10/06/2024

O surgimento do Direito Natural em Portugal



O SURGIMENTO DO DIREITO NATURAL EM PORTUGAL 

Para compreender a questão jusnaturalista em Portugal deve-se observar primeiramente a importância dos estrangeirados para o avanço intelectual português. Estrangeirado era um nome pejorativo dado em Portugal aos intelectuais portugueses dos finais do século XVII e particularmente no século XVIII, o século do Iluminismo, que tinham vivido no norte da Europa ou que tinham tido contato com uma realidade estrangeira mais “moderna”; eram desprezados por setores influentes da sociedade portuguesa, católica, conservadora, autocrática, que ainda menosprezava as ideias da Europa.

Em Portugal, como em outros países católicos, o Index Librorum Prohibitorum ainda era corrente, mais de dois terços da população era ainda analfabeta e as Universidades Portuguesas ainda ensinavam matérias da escolástica da Idade Média. O principal aparelho repressivo era a Inquisição, visando os inimigos de Roma e a polícia política,  combatendo as ideias da revolução Francesa. Os judeus continuavam a ser perseguidos, bem como os maçons, que atacavam a Igreja com o anti-clericalismo e com a filosofia do naturalismo, negando a existência do sobrenatural.

Nesse contexto de um país que permanecera em estagnação perante o norte da Europa, onde a Revolução Industrial lançava a humanidade em nova etapa de prosperidade material, os estrangeirados constituíam uma elite que permanecia marginal à sociedade portuguesa. Em alguns casos foram alvos de perseguição política e religiosa. A França, país católico e com cultura mais semelhante à nossa, com uma língua latina e menos distante geograficamente do que outras nações desenvolvidas, foi o principal ponto de referência para esta geração de pensadores portugueses.

Para verificar a influência do jusnaturalismo em Gonzaga, torna-se importante compreender, então, as ideias do iluminismo na Alemanha, onde o direito surgiu anteriormente à filosofia e à política, segundo as palavras de Paul (1994: 16) “O Direito precede a filosofia e a política. [tradução minha]”. Percebe-se que o direito dá condições para o surgimento das luzes, pois os teóricos do direito trazem o conhecimento e consequentemente a morte de Deus.

Segundo Paul (1994: 13), falar da morte de Deus na Alemanha, na França ou em outros países implica lidar com o tradicionalismo da religião cristã, ou encerrar, portanto, anos de crenças, milagres, orações.

A evocação das luzes trouxe um efeito transformador. As luzes e seus seguidores tanto ingleses, alemães e italianos negam as sombras do obscurantismo em que a igreja e a religião de Deus dominavam. Segundo as palavras de Paul (1994: 16), o iluminismo denuncia o


  infame, a igreja e dita o que é o bem e o que é o mal. Diferentemente do que acontece em termos de guerras, muitas terminam pelas retificações das fronteiras e, no caso do Iluminismo, o contrário vai acontecer; trata-se do afrontamento entre as luzes e as trevas, pois os precursores do Iluminismo vão delimitar o território de Deus, combatendo-o de forma pacífica.

Deus era considerado pelos jusnaturalistas o criador da natureza, mas não um interventor direto nas ações humanas. Assim, haveria a justificativa para o terremoto de 1755, que segundo os religiosos ocorreu por Portugal ter aceitado os ideais jusnaturalistas, surgidos na Alemanha, principalmente pelo fato de inferir que Deus não mais interferiria na vida humana.

D. José apelava então para a ação divina. O crédito dos jesuítas recuperava terreno. O susto geral, alimentado pela continuação de ligeiros tremores, dava ensejo ao recrudescimento do sentimento religioso, que a oposição aproveitou. Carvalho, que dizia que o terremoto era sucesso da natureza e não o explodir da cólera divina, falava como ímpio: “Seus atos desagradavam ao eterno, e o descalabro do Governo certamente pedia reforma, para se evitar o retorno do tremendo castigo” (AZEVEDO 2004: 157). D. José não desprezava a “corte celestial”. Padres fanáticos e missionários frequentavam o paço, exploravam a fácil crendice da família real.

D. José dava ouvidos às homilias dos missionários e à suposta impiedade do seu ministro. Diogo de Mendonça queria então o cargo de ministro; para isso reunia-se com os amigos, lamentava os erros da administração, denegria o rival. que o ministro ficou sabendo e disse que este não tinha uma prova. Diogo de Mendonça foi então exilado,  por criar desordem e inquietação. Carvalho tinha um governo despótico e a indignação e o ódio contra ele aumentaram, após o desterro de Mendonça.

Quanto ao terremoto, a muitos medrosos parecia castigo divino. Malagrida veio para Portugal com a fama de santo e todos recorriam a ele para sua cura, porque ele teria pressentido o terremoto. Azevedo, então cita as palavras de Malagrida que escreveu então um folheto, Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto, com o louvor do Santo Ofício dizendo: 

“Sabe, Lisboa”, exclamava o jesuíta, “que os únicos destruidores de tantas casas e palácios, os assoladores de tantos templos e conventos, homicidas de tantos seus habitantes, os incêndios devoradores de tantos tesouros não são cometas, não são contingências ou causas naturais, mas são unicamente os nossos intoleráveis pecados”. Era geral a impenitência e o desprezo da salvação. As almas perdiam-se no tropel dos insanos prazeres. Não faltava concurso às touradas, às danças, aos teatros, às diversões de toda a espécie, e os templos ficavam desertos. Deus tinha revelado a sua ira a uma santa freira, falecida antes do terremoto, e também outras pessoas haviam tido pressentimento do castigo. Após isso, “haverá”, perguntava o inspirado, “não digo católico, mas herege, turco, ou judeu, que possa dizer que este tão grande açoite foi puro efeito das causas naturais, e não fulminado especialmente por Deus, pelos nossos pecados?” (AZEVEDO 2004: 166) 

Isso era demais para a tolerância do ministro. Para Carvalho, o jesuíta era um falso vidente, embusteiro e audaz. O escrito que o Santo Ofício aprovara era ofensivo à razão e ao Governo.

Presentes em Gonzaga, em sua obra Tratado de Direito Natural, as ideias de alguns jusnaturalistas, como Grócio, Heinécio e Pufendórfio, puderam chegar até a  Universidade  de Coimbra  por  meio  dos estrangeirados. A busca de novos ideais fez com que Gonzaga apoiasse a sua obra no Direito Natural, que deve ser entendido como um produto da razão humana e não de uma razão divina. Mas Gonzaga, com base na teoria do direito divino expõe a ideia de que o governante era o representante de Deus aliada à ideia de monarquia como a forma política mais natural e mais adequada à realização do bem comum. Percebe-se que a moralidade na prática é uma questão de cumprimento às regras ou leis e não a busca do bem comum: “aprovou Deus as sociedades humanas, dando aos sumos imperantes todo o poder necessário para semelhante fim” (GONZAGA 1957: 16). As primeiras manifestações do jusnaturalismo podem ser localizadas um pouco antes de Gonzaga. Segundo Gauer: “O jusnaturalismo parece ter aparecido em Portugal antes de 1750 na obra do brasileiro Alexandre de GUSMÃO, que teria lido PUFENDORF, HEINEEK e BARBEYRAC” (2001: 114). A

fundamentação histórica jurisdicista da monarquia influenciava todas as teses dos autores que viviam nesse período; as influências eram as de que: “A razão humana e a razão divina deram lugar à própria razão humana como única; a vontade divina é a vontade do homem, portanto, só há a razão humana. Essa nova cosmovisão foi a base do jusnaturalismo ou, como muitos preferem, do jusracionalismo em Portugal” (GAUER 2001: 115).

Para Gauer (2001), o pensamento escolástico colocava o homem fora do contexto social, enquanto que o pensamento moderno, introduzia o homem no mundo. O direito natural moderno foi um elemento que contribuiu para a criação do individualismo. Os teóricos desse período foram influenciados pelo estoicismo e pelo individualismo cristão. As concepções de Molina, Grócio, Hobbes, Pufendorf e Rousseau eram o de sociedade ideal a partir do isolamento do indivíduo natural e havia a ideias do contato político. Para explicar, o que foi o direito natural, torna-se importante verificar o pensamento imbutido no Compêndio Histórico de 1771, conforme relata Gauer (2001: 121): 

Com a clara influência de PUFENDORF e THOMASEN, o direito natural passou a ser visto como um produto da razão e não de revelação divina ou vontade humana constituída em poder. Os compendiaristas utilizaram de tal forma o direito natural com base em PUFENDORF, WOLFF,   HEINECK,    BOHEMER,   DARJES, BARBEIRAC, e THOMASEN, que esses autores são citados continuamente no “Compêndio Histórico”; parece- nos que os reformadores fizeram uma síntese de cada autor. Para eles, o direito natural era a regra de todo o direito; o autor afirma que MARETINI influenciou os compendiaristas na elaboração do “Compêndio Histórico” e dos “Estatutos”. MARETINI condimentou a teoria de WOLFF com elementos pedidos da escola de PUFENDORF, seguindo as exigências específicas da ilustração católica, sobretudo nas relações entre a Igreja e o Estado. 

Nota-se, portanto, que o Estado é o que tem a função de manter a segurança pública. No século XVIII, houve uma substituição do jusnaturalismo católico por um jusnaturalismo deísta, com influência de Grócio e Pufendorf. Segundo Gauer (2001: 179): 

O Marquês de Pombal, em carta enviada ao governador do Matto Grosso comunica a filosofia moral e ética-política de governo e comando a ser seguida no Brasil. Na carta, solicita que o governador não consinta que haja violência dos ricos contra os pobres, e que o governador seja o defensor dos pobres e miseráveis, invoca o princípio cristão de bom católico para a defesa dos menos privilegiados. Orienta também como se deve repreender os réus com moderação e que o tratamento aos súditos jamais poderá ser feito com palavras injuriosas e de afronta, “porque os homens, se são honrados, sentem menos os pesados grilhões e a privação da liberdade, do que as descomposturas de palavras ignominiosas”. O modelo de administração que as palavras da carta sugerem retrata a concepção moderna de administrar. 

Ressalte-se que no Compêndio Histórico de 1772 estão registrados os pensamentos do jurista holandês Hugo Grócio ou Huig de Groot (1583- 1645), que juntou todos os documentos pertencentes a disciplina de Direito Natural. Grócio somou todas as obras e formou um sistema amplo e completo. Seu discípulo, o jurista Samuel Von Pufendorf (1632- 1694), em várias citações, resumiu o seu sistema em um Compêndio e levou-o para uso nas lições de escola, tornando-se o primeiro professor de Direito Natural e das Gentes. Muitos abraçaram o estudo de Pufendorf, como Cristiano, Tomásio, Wolff, Henrique e Samuel Cocceo e outros.

Importante salientar que um bom jurista à época devia trazer consigo sempre os Annaes da História e o Código das Leis Naturais, para servir de base para a interpretação de todas as leis positivas, Canônicas ou Civis que se conformavam com a razão natural; por isso a história nunca deveria se desvincular do seu momento, é preciso indagar- se a ocasião, o lugar, o tempo da lei, os costumes, o gênio, o caráter e a forma do Governo da Nação.

Vale salientar que Aristóteles, S. Tomás, Suárez, Molina, Soto, Mariana, Victória, Velasco e muitos outros constituíam os expoentes máximos do pensamento filosófico-jurídico português e suas doutrinas encontram-se desenvolvidas nas obras dos jurisconsultos e moralistas do século XVIII. Segundo Moncada (2003), o conceito de direito natural e lei natural, de lei eterna, de lei divina, de direito positivo e da sua subordinação às anteriores, de boa razão, a distinção entre direito natural primeiro e secundário, a ideia escolástica do bem comum, como fundamento das leis e do estado, eram ideais dos jurisconsultos romanos clássicos, dos Padres da Igreja e de alguns filósofos antigos e constituíam a perspectiva filosófica da cultura jurídica portuguesa. Muitos eram os países em que essa independência da Teologia não havia, principalmente nos países que tardaram o rompimento com os métodos escolásticos, adaptando a Filosofia Moderna.

Encontram-se alguns juristas e moralistas portugueses que expõem em suas obras um material abundante para confirmar o que foi dito. Entre eles: D. Fr. Amador Arrais (falecido em 1600) com a obra Diálogo sobre as Condições do Bom Príncipe; Duarte Ribeiro Macedo (1618- 1680) com o seu Breve Discurso das Partes dum Juiz Perfeito; e Domingos Antunes Portugal (século XVII) com Tract. de Donationibus Regiis (1669). O estudo do Direito Filosófico independente da Teologia e seu ensino oficial só se introduziram em Portugal com a reforma dos estudos do reinado de D. José, contida nos Estatutos da Universidade, de 1772.

O estudo oficial do direito filosófico nasceu em Portugal sob o signo da Escola de Direito Natural e das Gentes, dos séculos XVII e XVIII, cujos representantes foram Grócio, Pufendorf, Tomásio e Wolff. Este teve larga influência, além da consagração dos Estatutos da Universidade; também houve a adoção do livro de Martini como compêndio para a cadeira de Direito Natural. O fato de Filosofia do Direito passar a ser Direito Natural aconteceu também nas outras Universidades europeias. Frederico Ludovici na sua obra Delineatio Hist. Juris Divini, Natur. et Positivi Universalis (1714), referiu-se às Universidades em que havia lições públicas de Direito Natural como em Friburgo, Innsbruck, Praga e Viena em 1754 no reinado de Maria Teresa de Áustria.

Importante ressaltar também que, antes de 1768, havia sido traduzido para o português os Elementos de Direito Natural de Burlamaque, por José Caetano de Mesquita, professor do Colégio dos Nobres. Burlamaque (1691-1748) foi também discípulo de Wolff que pretendera conciliar as doutrinas deste com as de Grócio e Tomásio. O compêndio de Martini, mencionado anteriormente, intitulado Positiones de lege naturali in usum auditorum foi comentado e seguido nas aulas de Coimbra até 1843. Martini não se desvinculou da Teologia e expõe que os direitos dos indivíduos devem estar sempre associados às respectivas obrigações, que resultam de algum fato humano, como conservação, apropriação, segurança, defesa e o direito de guerra; direitos que são iguais e conformes em todos os homens. Dessa igualdade decorre o direito de liberdade. As ideias dos discípulos de Wolff dão a conhecer o espírito formado no ambiente iluminista dos fins do século XVIII e não é por acaso que a reforma de 1772 foi buscar as suas ideias para a educação nacional em matéria de direito filosófico.

Vale lembrar que os professores de Direito Natural que regeram o curso em Coimbra desde a publicação dos Estatutos foram: Manuel Pedroso de Lima, Manuel Luiz Soares, Francisco Pires de Carvalho e Albuquerque, Francisco Xavier de Oliveira Matos, Simão de Cordes Brandão e Ataíde e Portalegre José Fernandes Álvares Fortuna. Não se pode deixar de mencionar novamente Luís António Verney que não foi propriamente um filósofo do direito, mas demonstrou uma concepção filosófica partidária da existência de um direito natural como parte da Ética, considerando uma ciência racional e independente da Teologia.

Assim, Gonzaga, diante dos novos ideais jusnaturalistas que vislumbravam na Europa, escreveu Tratado de Direito Natural com o objetivo de expor o primeiro livro em português sobre as disposições recentes do Direito Natural, unindo-as a Teologia e demonstrando como deve viver uma sociedade organizada: 

Ainda que não haja uma só causa, de que não se deduza a existência de Deus, Epicuro, Espinosa e outros ímpios que se compreendem no genérico nome de “ateus”, negaram detestávelmente esta incontrovertível verdade. Este êrro é o mais nocivo à sociedade dos homens, pois os deixa despidos de qualquer obrigação, à semelhança dos brutos, a quem fêz a Natureza destituídos do discurso e da razão. (GONZAGA 1957: 18) 

Em sua obra, Gonzaga comparou as concepções de Grócio e Pufendorf, fundadores da moderna escola de Direito Natural, com as de Heinécio que uniu as concepções de ambos com a Teologia: “Como pois a existência de Deus é a base principal de todo o Direito, será justo que a mostremos com razões físicas, metafísicas e morais” (GONZAGA 1957: 18). Observa-se que com a fusão das concepções de Grócio e Pufendorf, Gonzaga vai demonstrando nos subitens do tratado toda a sua argumentação sobre a necessidade da existência divina: 

Uma demonstração física da existência de Deus é a necessidade que temos de um Ente, em que tenham princípio tôdas as cousas que vemos, pois, como não podiam dar a si próprias o ser, havemos necessàriamente confessar que um princípio incriado, causa da existência de todas. (GONZAGA 1957: 18-19)

Gonzaga vai justificando no decorrer de todo o texto a afirmação da necessidade da teologia. Nesse mesmo âmbito, destacou-se Antônio Ribeiro dos Santos que se formou como bacharel no curso de cânones em 1768 e foi convidado a integrar a Academia das Ciências e contribuiu para a reforma dos estudos de Coimbra, participando da elaboração do texto do Compêndio Histórico (1772). Ribeiro dos Santos partiu dos mesmos princípios jusnaturalistas de Gonzaga, mas chegou a conclusões diferentes, o que demonstra que nem todos tinham as mesmas ideias sobre o poder dos reis, o papel do poder legislativo e outros aspectos sociais.

Houve, então, diante das oposições , a criação dos Assentos da Casa de Suplicação que determinava a interpretação ideal da lei. Mas, para Ribeiro dos Santos não era o ideal, pois quem determina a lei era o governante. Gonzaga ao escrever o Tratado de Direito Natural seguiu as ideias vigentes na Europa e em Portugal em particular. Gonzaga iniciou o seu texto, então, a partir do princípio teológico, construindo o seu conceito de Direito Natural, relacionando suas ideias com os princípios de Grócio, Pufendorf, Tomásio, Heinécio e outros formuladores da moderna teoria do Direito Natural: 

Não faltou também quem negasse a existência do Direito Natural. Este erro não é menos nocivo à sociedade humana que a péssima doutrina dos ateus. Que diverso efeito podemos considerar entre o não admitirmos um Deus, princípio de tudo, ou admiti-lo, negando a sujeição às suas importantes leis? (GONZAGA 1957: 23) 

Vale lembrar que, o único meio de impor pressão social era o de afirmar que quem cometesse alguma irregularidade o “castigo” estava no plano moral:

Por isso, para quem não existisse a possibilidade de os homens viverem apenas seguindo “seus apetites torpes e suas depravadas paixões”, Deus teria aprovado a criação das sociedades humanas. Daí que, ainda que todos fossem por natureza iguais, esta mesma natureza teria obrigado Deus a infundir diferenças entre os homens: uns seriam governantes, outros governados. Os governantes teriam o direito e o papel de fazer, desta vez através de castigos efetivos, cumprir os preceitos estipulados por Deus. Às leis derivadas deste direito, Gonzaga chamou de Direito Civil. (GRINBERG 1997: 3) 

O direito natural ficou circunscrito à esfera de atuação do civil. Gonzaga expõe sobre a hierarquia social, as divisões do poder, a importância da lei e do direito, discussões sobre o caráter das ações humanas, livre-arbítrio e a consciência. Dessa forma, Deus é quem organiza as relações sociais e fornece um fundamento para as ações humanas. Diante disso, nota-se constantemente por todo o Tratado de Direito Natural a presença da escolástica. Para deixar claro esta influência, Gonzaga usa do método silogístico, quando prova a existência de Deus, a existência do Direito Natural, e a origem natural da sociedade.

Segundo Campos (1970: 166), o pensamento escolástico faz-se sentir na própria doutrina versada. pelos autores citados percebe-se a formação humanística e seu gosto pelos estudos escolásticos como: Cícero, Sêneca, Tácito, Plínio o Jovem Suetônio, Juvenal, juntamente com Aristóteles, São Tomás de Aquino, São Boaventura e Ricardo de Mediávila.

Campos deu destaque e preferência às citações de Aristóteles e de Santo Tomás autores preferidos da Escolástica Portuguesa: “Aristóteles é citado quatro vezes, Santo Tomás dezoito (quinze citações referem-se à Suma Teológica, uma às Sentenças, uma às questões Disputadas e uma ao da Verdade)” (1970: 166). Há ainda partes da Sagradas Letras, ao antigo e Novo Testamento que era a mentalidade reinante na Escolástica Portuguesa, contra a Reforma Protestante. Mas, também no Tratado de Direito Natural a influência não-escolástica, que é possível notar quando Gonzaga cita Grócio e Pufendorf.

Segundo Campos, Grócio admitiu que o direito se funda na natureza e que procede da livre vontade de Deus: “O direito natural é, porém, em seu entender, independente da vontade divina, enquanto que Deus não pode querer algo contrário a ele” (1970: 168); para Grócio, ainda que Deus não existisse, existiria direito natural. Pufendorf sofreu influência de Hobbes e de Grócio, mas equipara o direito natural à vontade divina. Neste ponto, segundo Campos (1970), Gonzaga recebe a influência de Pufendorf naquilo que este se refere à doutrina, colocando a vontade divina como origem do Direito Natural e à teoria da origem da sociedade.

Convém, portanto, discorrer sobre os representantes da escola moderna do direito natural para efetuar relações entre a obra gonzaguiana e suas teorias. A escola do Direito Natural iniciou-se nos Países Baixos e na Alemanha, no século XVII e teve como fundadores Hugo Grócio e Samuel von Pufendorf. Ela se caracteriza por referir-se à natureza do homem e da sociedade como bases para a noção de justiça.

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Fonte:
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO: “O IDEÁRIO GONZAGUIANO NA OBRA TRATADO DE DIREITO NATURAL” (Tese apresentada ao curso de Pós- graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina). Londrina, setembro de 2008.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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