27/03/2016

Sermão VII, com o santíssimo sacramento exposto, do Padre Antônio Vieira

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Escravidão indígena

Boa parte do processo de enquadramento dos “novos” povos índígenas à orbe cristã, por parte dos homens da alta modernidade, demonstra uma herança e reutilização do ramo historiografico medieval da universalidade histórica que tinha sido abandonada em preterimento as histórias regionais. Nesta primeira, todos os acontecimentos humanos eram vistos como uma sequência desde os tempos da imortalidade de Adão e Eva, e, como consequência, todos os povos do mundo eram oriúndos desses dois primeiros humanos. Ao depararem-se, inesperadamente, o homem moderno com os povos indígenas, conforme as tradições medievais, foi necessário enquadrá-los também dentro desta história universal. E assim como os portugueses eram descendentes e herdeiros de Tubal, os ameríndios também tiveram sua genealogia recuada aos tempos bíblicos. Vieira, em especial, via-os como uma das Tribos Perdidas de Israel, baseando-se primordialmente no relato de António Montezinos.

Vemos a tentativa de enquadrar a América dentro das histórias bíblicas. No “Sermão da Epifania, pregado na Capela Real”, Vieira vai questionar a cena bíblica do Presépio de Mateus II, onde todos os reis, representando todas as partes do mundo, vieram reconhecer a majestade de Cristo recém nascido. As três partes do mundo, figuradas nos três reis magos, eram Ásia, África e América”. Ora, questiona Vieira “A América não, também parte do mundo, e a maior parte dela?

(…) porque há-de faltar à pobre América?”. Porém Vieira, vai conciliar” esta “exposição dos Padres” com as passagens de Isaías afirmando “que não havia de ser só uma, senão duas”. A primeira foi quando Cristo nasceu, já “a segunda quase em nossos dias”, “quando já se contavam mil e quinhentos anos do nascimento de Cristo”. A América e seus reis já estavam profetizados por S. Bernardo e revelados históricamente. Com efeito, para Vieira, “o tempo, que é o mais claro intérprete dos futuros, nos ensinou dali a quatrocentos anos, que estes felicíssimos reis foram el-rei D. João o II, el-rei D. Manuel, e el-rei D. João o III; porque o primeiro começou, o segundo prosseguiu, e o terceiro aperfeiçoou o descobrimento das nossas conquistas”.

As ambigüidades são esclarecidas, já que “Deus não criou, nem cria substância alguma material e corpórea”; como pôde Deus prometer a Isaías que “ainda havia de criar um novo céu e uma nova terra”?. A resposta para Vieira era clara, este “Mundo Novo tão oculto e ignorado dentro no mesmo mundo (…) quando de repente se descobriu e apareceu, foi como se então começara a ser, e Deus, o criara de novo”. Com a criação deste Novo Mundo criava-se também uma nova Igreja e uma nova Jerusalém, e na realização desta profecia, Portugal desempenhara papel decisivo. Tanto que Deus, “nesta segunda criação tomou por instrumento dela os Portugueses”. E foram os portugueses que fizeram o mundo conhecer-se a si, já que “estava todo o Novo Mundo em trevas e às escuras porque não era conhecido”.

Vieira concebia de forma diversa o enquadramento dos infiéis (gentílicos) que estavam sob os cuidados e signos desta Nova Igreja. “Se os gentios indômitos, se os Tapuias bárbaros e feros daquela brenha se armaram medonhamente contra os que lhes vão pregar a Fé; se os cobriam de setas, se os fizeram em pedaços, se lhes arrancaram as entranhas palpitantes e as lançaram no fogo, e as comeram”, esta não era razão ou justa causa para o cativeiro perpétuo dos ameríndios. Esses nunca tiveram contato com Cristo, pois perderam-se antes de Sua vinda. Passar pelos perigos inerentes à instauração da Nova Igreja, são os trabalhos aos quais deveriam se propor os que se partem para a América.

Vieira critica os portugueses que vão ao Novo Mundo não em benefício da Igreja, mas sim pelo benefício das riquezas materiais. Primeiramente por não fazer sentido ir buscar riquezas às pessoas mais pobres cujos pertences todos se somam à uma só árvore. E em segundo lugar porque os colonos, que deveriam ser movidos a guerrear pelo mesmo animus que os missionários jesuítas: “por caridade”, por querer verdadeiramente a conversão católica universal. Ao exemplo da missões dos “Tupinambás e dos Puxiguaras” aos quais os missionários levaram Cristo e sua Fé.

A escravidão indígena era condenada por Vieira porque ela contrariava a instauração da “nova Igreja” já que destruía a mesma “em seus próprios fundamentos”. Portanto, ele insiste, Acabe de entender Portugal que não pode haver Cristandade nem cristandades nas conquistas, sem os ministros do Evangelho terem abertos e livres estes dois caminhos, que hoje lhes mostrou Cristo”. Estes dois caminhos se compunham de “um caminho para trazerem os Magos à adoração, e outro para os livrarem da perseguição: um caminho para trazerem os gentios à Fé, outro para os livrarem da tirania: um caminho para lhes salvarem as almas, outro para lhes liberarem os corpos.”

A instauração desta Nova Igreja, da qual compraz o Quinto Império, é essencial para a conversão universal. “Querem que aos ministros do Evangelho pertença só a cura das almas”, alega Vieira em protesto, “e que a servidão e cativeiro dos corpos seja dos ministros do Estado”. Porém, ainda que um destes caminhos pareça só espiritual, e o outro temporal, ambos pertencem a Igreja. Com efeito “assim como dividir as almas do corpos é matar, assim dividir estes dois cuidados é destruir é destruir o instituto da conversão, e as aspirações universalistas da Igreja católica.


Portanto, as guerras justas, movidas para estabelecer as missões entre os ameríndios, estavam justificadas, mas os cuidados desses cativos deveriam ficar sob tutela dos missionários e não dos colonos, para fins de lucratividade. Acreditava Vieira que, sob o exemplo e o trato dos missionários, o árduo processo de conversão, que incluía inclusive o “ensinar o já ensinado, e a repetir o já aprendido, porque o bárbaro boçal e rude, o tapuia cerrado e bruto, como não faz inteiro  entendimento, não imprime nem retém na memória”, renderia frutos. E eventualmente cumpriria a profecia de conversão universal, pré-requisito para a instauração do Quinto Império.

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Fonte:
Raquel Drumond Guimarães: “Vestígios do medievo nos Sermões do Padre António Vieira”. (Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal de Santa Catarina. Linha de pesquisa: Relações de poder e subjetividades. Orientador: Prof. Dr. Valmir Francisco Muraro). Florianópolis, 2012.

Nota:
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O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
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