12/06/2024

O Tratado de Direito Natural e suas disposições


O TRATADO DE DIREITO NATURAL E SUAS DISPOSIÇÕES 

A obra Tratado de Direito Natural foi publicada pela primeira vez em 1942, em uma edição organizada e prefaciada por Rodrigues Lapa. O texto estava presente, até aquele momento, na Seção Pombalina da Biblioteca Nacional de Lisboa. O manuscrito foi copiado pelo pai de Gonzaga, o desembargador da Casa de Suplicação de Lisboa, João Bernardo Gonzaga e assinado pelo próprio autor.

Segundo Campos: “O jovem opositor fazia nele a política do poderoso Ministro, punha o poder real acima do eclesiástico, defendia o cesarismo, a tirania ilustrada” (1970: 162). O próprio pai apresentou ao Marquês a tese do filho: “Aquelle herói, que amante da verdadeira sciencia”. (MAXWELL 2005: 117).

O objetivo do Tratado de Direito Natural é o bem e o melhoramento da sociedade humana e a felicidade de todos os vassalos. Para que a ação política fosse eficaz e a harmonia da comunidade dos súditos fosse garantida, era preciso que a Igreja fosse submetida às leis dos monarcas temporais.

Gonzaga afirma, na introdução de seu Tratado de Direito Natural, que a verdadeira felicidade do homem está na sua felicidade eterna, colocando no homem as leis pelas quais se deve guiar na vida para merecer tal felicidade: 

1. Para conduzir o homem a este fim, infundiu no seu coração as leis pelas quais se devia guiar. Deu-lhe a liberdade, para conformar ou não com elas as suas acções. Enfim, fez tudo o que era necessário para que o homem se fizesse merecedor de uma glória eterna ou de um eterno castigo. (GONZAGA 1957: 15-16)

Se as ações humanas fossem boas, o homem mereceria a glória; se más, um castigo eterno. Gonzaga abre seus argumentos sobre como viver bem e em decência, buscando uma vida eterna, expondo sobre as leis divinas que são um Direito Natural e que são impostas pelo uso do discurso e da razão. Para ele, Deus impôs então, nessa sociedade humana, um imperante, um rei, dando-lhe todo poder necessário, regido pelo que chamamos modernamente de Direito Civil.

Segundo Campos, o Tratado de Direito Natural apresenta em sua introdução a noção de Direito Natural, que é a coleção de leis, “que Deus infundiu no homem para o conduzir ao fim que se propôs na sua criação”, leis estas “naturalmente intimadas ao homem, por meio do discurso e da razão (1970: 163). Acerca do Direito Natural, Gonzaga pergunta que pessoa em si não recorre naturalmente a Deus nos momentos de perigo (1957: 23). Alguns chegam a julgar se Deus existe ou não, mas isso os levaria à destruição, à morte:

Se ainda hoje não basta a certeza e o temor da pena para desterrar a execução dos insultos, que fariam os homens, se se considerassem livres de semelhante jugo? Os poderosos, os iracundos, se armariam de ferro; tingiriam a todo o instante a terra com sangue dos inocentes e fracos; os pactos não teriam vigor; os estupros e os adultérios seriam contínuos; enfim, não se regeriam os homens senão pelos estímulos dos apetites do ódio e da ambição. (GONZAGA 1957: 23) 

Vale ressaltar as palavras de São João quando diz que: “Porque todo aquele que faz o mal, aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de que não sejam arguidas as suas obras” e acrescenta a essa atitude má, uma contradição “mas aquele que pratica a verdade, chega-se para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas segundo Deus.” (SÃO JOÃO 3, 20 e 21). Quanto ao Direito Civil, Gonzaga descreve, pois, que todo homem deve viver com lei: “1. Ao homem de nenhûa sorte convém o viver sem lei. [...] e a não ter um jugo que o domasse, praticaria com eles à maneira dos peixes no mar, donde o maior devora as mais pequeno” (1957: 24).

Gonzaga escreveu este livro por dois motivos: o primeiro foi o de ver que não havia na nossa língua um só tratado desta matéria. O segundo, por ser uma obra que poderia ser lida por principiantes, sem que bebessem os erros dos naturalistas, como os que diziam que casamento não é matrimônio. Principiantes que lerem esses erros, dificilmente conseguem deixá-los, pelo menos esse é o seu objetivo que deixa claro na introdução do Tratado de Direito Natural. Gonzaga discute que Deus criou o mundo e precisava de um homem inteligente para poder valorizar a si, a Deus e ter a glória eterna. Infundiu, então, nos homens as leis pelas quais se devia guiar. Deu-lhe liberdade para conformar ou não com elas as suas ações. Fez de tudo para que o homem se sentisse merecedor da glória eterna ou de um castigo.

A coleção dessas leis que infundiu no homem chama-se Direito Natural ou Lei da Natureza. Elas são intimadas no ser humano pelo discurso e pela razão. Mas, o homem perdeu a justiça e a inocência. O remédio seria que se estimulassem os bons e atemorizasse aos maus, haveria, então, um concílio entre todos, uma união e paz: “A colecção pois destas leis, que Deus infundiu no homem par o conduzir ao fim que se propôs as sua criação, é ao que vulgarmente se chama Direito Natural, ou Lei da Natureza, porque elas nos são naturalmente intimadas por meio do discurso e da razão” (GONZAGA 1957: 16).

Procurou discutir que a natureza não deu a uns o poder de mandarem. Deus deu aos imperantes todo o poder. A coleção das leis é o Direito Civil, que não provêm da Natureza, mas da sociedade: “aprovou Deus as sociedades humanas, dando aos sumos imperantes todo o poder necessário pra semelhante fim” (GONZAGA 1957: 16). Para ele, os homens vivem sujeitos às leis de um superior, logo não podem fazer todas as ações que seriam concedidas no estado de Natureza. Deve-se ensinar como se pode e se deve cumprir.

No primeiro livro, Parte I, Dos princípios necessários para o Direito Natural e Civil, Primeiro Capítulo, Da existência de Deus, Gonzaga cita Epicuro, Espinosa e outros que negaram a verdade da existência de Deus: “Ainda que haja uma causa, de que não se deduza a existência de Deus, Epicuro, Espinosa e outros ímpios que se compreendam no genérico nome de ‘ateus’, negaram detestávelmente esta incontrovertível verdade” (GONZAGA 1957: 18).

Esse erro deixa os homens sem qualquer obrigação, à semelhança dos que não têm razão. a necessidade, para a honestidade da vida, da presença de um juiz, caso contrário, seria uma confusão e desordem. Imaginar fazer só o que o homem tem vontade, seria terrível. Assim, para Gonzaga a existência de Deus é a base de todo o Direito, o que contraria os precursores jusnaturalistas que disseram que o Direito precede a filosofia e a política, logo é a pura razão. O autor demonstrará, então, as razões físicas, metafísicas e morais: “Como pois a existência de Deus é a base principal de todo o Direito, será justo que a mostremos com razões físicas, metafísicas e morais” (GONZAGA 1957: 18).

A Física seria a necessidade de um Ente, em que tenham princípio todas as coisas que são vistas. Os entes existem e deve-se admitir um princípio necessário, causa da sua existência. Nenhum ente pode ser causa de sua própria existência. Um ente físico pode existir se houver um outro ente físico. Os entes físicos não podem receber de si próprios o primeiro ser, pois antes que o recebesse, ainda não eram entes que pudessem dar.

Epicuro acreditava que a formação do mundo procedia do acaso. Essa doutrina é indigna de um animal dotado de razão. Se um relógio é observado, vê-se que alguém o fabricou, isso não é por acaso. O mundo foi criado em tempo. Quanto aos princípios da cidade, origens das ciências e das artes, como não verificar a verdade: 

Se admitimos um princípio necessário, confessamos a Deus; se dizemos que todos são contingentes, então havemos conceder que eles puderam em algum tempo não existir.  E  que  absurdo  se  segue  de  semelhante consequência! Nada menos se segue do que pormos todos os entes que actualmente existem impossíveis de existirem. Façamos palpável esta verdade. (GONZAGA 1957: 19) 

Para Gonzaga a persuasão da existência de Deus sempre foi importante. A pessoa nos momentos de perigos recorre a Deus. Para ele, todos têm um princípio espiritual: “Quem haverá que nos perigos não recorra naturalmente a Deus?” (GONZAGA 1957: 22).

No segundo capítulo, Da existência do Direito Natural, Gonzaga (1957: 25) relata que nenhum homem pode viver sem lei. O homem tem a paixão por riquezas onde o maior devora ao menor. Se não houver lei, ou os homens são perfeitos ou suas ações não diferenciam das ações dos brutos. Deve-se admitir que um Deus, logo, deve-se reconhecer a obediência às suas disposições. “Depois de admitirmos o princípio certo de que um Deus, autor de todas as cousas, havemos reconhecer uma total obediência às suas disposições” (GONZAGA 1957: 24). Devem-se cumprir as leis, pois Deus não quer que os homens concorram para a sua própria infelicidade. Deus quer que o homem concorra para a sua conservação: “Daí vem que Deus quer que o pai alimente ao filho, e temos vontade de Deus e por consequência lei” (GONZAGA 1957: 25). Gonzaga confirma que Deus quis que o homem se juntasse a uma mulher e não a outro homem, porque ele criou um sexo diferente. Toda vez que o ser humano usar o sexo para outro fim, que não seja a propagação, estará indo contra a vontade de Deus: “Criou Deus ao homem e à mulher. Daqui se segue que Deus quis que eles se ajuntassem; e que não quis que ele se ajuntasse com outro homem, porque lhe criou companheiro de diverso sexo” (GONZAGA 1957: 26). Discute também que os homens têm direito a uma sociedade tranquila. Todo animal apetitoso deseja tudo para ser feliz. Se não o tem, não é feliz. O homem não pode viver feliz sem a sociedade de seus semelhantes, essa é a prova da fragilidade da sua natureza. O homem é o mais fraco de todos os animais; não tem armas naturais, como as feras, para destas se defender. Sabendo que o homem não viveria fora da sociedade, deve-se observar que é necessário então o reconhecimento da lei: 

Deus quer que eu viva sociável com o meu semelhante, para poder ser feliz; há de também querer que o meu semelhante me faça feliz. Vivo com os homens, para fugir às iras de uma fera, que me ofende, sem me conhecer o meu direito; e os homens que eu busco para defesa há de quebrá-lo, quando têm dele um perfeito conhecimento? (GONZAGA 1957: 27) 

Deus quer tudo o que for necessário para a felicidade humana. Deus quer que os homens vivam sociáveis com o semelhante e o semelhante deve fazer o outro feliz. Deus não quer que se ofendam uns com os outros, para viverem temerosos nessa sociedade. Deus não quer que os homens se ofendam, mas sim que se ajudem.

Quando Gonzaga fala de Grócio, ele menciona que este torna a provar a existência do Direito Natural pela condição da consciência humana. Não pessoa que não tenha remorso quando executa algo que vai contra a sua razão. Remorso seria o temor de um castigo. A mesma natureza que ensina a temer, ensina que há lei, por cuja transgressão julgam merecedores do castigo: “A mesma natureza que nos ensina a temer, nos ensina que há lei, por cuja transgressão nos julgamos merecedores do castigo” (GONZAGA 1957: 28). Gonzaga diz que Deus deu a liberdade e não sujeitou o homem à lei. Heinécio responde que liberdade é uma faculdade para fazer o que for conveniente e não para fazer o que é nocivo. Deus deu liberdade para que o homem possa ser merecedor ou desmerecedor: “Nós diremos que Deus não nos deu liberdade para podermos obrar tudo de jure, mas sim de facto, para podermos assim merecer ou desmerecer, como se verá do contexto do seguinte capítulo” (GONZAGA 1957: 28).

No terceiro capítulo, Do livre arbítrio, Gonzaga afirma que Deus não havia de imputar ao pecador em culpa o que ele fizesse forçado. Como, pois, todo Direito Natural e Civil se firma na certeza do livre arbítrio: “Sendo Deus um ente sumamente justo, não havia de imputar ao pecador em culpa o que ele fizesse forçado; nem julgar por justo a quem não se pudesse desviar do caminho da rectidão. Por este mesmo princípio ficariam as sociedades civis totalmente inúteis” (GONZAGA 1957: 29).

No quarto capítulo, Das ações Humanas, Gonzaga discute que existem ações boas e más. As boas são as que seguem a lei e as más as que divergem do caminho da lei e que toda ação é decorrência de um princípio interno que o anime, ou de um externo que o violente. Algumas coisas são feitas no corpo humano, sem que o homem seja sabedor delas como a circulação do sangue, o movimento do coração e outras como andar e falar. As primeiras são ações físicas e naturais. Andar e falar são livres ou morais. As livres são humanas e as físicas não humanas: “Pois não as faz como homem, isto é, como animal dotado de liberdade e de razão” (GONZAGA 1957: 35). As ações humanas dividem-se em internas e externas. Internas são as que a alma faz (amar, sentir) e externas a que a alma faz e passam a exercitarem-se pelas forças do corpo, como são andar e ferir. Quais seriam então a bondade e a maldade dessas ações?

No quinto capítulo, Da imputação das ações, o autor procura explicar o que é imputação. Imputar é julgar que o agente dela está nos termos de receber o prêmio, ou de suportar o castigo, pela lei destinado contra os executores de semelhante ação. Para fazer a imputação é preciso que a pessoa tenha claro conhecimento de todas as circunstâncias da ação e da lei com que se deve confrontar semelhante ação: “Posto que é regra geral que todas as acções que se executam ou contra a consciência ou contra alei, são em si más, não é contudo regra universal que todas as acções más senos podem imputar; porque há muitas, das quais posto que fisicamente as fazemos, não somos moralmente autores” (GONZAGA 1957: 54).

No sexto capítulo, Do princípio do Direito Natural, Gonzaga afirma que Direito Natural tem dois princípios, o de ser e o de conhecer. De ser é a origem da obrigação. De conhecer é uma proposição tal que, posta ela, o homem conhecerá quanto é de Direito Natural. Direito de ser, então, é a vontade de Deus. De ser é a vontade de seu legislador. De ser é a norma das ações. A norma deve ser reta, certa e permanente. Dentro do homem ela não está, porque o entendimento, a consciência e a vontade é que estão dentro do ser humano: “Se o princípio “de ser” não é outra cousa mais do que a origem da obrigação , quem poderá duvidar que o Direito Natural não pode ter outro princípio senão a vontade de Deus?” (GONZAGA 1957: 61).

Logo, a norma vem junto com a obrigação externa. O princípio do Direito Natural é a vontade de Deus. Para ter obrigação, deve haver lei. Para haver lei, de haver legislador, e não o tirado Deus. Assim, tirado Deus, não pode haver lei natural, e, por consequência, nem obrigação. Faltando Deus, falta sim a execução do direito, mas não a obrigação. O princípio de conhecer é uma regra, logo se pode conhecer o que é proibido ou mandado por direito da Natureza. O princípio do conhecer do Direito Natural deve ser certo, claro e adequado.

Na segunda parte, Dos princípios para os direitos que provêm da sociedade cristã e civil, Gonzaga trata dos princípios em que se deve instruir quem quiser aprender as que constituem os santos direitos que provêm da sociedade. O autor diz que escreve entre um povo que vive numa sociedade civil, mas no meio de uma sociedade cristã: “Eu escrevo entre um povo, que não vive entre ua sociedade civil, mas nomeio de uma sociedade cristã” (GONZAGA 1957: 67).

No primeiro capítulo, Da necessidade da religião revelada, Gonzaga expõe que é uma doutrina totalmente errônea. São Tomás diz que para se conhecer as verdades que são naturais e sobrenaturais é preciso que se tenha conhecimento de umas e outras e que é totalmente necessário à luz de uma revelação divina e que esta mostre o que não se pode alcançar naturalmente, como também que guie nos seres humanos os passos pelo caminho da virtude, da justiça e da verdade. 

Ele pergunta se além das doutrinas filosóficas nos são necessárias outras, para podermos conhecer por meio delas não as verdades que fogem da nossa compreensão, mas também as que cabem nos limites dela. Para responder a esta pergunta, distingue duas qualidades de verdades: umas que contêm cousas naturais, e outras as sobrenaturais; concluindo que, para têrmos um perfeito conhecimento de umas e outras, nos é totalmente necessária a luz de uma revelação divina. (GONZAGA 1957: 68)

 

No segundo capítulo, Da verdade da Religião Cristã, Gonzaga argumenta que a única religião verdadeira é a que Jesus Cristo ensinou à humanidade. Primeiramente, o autor pretende demonstrar quem foi este homem denominado Jesus Cristo. O autor solicita que se olhe para todo o mundo onde se segue o cristianismo para ver como foi propagado: “Para conseguirmos pois êste fim que nos propomos, devemos primeiramente mostrar que houve este homem Deus, a quem denominamos Jesus Cristo” (GONZAGA 1957: 70).

No terceiro capítulo, Da Igreja Cristã e das suas propriedades, o autor estabelece que se deve ter uma sociedade religiosa, ou uma igreja, onde se possa propagar a religião cristã: “Esta igreja se pode definir: ua congregação de fiéis, que seguem a religião de Cristo, debaixo do regímen do seu legítimo pastor” (GONZAGA 1957: 78). No quarto capítulo, Do poder da Igreja, Gonzaga menciona que todos os fiéis reconhecem obediência e sujeição à igreja cristã. Há na igreja um imperante sumo, que dirige essa sociedade ao fim da felicidade eterna. 

Depois de admitirmos uma igreja ou sociedade cristã, não podemos deixar de confessar que há nela precisão de um imperante sumo, a quem todos fiéis reconheçam uma total obediência e sujeição; pois assim como na sociedade civil deve haver uma cabeça, que dirija as partes dela ao fim da felicidade temporal, assim também na república cristã, de haver um imperante sumo, que dirija as partes dela ao fim da felicidade eterna. (GONZAGA 1957: 80)

No quinto capítulo, Do que é cidade ou sociedade civil. Da causa eficiente e necessidade dela, Gonzaga questiona quais são os princípios necessários para se estabelecerem os que nascem da sociedade civil: “No estado da sociedade civil que os homens constituíram, eles se vêm despojados da natural igualdade, expostos às iras de um rei tirano, sujeitos a pesados tributos, a castigos injustos, aos perigos e outras infinitas calamidades” (GONZAGA 1957: 92).

No sexto capítulo, Das divisões das cidades, do modo porque se formam e de qual seja a melhor forma delas, Gonzaga relata que as cidades se dividem em regulares e irregulares. Regulares são as governadas por uma só pessoa. As irregulares são governadas por diversos sujeitos. Gonzaga deixa claro que ninguém duvidará que a democracia é a pior de todas as formas de cidade e a monarquia é a melhor forma de governo: “Creio que ninguém duvidará que a Democracia é a pior de todas” (GONZAGA 1957: 99).

No sétimo capítulo, Do poder civil e das propriedades do Sumo Império, Gonzaga (1957: 101) verificará donde provém o poder civil e das propriedades do supremo poder e império. Será que todo o poder dos monarcas vem de Deus? “Uns dizem que eles o recebem imediatamente de Deus e imediatamente do povo” (GONZAGA 1957: 101). O povo só tem a faculdade da eleição. Deus o poder a quem pode exercitar.

No oitavo capítulo, Das divisões do Império dos Modos por que ele se adquire, Gonzaga diz que Império “ou é absoluto ou é limitado” (GONZAGA 1957: 107). Absoluto, quando os direitos da majestade estão todos unidos. Limitado, quando a pessoa que o tem não pode exercitar todos os direitos da majestade. No nono capítulo, Dos direitos do Sumo Imperante, Gonzaga diz que são os direitos que conservam a felicidade para a sociedade: “Os direitos do sumo imperante é tudo o que é necessário para se conservar a felicidade assim interna como externa da sociedade” (GONZAGA 1957: 113).

Na terceira parte, Do direito, da justiça e das leis, no primeiro capítulo, Do Direito e da Justiça, Gonzaga demonstra que Direito é a faculdade natural que cada um tem em obrar ou não. Também significa uma coleção de leis homogêneas. Direito Natural é a que provém da natureza civil. Nesse item, Gonzaga define o que Direito Natural: 

Nós não nos cansamos com tão inúteis e tão supérfluas divisões. Todo o direito ou é natural ou é positivo. O direito, como produz obrigação, há de provir de um superior. As gentes são todas iguais, e o que umas constituíram não pode fazer direito para as outras. Daqui deduzo que ou o que as gentes seguem é conforme à natureza racional e exigido pelas necessidades humanas, e então é direito da Natureza, ou que são disposições arbitrárias dos primeiros homens, e então não são outra cousa mais do que um direito civil, seguido e abraçado igualmente por diversos povos. (GONZAGA 1957: 121). 

No segundo capítulo, Das Leis em geral, Gonzaga refere-se ao conceito de lei de Heinécio como uma das melhores, não descartando a de Pufendórfio. Heinécio diz: “a lei é uma regra dos actos morais prescrita pelo superior aos súbditos para os obrigar a comporem conforme ela as suas acções” (GONZAGA 1957: 129). No terceiro capítulo, Das leis em particular, Gonzaga expõe que a lei eterna é a razão com que Deus governa tudo:

Lei eterna, tomada no sentido lato, é a suma razão com que deus governa tudo; tomada no seu sentido estrito, é uma ordenação da vontade de Deus, pela qual ele ab aeterno determinou que haviam obrar as criaturas racionais as cousas necessárias para viverem conforme a natureza racional. (GONZAGA 1957: 135) 

No quarto capítulo, Da interpretação das leis, deve-se entender a lei, conforme o costume recebido. Heinécio diz que a interpretação deve ser feita mais a favor de quem sente o dano do que a favor de quem recebe o lucro, a não ser que “as palavras da lei devem-se impropriar todas as vêzes que, de se entenderem no seu significado próprio, se seguir absurdo, injustiça ou inutilidade da mesma lei. ( GONZAGA 1957: 145).

No quinto capítulo, Do privilégio e do Costume, o privilégio é algo feito pelo monarca para além da lei: “é uma faculdade constante


concedida pelo monarca para se fazer alguma cousa contra, além da lei.”(GONZAGA 1957: 148). No sexto capítulo, Da dispensa, ab-rogação e revogação da lei, Gonzaga fala que nem nas leis naturais nem nas leis divinas pode-se dispensar pessoa alguma: “A dispensa é ua relaxação da lei para certo caso. Esta só pode ser dada por aquêle que tiver poder ordinário, como é o mesmo que teve o poder de a pôr, ou por aquêle que o tiver delegado, que é o que recebe dêle a necessária jurisdição” (GONZAGA 1957: 150).

Com essa sequência, o Tratado de Direito Natural é essencial para entender as estruturas de pensamentos ou uma história de ideias a matizar, pelo menos em tese, o pensamento brasileiro, isto é, dos intelectuais que estudaram na Universidade de Coimbra. A obra apresenta acerca de outras instituições políticas como a família, a cidade, uma vez que este Tratado de Direito Natural expõe como deveria agir o homem do século XVIII com suas regras e limites para o bem-estar de toda a comunidade. Gonzaga demonstra em sua obra quais os princípios necessários para o Direito Natural e Civil; quais os princípios para os direitos que provêm da sociedade cristã e civil; e do direito, da justiça e das leis que imperavam no século XVIII. Vale salientar que o Tratado de Direito Natural foi escrito em 1768, quando Gonzaga tinha 24 anos e que naquela época era a sua tese universitária, para ocupar a tão almejada cadeira de professor na Universidade de Coimbra. Foi uma obra dedicada ao Marquês de Pombal, que expõe muito sobre Direito Natural, dando destaque aos jusnaturalistas do século XVIII, como Grócio, Pufendórfio, Heinécio e Cocceo, apresentando um enfoque escolástico, como pudemos verificar no capítulo mencionado anteriormente sobre os jusnaturalistas.


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Fonte:
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO: “O IDEÁRIO GONZAGUIANO NA OBRA TRATADO DE DIREITO NATURAL” (Tese apresentada ao curso de Pós- graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina). Londrina, setembro de 2008.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público 

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