retrato foi queimado, ou como se diz, queimado em estátua.

Antônio da Costa inspirou Voltaire a liberdade de pensamento e a Pope a oração Universal e escrevia com grande liberdade de amores. Falava sempre sobre tudo que aprendia, por isso teve que sair rápido de Portugal. Dizia claramente que os portugueses não sabiam nada de arte, porque não a conheciam. O que o fez sair de Portugal foi o seu caráter isento e inconciliável. Permaneceu em Roma por algum período, mas em  1760 teve que sair, pois Pombal forçou a saída de todos os portugueses de Roma. Em Viena, ficou sabendo das reformas do Marquês de Pombal.

Ao lado dessa intelectualidade portuguesa convivia a religiosidade da Companhia de Jesus que se concentrava na instrução pública e foi interrompida no século XVIII. Para esclarecer esse fato, é importante observar as condições sociais em que se realizou a queda dos Jesuítas.

Salienta-se que o estabelecimento da Companhia coincide com a decadência da monarquia portuguesa. Para a desgraça de Portugal, os jesuítas e a influência estrangeira entraram nesta nação ao mesmo tempo. O que se percebe é que sempre a responsabilidade dos acontecimentos recai sobre aqueles que exercem o poder que em Portugal pertenceu aos jesuítas da Companhia, de 1540 a 1750. O ministro culpa os jesuítas da decadência das instituições e da nação portuguesa. No duelo com a Companhia de Jesus, Pombal redigiu a Dedução Cronológica e analítica dos estragos jesuíticos, para assim fundamentar perante os países europeus o que ele praticava na nação. Para que ocorressem as mudanças, Braga deixa registrado que: 

A primeira consequência do grande acontecimento da expulsão dos Jesuítas foi a necessidade imediata e inadiável de suprir e reformar o Ensino Médio, depois de fechados os seus colégios, e de proceder a uma reforma da instrução superior ou universitária, tratando por último da criação de escolas populares. Eis como surgiu o problema pedagógico moderno. O grande ministro atacou o problema de frente; sob os aspectos prático e teórico, urgia criar receita para pagar aos mestres, que não podiam ser gratuitos como ardilosamente eram os jesuítas, e determinar as disciplinas que deviam constituir a instrução secular dos cidadãos. A superioridade do ministro revela-se no alto interesse com  que acudia a todos os trabalhos pedagógicos para a reforma integral. (BRAGA 2005: 112). 

A expulsão dos jesuítas era um fator importantíssimo para a Reforma da Instrução Pública em Portugal. Pombal incomodava-se muito com as opiniões emitidas acerca do seu governo, criando por decreto de 17 de agosto de 1756 um Juízo Camarário que acabou por causar a morte de um poeta da Arcádia, Correia Garção. Mas, pior do que o Juízo Camarário, forjaram-se leis da imprensa em Portugal feitas por ministros liberalistas, para impedir que se desvendassem os roubos dos governos de bacharéis.

Quanto à reforma da instrução pública, os literatos esperaram receber do impetuoso ministro a proteção oficial para a literatura, como se viu nas homenagens servis que lhe dirigiu a Arcádia Lusitana. O ministro desprezou-os e serviu-se dos que podiam defendê-lo como na: Tentativa cronológica do Pe. Antônio Pereira ou no Compêndio Histórico e Dedução Cronológica. O Marquês de Pombal não permitia esta liberdade mental da crítica, prendia os poetas como Garção e proibia a entrada das obras dos enciclopedistas, pelos editais da Mesa Censória.

Pombal teve como argumento o terremoto de 1755 para poder investir com a ditadura, tanto nas reformas políticas, econômicas, industriais e pedagógicas, procurando identificar Portugal com as Nações cultas do século XVIII.

Com a queda de Pombal, as perseguições políticas se encerraram, mas as religiosas começaram, criando-se a Mesa Censória para o exame e censura dos livros, cuja entrada estava sob a responsabilidade do intendente da polícia Pina Manique:

Introduziram-se por este tempo em Portugal as obras de João Jacques Rousseau, de Voltaire e de outros seus sequazes, cujas opiniões arriscadas e libertinas mascaradas com o evangelho, inoculavam a liberdade e a indifferença nas matérias de fé e de religião. Doutrinas abraçadas pelos philosophos modernos, que se denominavam Espíritos fortes e iluminados, e que se jactam de só elles saberem ser christãos, e na verdade abomináveis, e tanto mais perniciosos quanto disfarçados e encobertos. (BRAGA 2005: 216-217) 

Vale ressaltar que a leitura dos escritores do século XVII eram proibidos pelo poder ministerial: 

Em data de 15 de Setembro de 1770, e consulta da Mesa de Consciência, publicou-se uma extensa lista das obras filosóficas, científicas e literárias absolutamente proibidas, com ordem de serem apresentadas na secretaria daquela Mesa, no período de sessenta dias. A conservação desses livros era punida como um crime, e alguns deles foram queimados pela mão do carrasco na Praça do Comércio; executou-se auto em 6 de outubro de 1770, em presença de um desembargador e do corregedor do crime do Bairro Alto, que assinaram o termo autêntico dessa execução. O preâmbulo do edital termina com esta justificação: “Tem ultimamente chegado ao nosso real conhecimento a narração de todos os horrorosos estragos, que n’este século, mais que todos os outros, terá causado na maior parte da Europa o espírito da Irreligião e da falsa Filosofia, o qual tem excitado as mais vigorosas providencias – procura prescrever os funestíssimos effeitos d’esse disfarçado veneno, parece que elle consegue augmentar-se e diffundir-se ao mesmo tempo que uma inundação monstruosa dos mais ímpios e detestáveis escriptos para atacar os princípios mais sagrados da religião, para invadir os mais sólidos fundamentos do Throno... E porquanto me constasse, que muitos dos ímpios escriptos são abomináveis producções da incredulidade e da libertinagem de homens temerarios soberbos, que se denominam espíritos fortes e se attribuem o especioso título de Filósofos haviam chegado a penetrar n’este reino por caminhos indirectos e occultos; havendo mandado proceder com a mais exacta dilligencia ao exame d’elles, constou pelas Censuras conterem doutrinas ímpias só próprias a estabelecer os grosseiros e deploráveis erros do Ateísmo, Deismo e do Materialismo. (BRAGA 2005: 219) 

Neste período, Pina Manique fazia caça aos livros perigosos nas alfândegas mandando abrir caixotes e examinar o seu conteúdo. Os livros de doutrinas políticas democráticas eram queimados pela mão do carrasco; davam-se varejos às livrarias particulares e apreendiam-se. Segundo Braga, o intendente Manique, em Portugal, obstava por todas as violências para não se espalhar as notícias da Revolução Francesa. Manique espiava com furor as propagandas dos livreiros franceses estabelecidos em Lisboa. Todos os homens envolvidos nas arcádias e que buscavam a modernização do reino português aderiram às novas ideias filosóficas, principalmente as que debatiam sobre novos problemas como a aspiração da independência moral e prestava-se a propaganda política. Em Coimbra, os teatros particulares fizeram sucesso, que D. Francisco de Lemos mandou fechá-los. O século findou-se com desastres e não seria possível compreender as novas instituições parlamentares do século XIX e muito menos possível compreender a ação política exercida pelos literatos portugueses sob ao regime liberal e consequentemente com a transformação do Romantismo.

Percebe-se, portanto que em 1768, em Portugal, ano de produção do Tratado de Direito Natural de Gonzaga, havia expansão dos pensadores que dirigiam suas críticas ao século, como Hobbes, Shaftesbury, Rousseau, Voltaire e Diderot.

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Fonte:
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO: “O IDEÁRIO GONZAGUIANO NA OBRA TRATADO DE DIREITO NATURAL” (Tese apresentada ao curso de Pós- graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina). Londrina, setembro de 2008. 

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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