10/06/2024

Os escritos preparatórios para a reforma da Universidade de Coimbra


OS ESCRITOS PREPARATÓRIOS PARA A REFORMA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 

INDÍCIOS DE UMA TRANSFORMAÇÃO EDUCACIONAL 

Para dar continuidade a verificação das transformações que ocorreram em Portugal, torna-se importante avaliar os indícios que levaram à Reforma da Universidade de Coimbra por ser nesta instituição que o saber e o conhecimento se instalavam naquele período. A elaboração da reforma contra os jesuítas recorreu a vários intelectuais e professores antijesuíticos da Congregação de São Filipe de Nery como António Pereira de Figueiredo, Teodoro de Almeida, Manuel Macedo, Francisco Recreio, Joaquim Foios, José Clemente, Cândido Lusitano, António Alves, José Morato e Manuel Monteiro, pois foram homens que entraram em contato com ideias novas que corriam na Europa.

Manuel Monteiro, o primeiro pedagogo que abordou criticamente uma das vertentes do ensino ministrado nos colégios da Companhia, traduziu e publicou na Oficina tipográfica de sua Ordem uma obra de Voltaire sob o pseudônimo de Francisco Xavier Freire de Andrade. Em 1746, Monteiro deu prelo ao seu Novo Método para aprender a gramática latina ordenado para o uso das escolas da Congregação do oratório na Casa de Nossa Senhora das Necessidades.

Salienta-se que apesar do destaque dado a Manuel Monteiro, outros já haviam feito críticas à gramática. O alemão Gaspar Schopp (1576-1649), adversário declarado dos jesuítas tinha inaugurado uma crítica a esta gramática, confirmando o que Francisco Sanchez em 1587 e Nicolau Orlando Pescentti em 1609 haviam dito. A crítica alemã está presente na obra Rudimentos Grammaticae Philosophicae de 1628, completada nos Paradoxa Litteraria e no outro ano em Auctoriam ad Grammaticam Philosophicam. Em Portugal, Manuel de Sousa pode ser considerado um dos primeiros a visar à crítica nas obras Explicação das partes da oração, Resumo para os principiantes da explicação das oito partes da oração e no Exame de Sintaxe e reflexões sobre as suas regras, pretendendo substituir a tradicional gramática do jesuíta Manuel Álvares (1526-1583).

Sobretudo a obra de Manuel Monteiro foi muito mal recebida, apresentava erros. Assim em 1750, o jurista e escritor filojesuíta Manuel José de Paiva publicou sob o pseudônimo de Silvestre Silvério da Silveira o Antídoto gramatical, bálsamo preservativo da corrupção da Língua Latina, ou curioso descobrimento dos principais erros, barbaridades e incoerência do Novo Método para aprender a dita língua. Diante de tantas mudanças, o Pe. Antônio Pereira de Figueiredo da Congregação do Oratório estabeleceu em 1752 um novo compêndio gramatical, fundamentado em autores de prestígio nacional e estrangeiro, o Novo Método de gramática para uso dos escolares da Congregação do oratório na real Casa das Necessidades, ordenado e composto pela mesma Congregação.

A escola oratoriana era a que estava em ascendência no período, favorecida pelo Rei D. João V, que colocou esta instituição de ensino pré-universitário ao lado do Colégio das Artes de Coimbra, dotando-a de privilégios como fazer os exames de Filosofia e ter o acesso direto às escolas maiores, ou seja, à Universidade sem ter que repetir o exame no Colégio coimbrão da Companhia de Jesus.

Em termos de crítica mais global, não se pode deixar de citar Luís António Verney, um ex-aluno dos jesuítas que serviu de alicerce para uma reforma totalizante. Esta reforma ocorreu desde a revolução das concepções e métodos pedagógicos, da substituição dos compêndios, da revisão dos programas, da reorientação e da preparação dos mestres. Somente pela educação é que a transformação da mentalidade cultural, política e social portuguesa iria começar. Estaria assim Portugal próximo do mundo iluminista, dito esclarecido.

Verney fez uma crítica ferrenha aos jesuítas, em sua obra Verdadeiro Método de Estudar (1746). A sua obra está dividida em 16 cartas dirigidas a um reverendo doutor de Coimbra, cujo nome não foi identificado e o remetente é identificado como o Barbadinho da Congregação de Itália. Verney teve contato com as obras pedagógicas de Sciopio e Sanchez, no plano filosófico-científico com os ingleses Newton e Locke, com Tomásio e Grócio sobre o Direito Natural. Para Verney, a razão é quem orienta o caminho a seguir. A razão humana é a que estabelece a verdade e assim era possível construir um homem e uma sociedade novos, em que a vida seria ordenada por leis e princípios sábios extraídos do trabalho da razão humana, conduzindo, assim, o homem à felicidade. É nessa perspectiva que se estabeleceu Verney, propondo uma mudança no universo pedagógico português. 


VERNEY E SEUS IDEAIS PARA A REFORMA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
 

O terceiro volume da obra Verdadeiro Método de Estudar de Luís António Verney trata dos estudos filosóficos. Esse volume procura expor o sistema cultural que Verney propunha para a Universidade. Verney analisou três aspectos essenciais: o linguístico, o literário e o filosófico. Sem dúvida alguma, o filósofo acaba por comandar os demais e encaminhar o estudo universitário. Verney inicia sua carta mencionando que não sabe se as escolas de Filosofia deste Reino têm método pior que as escolas baixas. Comenta que os rapazes passam no período que estão na Universidade, de três a quatro anos, lendo textos muito compridos e não sabem o que lêem: 

Os pobres rapazes passam os seus três e quatro anos lendo arengas mui compridas; e saem dali sem saberem o que leram, nem o com que se divertiram. Falo do estilo das Universidades; porque o das outras escolas é o mesmo quanto à matéria; e ainda pouco diferente quanto à disposição. (VERNEY 1950: 3-4) 

Verney expõe que no primeiro ano lêem dois tratados: Universais e Sinais e no segundo ano Matéria Primeira e Causas, que é a Física. No terceiro ano, estudam Intelecções, Notícias, tópicos e questões de Metafísica. Tornam- se então Bacharel. Ressalta-se que este era o mesmo programa que os estatutos de 1591 (não alterados pelos de 1597 e de 1612) estabeleceram ao Colégio de Artes. Uma alteração ocorreu somente na indicação da leitura do texto de Aristóteles, cujos comentários feitos pelos professores não deveriam admitir deturpação. No quarto ano, explicavam um tratado intitulado Geração e Corrupção e Anima in communi e assim tinha-se o graduado em Filosofia. Verney (1950: 7) questiona então se essa leitura realmente auxiliava em alguma coisa: 

Diga-lhe que lhe apontem em que parte da Teologia são necessários; que dogma se explica com tal doutrina; faça-lhe outras perguntas destas; e verá que limpamente lhe confessam que tudo aquilo morre com a escola. Se repetir a pergunta em outras matérias, concluirá o mesmo. E eis aqui tem V. P. o que significa Filosofia nestes países. 

Verney comenta ainda que muitos mestres confundem os autores modernos, acusando-os de erros e condenando-os à ignorância. Alguns valorizam Descartes e o veneram. Verney expõe com toda a certeza de que foi Descartes quem abriu a reforma dos estudos e obviamente a reforma das Ciências. Verney expõe também que os portugueses desprezam os estudos estrangeiros, bem ao contrário dos ingleses, alemães e franceses. Para desenganar esses portugueses, Verney (1950: 21) procurou expor então os prejuízos diante dos olhos desse povo. Ele demonstra que o estudante não deve saber quando começaram, quais foram as mais famosas, em que se distinguiam e como se propagaram, acrescentando que: 

A filosofia é o conhecimento das coisas que há neste mundo e das nossas mesmas acções e modo de as regular para conseguir o seu fim. Em todos os Povos do mundo e em todos os tempos, achamos homens que mais ou menos se aplicaram a estas coisas. Mas o nosso estudante não é necessário que suba tão alto; basta que conheça os Filósofos da Grécia. (VERNEY 1950: 21).

Verney expõe por fim que estes Mestres de Portugal pouco sabem sobre Aristóteles e o condenam, por não o conhecerem. Ele comenta que o estudante deve, primeiramente, conhecer a Filosofia para não se envolver com as confusões da escola.

Verney continua a sua Carta, criticando a Lógica dos Escolásticos, basta verificar se o ensinado é útil ou prejudicial para julgar e discorrer bem; critica os Proemiais, os Universais e Sinais dizendo que são coisas indignas de se lerem e o pior de tudo é o método que apresentam: “Parecem a mesma confusão; e de tal sorte embrulham a mente de um pobre principiante, que não é fácil ao depois entender bem coisa alguma” (1950: 43). Ele afirma que o que se aprende não serve para nenhuma parte das Ciências: “Tudo o mais que dizem dos Sinais são arengas ridículas, que, espremidas na mão, não deitam uma gota de doutrina” (VERNEY 1950: 44).

Para ele, tudo o que era ensinado na escolástica não convinha a ninguém, tudo era tão inútil; os silogismos também não servem de nada, pois não ajudam a razão, não aumenta o conhecimento: 

Quando se há de persuadir e discorrer bem, o primeiro e principal ponto está em descobrir as provas; o segundo, em dispô-las com tal ordem, que se conheça clara e facilmente a conexão e força delas; o terceiro, em conhecer claramente a conexão de cada parte da dedução; o quarto, em tirar uma boa conclusão de todos. Estes diferentes graus se conhecem muito bem em qualquer demonstração matemática. Uma coisa é perceber a conexão de cada parte, ao mesmo tempo que um mestre vai explicando a demonstração; outra coisa diferente conhecer a dependência que a conclusão tem de todas as partes da demonstração; terceira coisa, muito diferente, conhecer por si mesmo, clara e distintamente, uma demonstração; e, finalmente, uma quarta coisa, totalmente diferente das três, ter achado as provas de que se compõe a demonstração. (VERNEY 1950: 55-56) 

Isto o silogismo não faz, pois não ensina a buscar as provas, fica claro que a razão não domina. Verney procura, no entanto, não negar totalmente o silogismo, diz apenas que não é preciso aprendê-los para poder fazer um discurso. Assim, em um discurso público, o estudante deve ir argumentando e respondendo, argumentando com razões e não com palavras, fugindo de sofismas, como indignos de um filósofo. Se quiser usar de silogismos, pode, mas exporá melhor as suas razões, usando-se de um método de diálogo curto e claro. O homem deve discorrer bem em todas as matérias da vida civil.

Quando Verney vai expor sobre a bibliografia conveniente para se criar um bom estudante, diz que o difícil é determinar qual das modernas leituras possa subministrar as ideias que ele propõe. Talvez nenhuma satisfaça. Ele expõe que leu de tudo e parece que muitos se copiaram. Acrescenta que para os principiantes não apareceu ainda a lógica desejada; assim, deve-se servir de algumas e ir mostrando os defeitos e que havia um certo homem que estava escrevendo algo sobre o assunto, o que indica poder se tratar do seu próprio método.

Na Carta Nona, do mesmo volume, Verney fez análise da metafísica e sobre o estudo das causas comenta que se um homem soubesse tudo sobre esse assunto seria ainda um verdadeiro ignorante de Física, afirmando que as divisões das causas deveria ser desterrado das escolas. Na décima carta, fez uma introdução ao estudo da física e menciona que em Portugal não se sabe o que é Física, mesmo aqueles que falam dela. Sugere, então, como bibliografia livros que tratam de Geometria, Aritmética, Astronomia e Lógica, devendo estudar Galileu, Cartésio, Gasendo, Hobbes, os dois Pascoais, o P. Merseno, Borelli, Torricelli. Depois, Huygens, Montmort que promoveram a física. Em seguida, Newton, os dois Bernouulli, Cheyne, o Marquês do Hospital que elevaram a matemática.

Verney ainda acrescenta em seu livro que é preciso conhecer e entender a língua francesa ou italiana porque nessas se compôs o que há de melhor em Filosofia. Poucos escreveram em latim e esse foi o defeito desse Reino, segundo Verney; para ser douto deveria o homem poder ler na língua original os belos modelos da Antiguidade. Porém, bem o sabe que todos os livros da Antiguidade foram traduzidos em francês, italiano e alguma outra língua. Os poemas épicos de Virgílio, Homero, Lucrécio, Horácio, Terêncio foram traduzidos, assim como, as orações e Obras Retóricas de Cícero, de Plínio, as epístolas e os históricos latinos e gregos.

Na Carta Undécima, Verney refere-se ao estudo da ética, a parte da Filosofia que mostra aos homens a verdadeira felicidade e regula as ações para a conseguir. Verney expõe também sobre a ética como propedêutica da jurisprudência e da Teologia Moral; Plutarco, Cícero, Sêneca e outros escrevem melhor que os teólogos de profissão, pois colocam princípios de boa razão. Para Verney, o homem deve formar o verdadeiro conceito das coisas, deve saber sobre ética e cita quem são os autores apreciáveis: Grócio, Pufendorf, Bacon, Muratori, Heinécio e Vitriário, mas não recomenda Conde Tesauro, Maquiavelo, Espinosa, Tomas Hobbes, Locke e Barbeirac.

Conclui seu terceiro volume expondo que se pode fazer Filosofia com três anos e nos estudos particulares encurtar o tempo, pois muito do que é ensinado, não se apreende nada.


A
EDUCAÇÃO DADA NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 

Interessante observar que na Universidade, por volta de 1722, via- se a seguinte disciplina escolar: 

Não havia n’aquelle tempo o costume de apontar-se faltas aos estudantes; frequentava-a quem queria; a consequência necessária d’isto era, que os estudantes, depois de se matricularem, vinham para suas casas; ahi estudavam como e com quem lhes parecia, e só voltavam no fim dos annos para os actos; é verdade que, para remediar este inconveniente, havia duas chamadas extraordinárias, que o Reitor podia fazer quando lhe parecesse; e todos os estudantes que faltassem a estas chamadas, porque duravam só três dias, perdiam o anno; mas isto não era bastante porque sempre transpirava com antecedência o dia em que tinha de fazer-se a chamada. (BRAGA 2005: 90) 

Quanto aos livros que se deviam ler estavam: “Não lhe escape Gil Braz, o Diabo coxo, o Bacharel de Salamanca, D. Quixote e Gusmão de Alfarrache, e tudo o mais que faz o entretenimento dos sábios” (BRAGA 2005: 91). Ribeiro Sanches deixou uma descrição estudantesca com tradições do Rancho da Carqueja, que viviam da seguinte forma: 

Cada estudante era o senhor de alugar casa onde achava mais da sua conveniência, - conheci muitos que se levantavam somente da cama para jantar, estando de boa saúde, outros passando o dia e noite a tocar instrumentos musicaes, a jogar as cartas e fazer versos. Quasi todos matriculados em cânones, nunca estudaram nos primeiros quatro annos; o primeiro estudo era a Apostilla pela qual haviam defender Conclusões no quinto anno. Não havia noite de inverno sem Oiteiros diante dos Collegios de S. Pedro e de S. Paulo; rondavam armados de noite, como se  a Universidade estivesse sitiada pelo inimigo. (BRAGA 2005: 91) 

D. Francisco de Lemos, ajudante de Pombal na reforma da Universidade descreve-a assim: 

Todo o exercício litterario se reduzia aos Actos, para os quaes não era necessário ter estudado, mas sim que corressem os annos do curso e chegar-se à medida de tempo n’elle marcada; porque os Pontos e Argumentos eram sabidos e muito vulgares, e além d’isso o estudante na mesma occasião dos actos era instruído na meteria d’elles por um Doutor, o que acabava de consumar a obra de negligencia inspirando-lhe em casa e na mesma sala dos Actos o que elle havia de responder e dizer. (BRAGA 2005: 91-92) 

A nação portuguesa carecia de história literária, do dicionário da língua portuguesa, de historiadores, viajantes, poetas, em edições acessíveis ao público. Era preciso uma História Civil de Portugal. Os intelectuais que estudaram na Universidade de Coimbra depois da Reforma Pombalina de 1759 encontraram formação científica nova. Muitos foram para outras Universidades como Edimburgo e Montpellier, alargando seus pensamentos. Os alunos que estudavam na Universidade de Coimbra estavam movidos por questões sociais, políticas e econômicas da época em que viviam e refletiam essas tendências em suas atividades, em suas falas, em sua produção. Esta foi a forma que alguns alunos tomaram e organizaram uma nacionalidade do estado brasileiro bastante significativa na fase colonial e a grande contribuição veio dos que estudaram na Universidade de Coimbra.

Grande parte dos estudantes vinha das classes dominantes da sociedade brasileira e foi no século XVIII que se concentrou a maior parte de estudantes formados pela Universidade. No século XVIII eram cerca de 1653 e no XIX caiu para 836, a diminuição, segundo Gauer, deu-se devido à vinda da Família Real (1802) e à Independência em 1822, período da criação dos cursos superiores no Brasil. Vale salientar qual era a concepção de ciência embutida na Universidade de Coimbra, para se compreender a formação e os ideais desta Universidade em que se formou Tomás Antônio Gonzaga.

Deve-se notar que quando se pretende uma mudança, muitos insistem em manter a ideologia antiga e muitos grupos defendiam os códigos superados, os conteúdos arcaicos e desnecessários sem utilidade para o mundo, em que as luzes deveriam dominar, insistindo em permanecer em algumas disciplinas ministrada na Universidade. Muitos mestres permaneciam nas trevas, o que é possível verificar em algumas sátiras, escritas por estudantes brasileiros.

Segundo Gauer (2001), os estudantes da Universidade de Coimbra desempenharam várias funções políticas, culturais, profissionais, tiveram vários títulos eclesiásticos, assumiram cargos públicos e políticos e estes foram os que formaram os primeiros cursos superiores, as atividades culturais e as academias científicas. Para a autora, houve duas formas de formação na Universidade de Coimbra, uma de 1700 a 1771 e outra de 1772 a 1820, período da Reforma da Universidade de Coimbra, imposta por Marquês de Pombal.

Importante ressaltar que a formação doa alunos entre os anos de 1700 a 1771 é a que interessa, uma vez que Gonzaga frequentou a Universidade de Coimbra entre os anos de 1763 a 1768. Segundo Gauer, entre 1700 a 1771:

matricularam-se em Coimbra 1296 brasileiros; desses, há registro completo sobre a formação de 523. O número reflete que não registro completo da maioria dos alunos matriculados. Entre 1772 a 1820 matricularam-se 788 brasileiros, dos quais 610 possuem registros completos, ou seja, 77,41%. (...) ...é importante que se tenha presentes os seguintes dados: há Egressos que possuem um único registro, isto significa dizer que os dados referem-se à matrícula em uma disciplina; há os que cursaram várias disciplinas e no entanto não existe informação sobre a formatura; há os que possuem registro de formatura sem existirem informações sobre as disciplinas cursadas, e, ainda, os que possuem informações completas: disciplinas cursadas, curso de formação; data do bacharelado e/ou licenciatura. (2001: 50) 

O maior número de alunos matriculados ocorreu entre os anos de 1731 a 1760. Com a reforma, o número de matriculados caiu. Quanto à origem, foram para Coimbra alunos da Bahia, Maranhão, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro. Segundo Gauer (2001), os estudantes brasileiros em Coimbra preferiam cursos da área jurídica como Cânones e Leis; Medicina ficou em segundo lugar, depois Matemática.

A Universidade permitia formar-se em bacharel, licenciatura e doutor. Para obtenção da licenciatura implicava novas provas e maiores custos aos estudantes, enquanto o doutoramento veiculava-se a um título honorífico e à função docente nas Universidades. O número de doutores em Cânones é significativo para os egressos de Coimbra, uma vez que se tornaram professores na Universidade de Coimbra. Muitos queriam o doutoramento, pois lhe permitia um status mais elevado, as condições econômicas para se manterem em Coimbra e cobrir os custos para a obtenção do título e para competirem a uma vaga no magistério da Universidade de Coimbra, destacando-se muitos os juristas. Neste aspecto, cita-se: 

Coimbra precisa de doutores, sobretudo legistas – pela exigência própria do magistério. E não surpreende que, no que aos cânones diz respeito, o peso em licenciados e doutores seja menor: a procura de lentes era muito igual em todas as faculdades – um pouco maior em leis devido as quatro cadeiras de Instituta. A produção de formandos é que era muito díspar, super abundante em Cânones e mais restrita em leis. (GAUER 2001: 58) 

Após a Reforma Pombalina, os estudantes brasileiros continuaram procurando pelos Cursos de Cânones e Leis, mas houve muita procura também pela faculdade de Filosofia e novamente destaca-se a preferência pelos cursos jurídicos. Os juristas e magistrados, por sua vez, destacaram-se na política da administração tanto portuguesa como brasileira. O Direito Romano ensinado priorizava o poder dos reis e não da Igreja.

Verifica-se que os estudantes de Coimbra tornaram-se também professores e escritores. Entre os poetas e literatos de destaque que frequentaram a Universidade citam-se Cláudio Manuel da Costa, Antônio Pereira de Souza Caldas, João Borges de Barros, Antônio José da Silva, Tomás Antônio Gonzaga, Bartolomeu Antônio Cordovil, Baltazar da Silva Lisboa, João Pereira da Silva, Ignácio José de Alvarenga Peixoto, Domingos Caldas Barbosa, Joaquim Gonçalves Dias, Francisco Muniz Barreto, José Maria de Almeida Teixeira Queiroz e Antônio Mendes Bordalho.

A maioria dos literatos era formada em Cânones ou em Leis, o que significa que os fundamentos da literatura portuguesa e brasileira estão vinculados às disciplinas e a formação dada nesses cursos. O ambiente de Coimbra nas últimas décadas do século XVIII refletia um interesse pelas ciências que penetrava em todos os ambientes sociais. Galileu (1564-1643) e Newton (1643-1727) haviam sido destacados. Esse interesse pela transformação entrou nos mosteiros, nos seminários, castelos, escolas e nas universidades.

Os homens envolvidos na Reforma da Universidade tinham contato com o Iluminismo, para comprovar esse envolvimento é só verificar que D. Francisco de Lemos possuía uma biblioteca particular com autores como Voltaire, Boerhave, Monstesquieu e Martini. Segundo a Memória Professorum Universatatis Conimbrigensis (1772-1937), lecionavam na Universidade de Coimbra professores da Alemanha, Bélgica, Brasil, Cabo Verde, Espanha, França, Índia, Inglaterra, Holanda, Itália, Síria, Suíça e Ucrânia, somando 82 professores. Havia também muita saída de professores portugueses para outras universidades.

Em termos educacionais, é preciso salientar que Pombal expulsou os jesuítas tanto de Portugal como do Brasil, mas se não fosse essa educação jesuítica no Brasil-Colônia, os intelectuais brasileiros nunca teriam acesso à universidade. Pela política pombalina, aquela educação colocava o estudante como inimigo da ciência e da inteligência, mas tratava-se de um ensino humanista que desenvolvia uma pedagogia voltada para as atividades literárias, correspondendo em Portugal ao modelo de homem culto, possibilitando aos estudantes brasileiros sua entrada na Universidade de Coimbra. Para confirmar, vale ressaltar o que Gauer diz:

Com relação ao papel dos Egressos de Coimbra no campo científico é preciso lembrar que embora o ensino na colônia fosse jesuítico escolástica medieval até 1759 e após esse período a ‘continuidade’ jesuítica encontrara um quadro deplorável no que se refere ao ensino das primeiras letras e humanista, certo é que os brasileiros possuíam as condições básicas para continuarem seus estudos universitários em Portugal. (GAUER 2001: 99) 

Mesmo estudando no Colégio dos jesuítas, os brasileiros tinham condição de frequentar a Universidade de Coimbra, pois havia a preocupação, na educação, com o conhecimento científico.

Importante destacar que houve em Portugal a tentativa de introduzir o pensamento moderno. Para tanto o Conde de Ericeira fundou no século XVII a Academia Filosófica com D. Rafael Bluteau, Manoel de Azevedo Forte, Manoel Serão Pimentel, Antônio de Oliveira Azevedo e D. Manuel Caetano de Souza e em 1720 criou-se a Academia de História, com que Jacob de Castro Sarmento atuou como tradutor das obras de Bacon: 

As influências do pensamento moderno em Portugal – ainda GUSDORF – passam pelas obras de Martinho de Mendonça de Pina e PROENÇA, Apontamentos para a educação de um menino nobre (1734); de Luís Antônio VERNEY, O verdadeiro método de estudar (1746) e As Cartas sobre a educação da mocidade (1760) e de Antonio Nunes Ribeiro SANCHES, Método para aprender a estudar medicina (1763). Assim como BACON e NEWTON influenciaram Castro SARMENTO, DESCARTES inspirou Azevedo FORTES na Lógica racional, geométrica e analítica (1744). Na visão do autor, LOCKE foi o inspirador de Martinho de MENDONÇA e de VERNEY. Todo este movimento constituiu-se no primeiro momento das influências. Nesse movimento encontramos a gênese da inspiração da Reforma Pombalina. (GAUER 2001: 112)

Todas as transformações como a expulsão dos jesuítas, da extinção da Universidade de Évora, a renovação dos professores da Universidade e a criação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa deram-se devido ao pensamento de Mendonça, Verney e Sanches. Um documento importantíssimo é o Compêndio Histórico, pois é nele que estão todas as ideias de como implantar a Reforma, os métodos, as técnicas e as linhas teóricas a serem seguidas. O Compêndio Histórico e os Estatutos foram obras de Frei Manuel de Cenáculo Vilasboas, o futuro reitor reformador; e do brasileiro D. Francisco de Lemos de Faria. Trata-se de obras que atribuem todos os erros do ensino universitário aos jesuítas.

Os compendiaristas utilizaram os autores: Pufendorf, Barbeyrac, Wolf, Heineck, Van-Spen, Justino Febrônio e outros. O ideal seria o deslocamento de uma sociedade civil, dando passagem do direito divino ao direito natural. O Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra (1771) e os Estatutos Pombalinos (1772) são fontes históricas valiosíssimas, pois demonstram a legitimidade do pensamento que dominou Marquês de Pombal, como também permitem analisar como estava a universidade antes e depois da Reforma (1772).

O início do Compêndio Histórico faz uma crítica ao ensino jesuítico afirmando que este visava a destruição da Universidade e do Ensino: 

Os estatutos jesuíticos teriam sido responsáveis pela destruição de todos os campos de saber: as artes, as ciências e as aulas de todo o reino. Houve – segundo o “Compêndio Histórico” – a destruição do corpo da Universidade e o sepultamento da monarquia portuguesa. Os Prelúdios I e II objetivaram demonstrar o panorama geral da ação jesuítica; para tanto, além do detalhamento geral,   foram   anexados   documentos   como:

correspondências, alvarás, provisões e requerimentos, que foram analisados retrospectivamente de forma a permitir um panorama da crise do ensino superior e a crise no Colégio Real das Artes. A montagem dos dois primeiros prelúdios foi feita de forma esquemática; a utilização dos documentos desdobrou-se em análises de exemplos articulados de forma a produzir-se um texto totalmente imbricado. Pode-se dizer que a preocupação do corpo técnico responsável pelo documento foi o de produzir um texto objetivo, claro e fundamentado em documentos históricos. (GAUER 2001: 122-123) 

Observa-se que, todo o trabalho jesuítico foi condenado e quando algum responsável era um intelectual ou uma autoridade política, este era considerado ingênuo. Pretendia-se, com toda certeza, que a administração da Universidade deveria passar para o Estado. A Reforma foi, portanto, uma ação política feita fora da Universidade. Houve uma intervenção dos príncipes na administração universitária. Os mestres ficaram impossibilitados de escolherem reitores. O estado demonstrou que ele é quem dava a orientação do que ensinar e de como ensinar. Assim, a gestão da Universidade após 1772 passou a ser tutela do estado e sua legislação também. Vale ressaltar que a mudança do estado não partiu dos literatos humanistas, mas sim do estadista Marquês de Pombal.

Segundo Gauer (2001), o Compêndio Histórico apresenta a Parte I, em que deixa claro as estratégias dos jesuítas para prevalecer a sua política educacional, que acabou sendo superior ao próprio estado e mantinha o ensino no obscurantismo. Essa linha de pensamento universitária foi a que Gonzaga frequentou até 1768. No Compêndio Histórico estava registrado que se deveria ensinar o estudo da gramática, com o retorno das línguas latinas e gregas, deveria ser ensinado Quintiliano para o aprendizado da retórica. Há também uma crítica ao ensino da lógica, que traduz um conhecimento moderno.

O Compêndio Histórico inicia-se com a fala de Marquês de Pombal, enaltecendo o rei D. José e as suas conquistas. Lembra-se do rei D. Diniz que estabeleceu a Monarquia Portuguesa e que fundou a Universidade na cidade de Coimbra para os estudos das Artes Liberais e das Ciências, onde as Letras de Portugal haviam tido o seu primeiro berço, colocando os eruditos e bons mestres que progrediram literariamente. A Universidade foi muito admirada na Europa até 1555 quando, segundo Pombal, os jesuítas a ocuparam e a arruinaram com Estudos Menores e acabaram por destruir também todos os outros Estudos Maiores. Pombal se coloca então neste Compêndio como o responsável por examinar as causas da decadência dos estudos na Universidade, como também em todas as escolas públicas, as Artes e a Ciência, fazendo resplandecer com as luzes da razão o benefício comum; pretende então para isto estabelecer a Junta de Providência Literária.

Pombal estabeleceu nesse Compêndio Histórico quem eram os seus conselheiros: 

Hei por bem nomear para Conselheiros, o Bispo de Béja, presidente da real Meza Censoria, e do meu Conselho; os Doutores Jofé Ricalde Pereira de Castro, e José de Seabra da Silva, desembargadores do Paço, e do Meu Conselho; o Doutor Francisco Antonio Marques Giraldes, tambem do Meu Conselho, e Deputado da Meza da Consciencia, e Ordens; o Doutor Francisco de Lemos de Faria, reitor da Universidade de Coimbra; o Doutor João Pereira Ramos de Azeredo, desembargador da mesma Casa. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: III)

Pombal escolheu esses conselheiros para a Junta e determinava ordens para conferirem a decadência, examinando todas as causas, apontando os Cursos Científicos e os Métodos para o estabelecimento dos bons estudos das Artes e Ciências, que segundo Pombal, achavam-se destruídas. Na primeira parte do Compêndio, o relato do estrago e de todos os meios ilícitos que os Reitores e Diretores fizeram na Universidade até o falecimento do Senhor Rei Dom Sebastião; expõe-se também a destruição das Leis, regras e Métodos que regiam a Universidade, colocando a Monarquia Portuguesa nas trevas da ignorância.

Na segunda parte do Compêndio Histórico, a Junta cita os outros estragos que se fizeram nas ciências e dos impedimentos que expunham para que não se pudesse ressuscitar da ignorância. No Compêndio Histórico (1772: IX, X,XI,XII) tratam-se então das destruições do ensino da Teologia, da Jurisprudência e da Medicina. Salienta-se que haverá somente a transcrição da destruição da Filosofia e da jurisprudência, assuntos que interessam a esta tese: 

Para a destruição da Theologia: Desterráram das Aulas de Coimbra os estudos da escritura, da Tradição, dos Concílios, dos Santos Padres, e da Historia Sagrada, que nos Primeiros Onze Séculos haviam feito triunfar de todos os Heresiarcas a Igreja de Deos. Lembraram-se dos estragos, que nos estudos Theologicos tinham feito defde o fim do Undécimo Século em diante a filosofia Arábico- Aristotelica, e a Theologia escolastico-Peripatetica. Viram que no Século Décimo Sexto se havia esta sagrada Sciencia restituido a áquellas suas antecedentes forças, pela necessidade de resistir com ellas ás muitas Seitas, que então se tinham levantado. E achando restabelecidos, e florentes na Universidade de Coimbra aquelles primitivos, e sólidos Estudos; maquinaram contra elles muitos estatutos, com os quaes puzeram em hum inteiro esquecimento a mesma theologia primitiva; excitaram os estudos da outra ruinosa; e deslaceráram a consistencia da mesma Universidade: Obrigando os professores della a sustentarem contra as verdades intrinsecas, e eternas as extravagâncias das Opiniões: jurando defender os finco diversos Systemas; de Pedro Lombardo; de Santo Thomaz; de João Duns Scoto; de Durando; de Gabriel Biel: E deixando assim desde então até agora a mesma Universidade na irreconciliável, e contínua guerra das argúcias, e das subtilezas, com que cada hum daquelles finco partidos forcejou para prevalecer contra os quatro, que julgava opostos. E isto em matérias connexas com a religião na qual a Unidade, e a Uniformidade constituem duas das três bases fundamentaes da Igreja.

Para a destruiçao da Jurisprudência Canônica, e Civil, desterráram também da Universidade todas as prenoções indispensaveis para habilitarem hum estudante canonista, ou legista. Contrariamente lhes fuscitáram todos os impedimentos, que podiam embaraçar os progressos destas duas Sciencias: Já habilitando os estudantes para as aulas sem algum prévio conhecimento das Línguas latina, e Grega, da Arte da Rhetórica, e da boa, e verdadeira Lógica: já dictando, e fazendo dictar nas escolas públicas huma Metafysica errônea, e summamente prejudicial: já establecendo por base da Moral Christã a Ethica de Aristoteles, Filosofo Atheista, que nenhuma crença teve em Deos, e na Vida Eterna; que em vez de distar princípios para a probidade interior do animo, e para a justiça natural, foi Author de hum Systema eftodado de máximas dirigidas a formarem hum Áulico das Cortes de Filippe, e de Alexandre, e hum Hypocrita armado contra a innocencia dos Crédulos com virtudes externas, e fingidas: Já sustentando o mesmo ruinoso Sistema com o desprezo, em que precipitaram o Estudo das Historias do Direito Civil Romano, e Patrio; do Direito Canonico Universal, e particular destes Reinos; da Historia das respectivas Nações, Sociedades, e Póvos, para os quaes foram promulgadas as leis, que compõem os referidos Direitos; da Historia Literaria Geral, e Particular de hum, e outro Direito: Já privado a mesma Universidade do conhecimento da Doutrina do Methodo, que he tão indispensavelmente necessario, e das Lições Elementares dos mesmos dous Direitos: Já prohibindo o Methodo Synthetico, e Compendiario; e mandando seguir o Analytico aos Canonistas pelo textos, e Abbades panormitanos; e aos legistas por Bartholo, e Accursio, depois de haverem sido commummente reprovados para os Estudos Academicos: E já em fim relaxando, e fazendo inuteis os Estudos; estragando os costumes dos estudantes com férias prolongadas; com Postillas cançadas, e importunas; com matriculas perfunctorias; com liberdades licenciosas no modo de viverem; com Privilegios, e izençoes prejudiciaes; com exames, e Autos na maior parte de méra, e apparente formalidade; com a falta de exercícios Literarios nas Aulas, que estimulassem, e desembaraçassem pela frequencia os mesmos Estudantes; e com tudo o mais, que a malicia podia excogitar para impedir o aproveitamento dos Alumnos. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: IX, X, XI, XII) 

A citação foi extensa mas importante para poder observar e destacar que no Compêndio Histórico o que estava escrito nos Sextos e Sétimos Estatutos desde 1598 continuavam da mesma forma. Ressalta-se que a Universidade foi fundada por D. Diniz no ano de 1288, em Lisboa. Segundo Francisco Leitão Ferreira, muitos livros se perderam e muitas memórias da Universidade também nas suas mudanças de Lisboa para Coimbra e de Coimbra outra vez para Lisboa.

No Compêndio Histórico pede-se que se aprenda a Língua Latina e Grega para poder compreender os termos que aparecem na Jurisprudência. Saber a língua mãe permite ler a história dos gregos, por exemplo, nas suas origens. Houve a falta de instrução para a retórica, arte necessária aos juristas e devia-se ter como critério primeiro saber usar a lógica. Desejava-se o estudo dos escritos modernos como os de Nicole, Malebranche, Mariotte, Thomaio, Lock, Le Clerc e Wolfio, mas o que acontecia era o contrário, dizendo-se que esses estudos eram inúteis principalmente para a Teologia. Não quiseram que se prosperasse a metafísica e muito menos a Filosofia Moral. No Compêndio Histórico aparece claramente a necessidade de se ter conhecimento da filosofia, por esta determinar as regras naturais para se bem viver. 

Para dirigir o mesmo homem creado por Deos à sua semelhança, e imagem; e para facilitar-lhe a feliz posse do Bem no estado natural; encarregou Deos à natureza recional, de que o tinha dotado, a legislação, e o magisterio preciso. A natureza racional desempenhou fielmente esta Divina Commissão. Dictou leis as mais santas: E estableceo regras as mais saudaveis, escrevendo-as todas nos corações humanos, e lançando nelles as primeiras sementes da virtude, e de toda a Doutrina dos costumes, para nelles vegetarem, crescerem, e frutificarem depois com o uso da Razão. (1772: 168) 

Pode-se perceber que a filosofia da moral é que direciona os pensamentos, as normas das ações, a disciplina dos costumes, o órgão da razão, é a arte de viver bem e feliz. Esta disciplina foi a que regeu a Lei natural e a consciência. Assim, a moral foi a disciplina que contribuiu em muito para a formação dos juristas dando destaque à Ética, que foi indispensável para a disciplina do Direito Natural.

Interessante que no Compêndio a frase que se mostra perante toda a vantagem da Filosofia da Moral é a seguinte: “Porém o sucesso desvaneceo a esperança” (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 176), ou seja, verifico uma crítica ferrenha aos jesuítas que foram chamados de inimigos da Sociedade Cristã, corruptores da Moral, perturbadores dos tronos, amotinadores dos povos, não deixando uma cadeira para essa indispensável disciplina. Mas, não a exterminaram de uma só vez, o processo foi feito aos poucos, colocaram professores da Companhia e submeteram-na aos seus fins. Para poder ensinar utilizavam-se dos livros de Officiis de Santo Ambrósio e pelos trinta e cinco dos Moraes de São Gregório Magno, compostos de propósito, para corrigir e suprir o que faltava na Ética Gentílica. Estes livros, que por séculos, serviram de norma para a direção dos costumes. Essas eram as circunstâncias que estavam presentes nos estatutos do ano de 1598.

No Compêndio Histórico (1772: 239) há o registro de que os estudantes saíam da Universidade de Coimbra pouco hábeis para exercitarem a jurisprudência, porque havia muitos estragos e impedimentos que não permitiam aos alunos terem uma boa formação. Os estudantes eram impossibilitados de refletir: 

Entraráõ os mesmos Estudantes com os olhos fechados neste delicado trabalho; e postos no meio da innumeravel copia de Livros, que há nas Loges dos Livreiros, não saberiam para onde se virassem, nem para quaes deveriam inclinar-se; nem conheceriam os mais úteis para o seu Ministerio; ver-se-hião precisados ou a mendicar de outros esta importante noticia com deslustre dos seus grãos, ou a prodigalizarem o seu dinheiro sobre a fé dos Livreiros, sempre suspeita, e pouco segura; empregando avultadas quantias nos que elles quizerem vender-lhes, os quaes pela maior parte não costumam ser os mais úteis para o Ministerio, mas sim aquelles, a que não acham fácil sahida os donos das Loges, que os vendem. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 239). 

Infelizmente, no Compêndio Histórico, foi possível compreender que havia ignorância da Doutrina do Método. Mesmo depois de formados, os estudantes saíam da Universidade sem saber o método, não sabiam nem como responder. Não havia também Lições Elementares do Direito Canônico. Os alunos também não tinham a união entre Teoria e Prática.

Verifica-se através do Compêndio Histórico (1772: 267-268) que as matérias eram antiquadas e que os professores sentiam-se cansados:

 

Vemos, que sobre as mesmas matérias antiquadas tem disputado, e disputa com muito calor, e prolixidade, nas ditas Lições, e nas Postillas, que para estas dictam os Professores, e explicam nas cadeiras: Que as mesmas desusadas matéria se agitam, e debatem com muita repetição, e frequência nos Actos, e Exames públicos, que também nellas se fazem, sahindo nellas os Pontos, que fé tiram para elles, humas vezes pela fraudulenta diligencia dos candidatos, outras vezes por cahir nellas a forte da abertura dos Corpos de Direito das respectivas faculdades: Que sobre as Conclusões, e Doutrinas dos Pontos, ou cautelosamente diligenciados, ou cegamente assinados na referida fórma, se perguntam, se examinam, e devem responder os mesmos Candidatos: E que basta darem estes boa conta dellas para ferem logo approvados, promovidos aos grãos Acadêmicos, e julgados hábeis para todos os Ministerios da Jurisprudencia; posto que nenhuma prova tenham dado, nem fé lhes tenha pedido da fuá boa instrução nos artigos do Direito usados, e frequentes no Foro. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 267-268) 

Observa-se, então, que os jovens saíam da Universidade com uma espécie de conhecimento ocioso e insignificante para a jurisprudência, com falta de conhecimento que lhes seriam úteis para agir nos ministérios. Os estudantes saíam das aulas sem saber distinguir e separar as matérias inúteis das úteis. No Compêndio Histórico a crítica aos livros obrigatórios. Os estudantes eram obrigados a terem livros de Bartholo e do Abbade, que são os dois Coriseos da Jurisprudência Bartholina em ambas as Faculdades Jurídicas. O Compêndio Histórico (1772: 283-284) apresenta o que os mestres das cadeiras maiores e menores deveriam fazer:

Mandaram aos Lentes da Cadeiras grandes: Que declarassem na explicação de cada texto todos os Notáveis, que delle fé deduzem: Que expuzessem os principaes entendimentos, que nelles trazem os Doutores: Que lessem as Glossas continuativamente pela mesma ordem, com que fé acham nos Títulos, com comminação das multas nelles declaradas contra os seus trasgressores: Que na allegação dos Doutores começassem sempre pelos Antigos, que são havidos por Mestres em cada Sciencia: E que para fazerem a Commum com estes Antigos, allegassem dos Modernos dous até três dos mais graves debaixo da mesma pena.

O mesmo ordenaram também aos Lentes das Cadeiras Pequenas, sem mais differença, que a recommendação de serem mais breves para passarem mais textos. Para este fim lhes mandaram, que dessem somente em cada Texto o entendimento commum: Que o principiassem pela Glossa, que sempre o traz: E que trabalhassem por mostrar a verdade delle. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 283-284). 

Percebe-se, assim, que foi obrigatório o ensino em Coimbra da Escola de Bartholo, continuar ensinando as Glossas para que essa continuasse a ser idolatrada e preferiam-se as suas sentenças a as mais claras Leis. Embutiam nos alunos as ideias dos antigos doutores e não permitiam nem a citação dos Modernos, a não ser que fosse para contribuir para a opinião comum iniciada pelos Antigos.

No Compêndio Histórico aparece claramente a declaração de que toda essa Legislação nos estatutos não foi mais do que uma maneira de arruinar os estudos Jurídicos e que os que os estabeleceram queriam fugir das luzes e explicações a que tinham chegado a jurisprudência para permanecerem os estudantes da Universidade de Coimbra nas trevas da Ignorância.

Interessante ressaltar que ainda nos Estatutos elaborados pelos jesuítas o item de obrigarem aos Lentes a prestarem juramento de cumprirem as disposições, abdicando-se do uso da razão, o que levou a arruinarem os escritos dos professores da Universidade de Coimbra.

No Compêndio Histórico (1772: 293-294) apresenta-se então, na conclusão da parte II, capítulo II, a destruição do ensino da jurisprudência, fazendo fomentar a preguiça, promover a distração, animar a ociosidade, diminuir a massa do estudo que é o único instrumento da aquisição das Ciências e apresenta resumidamente todos os estragos e impedimentos para adquirir o conhecimento dentro da Universidade de Coimbra: 

Primo: O pouco tempo lectivo, e a larga interrupção das Lições públicas das Escolas, por causa da demaziada extensão das feria Acadêmicas.

Secundo: O máo emprego, que desse pouco tempo lectivo fazia, consumindo-se grande parte delle na inútil escrita das cançadas Postillas, que dictavam os lentes.

Tertio: A falta de residencia dos Estudantes na Universidade; Por não terem provido a ella os mesmos estatutos; e não haverem sido bastantes para obrigallos a residir a providencia das Matriculas incertas, e outras, que se deram depois para este necessario fim.

Quarto: A excessiva liberdade, de que abusam os estudantes na universidade; por faltar nella a regulação de huma boa Policia, que mais os obrigue a viverem com a applicação, e socego, de que depende inteiramente o seu aproveitamento nos estudos.

Quinto: A total izenção da Jurisdicção do reitor da Universidade, que os maquinadores dos mesmos estatutos haviam antecedentemente conseguido para as Escolas menores; por meio da qual ficaram Elles sendo árbitros dos exames, que nellas faziam os Estudantes para se metricularem nas Faculdades Jurídicas; approvando-os, e reprovando-os livremente, como Elles queriam, e sem appellação nem aggravo.

Sexto: A demaziada, e nociva indulgência, que se praticava nos Actos, e exames Públicos; e na Collação dos Grãos Acadêmicos, procedida em grande parte de interesse, que havia em se multiplicarem os mesmos Actos, para se augmentarem, e crescerem os emolumentos das propinas, que nelles se pagavam.

Septimo: A inteira falta dos Actos, e exames Públicos nos primeiros quatro annos do Curso Jurídico; da qual tomavam occasião os estudantes para nelles se não applicarem ao estudo; resultando-lhes de tão longa ociosidade adquirirem o máo habito de não estudar, que depois lhes era muito difficultoso vencer.

Octavo: a total falta de exercícios Literários nas Aulas, em que mais se desembaraçassem, e estimulassem os mesmos Estudantes por meio da emulação, para serem mais applicados, e estudiosos. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 293-294). 

Esses são alguns dos estragos que se foi possível expor no compêndio, que levou à decadência a jurisprudência na Universidade de Coimbra. Esta foi então a maneira como foram governadas as faculdades Jurídicas desde os anos de 1598 até 1772, data da Reforma Pombalina e da escrita do Compêndio Histórico.

Assim, estão presentes no Compêndio Histórico (1772: 294-296) as duas providências que se deve tomar para pôr fim a tão graves males. 

A Primeira deve ser a total revogação, e inteira abolição dos ditos perniciosos estatutos. Providencia tanto mais necessaria, e tão manisfestamente exclufiva de toda a hesitação em contrario, ainda levissima; quanto mais evidente, e notório he a todos, os que os lerem com alguma luz da Historia Literária, e da Doutrina do Methodo dos estudos Jurídicos, que ainda no caso, em que as nocivas desposições, que nelles fé acham escritas, não fossem conhecido aborto da malignidade jesuitica, como demonstrativamente temos provado haverem sido com factos os mais constantes, os mais decisivos, e os mais intergiversaveis: Sempre os ditos Estatutos deveriam ser da mesma sorte revogados, e abolidos; porque sempre as suas disposições seriam as mesmas; e como taes seriam sempre igualmente nocivas, e produziriam os mesmos idênticos Estragos. E ainda que se pudesse provar, que para ellas só havia influido a ignorância, ou a negligencia dos seus Authores, ( o que não póde caber em juízo algum humano) nem por isso ellas poderiam sustentar-se; porque achando- se todo o veneno no Corpo, e na authoridade dellas; do mesmo modo fé faria preciso cortar-lhe os progressos, ou elle se propinasse com malicia, ou com ignorância.

A Segunda providencia consiste em fé formarem novos Estatutos, nos quaes se desterre das Aulas Jurídicas a bárbara Escol de Bartholo; assim como a sua Jurisprudencia se acha desterrada do Foro destes Reinos. Em lugar della se deve estabelecer, e mandar seguir a Escola de Cujacio. Na conformidade desta se deve regular o Curso Jurídico; não se admittindo a Mocidade a matricular-se em Direito sem a necessaria instrução das Letras Humanas, e Disciplinas Filosoficas; introduzindo-se novamente no dito Curso Lições públicas das principaes Disciplinas Subsidiarias da Jurisprudencia; reformando-se as da Instituta de cânones; mandando-se, que destas Lições Subsidiarias, e Elementares se passe logo às Syntheticas, e depois às Analyticas de huma, e outra Jurisprudencia; e ordenando-se também o ensino público do Direito pátrio por hum Professor privativo. E deve concluir, dando-se com muito cuidado todas as mais Providencias, que parecerem adequadas, e próprias para estabelecer na Universidade a boa ordem; emendar todos os vícios dos reprovados Estatutos; e acautelar, e impedir para o futuro todas as suas más consequencias.

Estes são os únicos meios, que podem restituir a Jurisprudencia destes reinos ao seu nativo esplendor; fazer florecentes os Estudos Jurídicos da Universidade de Coimbra; e formar Jurisconfultos hábeis para servirem dignamente à Igreja, e ao Estado. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 294-296).

 

Dito isso, assim voltaria a Universidade de Coimbra a formar estudantes hábeis no uso da razão.


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Fonte:
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO: “O IDEÁRIO GONZAGUIANO NA OBRA TRATADO DE DIREITO NATURAL” (Tese apresentada ao curso de Pós- graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina). Londrina, setembro de 2008.

 
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Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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