Para baixar o livro gratuitamente, clique na imagem e selecione-o em:
↓
---
Disponível provisoriamente em "Google Drive", no link abaixo:
↓
---
Escravidão indígena
Boa parte do
processo de enquadramento dos “novos” povos índígenas à orbe cristã, por parte
dos homens da alta modernidade, demonstra uma herança e reutilização do
ramo historiografico medieval da universalidade histórica que tinha sido
abandonada em preterimento as histórias regionais. Nesta primeira, todos os
acontecimentos humanos eram vistos como uma sequência desde os tempos da
imortalidade de Adão e Eva, e, como consequência, todos os povos do mundo eram
oriúndos desses dois primeiros humanos. Ao depararem-se, inesperadamente, o
homem moderno com os povos indígenas, conforme as tradições medievais, foi
necessário enquadrá-los também dentro desta história
universal. E assim como os portugueses eram descendentes e herdeiros de Tubal,
os ameríndios também tiveram sua genealogia recuada aos tempos bíblicos.
Vieira, em especial, via-os como uma das Tribos Perdidas de Israel, baseando-se
primordialmente no relato de António Montezinos.
Vemos a
tentativa de enquadrar a América dentro das histórias bíblicas. No “Sermão da
Epifania, pregado na Capela Real”, Vieira vai questionar a cena bíblica do
Presépio de Mateus II, onde todos os reis, representando todas as partes do
mundo, vieram reconhecer a majestade de Cristo recém nascido. As três partes do
mundo, figuradas nos três reis magos, eram Ásia, África e América”. Ora,
questiona Vieira “A América não, também parte do mundo, e a maior parte
dela?
(…) porque há-de
faltar à pobre América?”. Porém Vieira, vai “conciliar”
esta “exposição dos Padres” com as passagens de Isaías afirmando “que
não havia de ser só uma, senão duas”. A primeira foi quando Cristo nasceu,
já “a segunda quase em nossos dias”, “quando já se contavam mil e
quinhentos anos do nascimento de Cristo”. A América e seus
reis já estavam profetizados por S. Bernardo e revelados históricamente. Com
efeito, para Vieira, “o tempo, que é o mais claro intérprete dos
futuros, nos ensinou dali a quatrocentos anos, que estes felicíssimos reis
foram el-rei D. João o II, el-rei D. Manuel, e el-rei D. João o III; porque o
primeiro começou, o segundo prosseguiu, e o terceiro aperfeiçoou o
descobrimento das nossas conquistas”.
As ambigüidades são esclarecidas, já que “Deus não
criou, nem cria substância alguma material e corpórea”; como pôde
Deus prometer a Isaías que “ainda havia de criar um novo céu e uma
nova terra”?. A resposta para Vieira era clara, este “Mundo Novo
tão oculto e ignorado dentro no mesmo mundo (…) quando de repente se descobriu
e apareceu, foi como se então começara a ser, e Deus, o criara de novo”. Com
a criação deste Novo Mundo criava-se também uma nova Igreja e uma nova
Jerusalém, e na realização desta profecia, Portugal desempenhara papel decisivo.
Tanto que Deus, “nesta segunda criação tomou por instrumento dela os
Portugueses”. E foram os portugueses que fizeram o mundo conhecer-se
a si, já que “estava todo o Novo Mundo em trevas e às escuras porque
não era conhecido”.
Vieira concebia de forma diversa o enquadramento dos
infiéis (gentílicos) que estavam sob os cuidados e signos desta Nova Igreja. “Se
os gentios indômitos, se os Tapuias bárbaros e feros daquela brenha se
armaram medonhamente contra os que lhes vão pregar a Fé; se os cobriam de
setas, se os fizeram em pedaços, se lhes arrancaram as entranhas palpitantes e
as lançaram no fogo, e as comeram”, esta não era razão ou justa
causa para o cativeiro perpétuo dos ameríndios. Esses nunca tiveram contato com
Cristo, pois perderam-se antes de Sua vinda. Passar pelos perigos inerentes à
instauração da Nova Igreja, são os trabalhos aos quais
deveriam se propor os que se partem para a América.
Vieira critica
os portugueses que vão ao Novo Mundo não em benefício da Igreja, mas sim pelo
benefício das riquezas materiais. Primeiramente por não fazer sentido ir buscar
riquezas às pessoas mais pobres cujos pertences todos se somam à uma só árvore.
E em segundo lugar porque os colonos, que deveriam ser
movidos a guerrear pelo mesmo animus que os missionários jesuítas: “por
caridade”, por querer verdadeiramente a conversão católica universal. Ao
exemplo da missões dos “Tupinambás e dos Puxiguaras” aos quais os
missionários levaram Cristo e sua Fé.
A escravidão
indígena era condenada por Vieira porque ela contrariava a instauração da “nova
Igreja” já que destruía a mesma “em seus próprios fundamentos”.
Portanto, ele insiste, “Acabe de entender Portugal que não pode haver
Cristandade nem cristandades nas conquistas, sem os ministros do Evangelho
terem abertos e livres estes dois caminhos, que hoje lhes mostrou Cristo”.
Estes dois caminhos se compunham de “um caminho para trazerem os
Magos à adoração, e outro para os livrarem da perseguição: um caminho
para trazerem os gentios à Fé, outro para os livrarem da tirania: um caminho
para lhes salvarem as almas, outro para lhes liberarem os corpos.”
A instauração
desta Nova Igreja, da qual compraz o Quinto Império, é essencial para a
conversão universal. “Querem que aos ministros do Evangelho pertença
só a cura das almas”, alega Vieira em protesto, “e que a servidão
e cativeiro dos corpos seja dos ministros do Estado”. Porém, ainda
que um destes caminhos pareça só espiritual, e o outro temporal, ambos
pertencem a Igreja”. Com efeito “assim
como dividir as almas do corpos é matar, assim dividir estes dois
cuidados é destruir” é destruir o instituto da conversão, e as
aspirações universalistas da Igreja católica.
Portanto, as
guerras justas, movidas para estabelecer as missões entre os ameríndios,
estavam justificadas, mas os cuidados desses cativos deveriam ficar sob tutela
dos missionários e não dos colonos, para fins de lucratividade. Acreditava
Vieira que, sob o exemplo e o trato dos missionários, o árduo processo de
conversão, que incluía inclusive o “ensinar o já ensinado, e a repetir o já aprendido,
porque o bárbaro boçal e rude, o tapuia cerrado e bruto, como não faz
inteiro entendimento,
não imprime nem retém na memória”, renderia
frutos. E eventualmente cumpriria a profecia de conversão universal,
pré-requisito para a instauração do Quinto Império.
---
Fonte:
Raquel Drumond Guimarães: “Vestígios do medievo nos Sermões do Padre António Vieira”. (Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal de Santa Catarina. Linha de pesquisa: Relações de poder e subjetividades. Orientador: Prof. Dr. Valmir Francisco Muraro). Florianópolis, 2012.
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Poderá também gostar de:
Nenhum comentário:
Postar um comentário