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Tipologias bélicas
“Luta armada
entre nações ou partidos”, assim define guerra um típico dicionário
acadêmico. Já em sua obra clássica intitulada On War,
Carl Von Clausewitz diz que “A guerra é, pois um ato de violência destinado
a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”. Sim, de fato a “Guerra é
toda a pugna em que os contendores utilizam a força e a violência e vai desde a
prática de hostilidades entre dois Estados até a legítima defesa individual,
distinguindo os teóricos as diferentes formas com o uso de qualificativos
particularizantes”. Mas ela também é o drama recorrente da humanidade. Como diz
o Padre António Vieira, guerra é:
“aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das
vidas, e quanto mais come e consome tanto menos se farta. É a guerra aquela
tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as
cidades e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a
guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em quem não há mal
algum que, ou se não padeça ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro.
O interessante é
que mesmo para o Padre António Vieira, este mal, este monstro, poderia servir
um propósito, o de assegurar a paz. De forma idílica a guerra tinha objetivos a
cumprir: dar fim ao mal, restabelecendo a paz, justiça e harmonia. Nesta
perspectiva, as guerras se tornavam um iudicium belli, um julgamento
para a recuperação do que era bom e correto, ou seja, a guerra seria uma
expressão das estruturas. E não a toa estas concepções bélicas
frequentemente se traduziam em planos de ações concretas, como por exemplo
aquela desenhada e articulada pelo Padre Vieira, que compreendia a guerra como
meio, ou como uma medida para a implantação do Quinto Império.
No entanto, prudência exige que se deva evitar o
agrupamento de todas as guerras como se todas pudessem ser interpretadas de uma
única forma, como se todas fossem representativas de uma única maneira de se pensar as mentalidades.
Cumpre lembrar que na sociedade cristã medieval, por exemplo, já se teorizavam
essas diferenças, inclusive com grandes repercursões jurídicas, com destaque
especial para aquelas levantadas por Álvaro Pais:
Agora, para se ter um conhecimento mais claro desta
matéria, note-se que há múltiplas guerras. Uma é a que se faz entre fiéis e
infiéis e esta é justa por parte dos fiéis (Dec., tit. De haerecticis,
cap. Excommunicamus; C. XXIII, q. VIII, cap. Dispar). Outra
é a que se faz entre fiéis de um lado e doutro, e esta é múltipla, porque é
feita ou por autoridade do juiz ou do direito ou por autoridade própria (…)
Guerra Romana: Ora, para
recapitularmos o exposto, pode dizer-se guerra romana a que se faz entre fiéis
e infiéis, e esta é justa, como se disse acima no vers.
Agora, para se ter um conhecimento mais claro. Chamo-lhe romana, porque Roma é a cabeça e mãe da nossa fé (C.
XXV, q. I, cap. Haec est fides e cap.
Quoniam; e Dec., tit
De haerecticis, cap. Ad abolendam).
Judicial: A segunda é a
que se faz entre os fiéis que atacam por autoridade do juiz, e esta pode
chamar-se judicial e é justa, como acima se disse.
Presuntuosa: A terceira é a
que fazem os fiéis à revelia do juiz, e esta pode chamar-se presuntuosa e é
injusta, como se disse acima.
Lícita: A quarta é a
que fazem os fiéis por autoridade do direito, e esta é lícita e justa, como se
disse acima.
Temerária: A quinta é a
que fazem os fiéis contra a autoridade do direito, e esta é temerária e
injusta, como se disse acima.
Voluntária: A sexta é a
que fazem os fiéis atacando os outros por autoridade própria, e esta pode
dizer-se voluntária e injusta, como se disse acima.
Necessária: A sétima é a
que fazem os fiéis defendendo-se com a autoridade do direito contra os que os
atacam voluntariamente, e esta pode dizer-se necessária e justa, como se disse
acima.
Por conseguinte, na romana, na judicial, na lícita, e
na necessária, não se é obrigado à restituíção; na presuntuosa, na temerária, e
na voluntária, é-se obrigado à
restituíção. Segundo isto, entenda-se o cap. Sicut et infra do tit. De
iureiruando das Decretais; veja-se também o que aí anota Inocêncio
mui lata e utilmente como é seu costume, bem como a glosa Quomodo às
Dec., tit. De restitutione spoliatorum, cap. Olim I.
Na atualidade
continuamente vê-se surgir vários “novos” tipos de guerras, ou seja, existem sempre novos debates, novas
formulações ou reformulações, resgastes ou heranças que têm como base
tipologias já existentes, cada qual com seu critério interpretativo, com seu
próprio significado, suas próprias repercussões. E muito do sentido é dado
através do contexto em que ela é travada. De maneira que, para aqueles que
buscavam extrair delas algum significado, cada batalha tinha seu próprio peso,
seus próprios símbolos. Pensando nisto, faz-se aqui um breve levantamento de
algumas das tipologias bélicas que marcaram consideravelmente o medievo. Este
levantamento difere, ou, em alguns casos, amplia, as considerações do Frei
Álvaro Pais. Ressalta-se que os combates travados não se limitam a essas
categorias, e tampouco são eles facilmente classificados. Isto é, uma guerra ou
batalha compreendia uma culminação de vários ideais e expectativas, de maneira
que uma guerra poderia facilmente se inserir em duas ou mais categorias.
Envolta por diferentes experiências com qualidades únicas, cada guerra articulou
seu próprio discurso, fazendo com que a linha que define cada tipologia
bélica ficasse menos nítida.
Contudo, para
que se possa ter um melhor entendimento de como os homens e mulheres do medievo
discerniam e entendiam a violência que eles tanto praticavam, faz-se necessário
a explanação de alguns dos argumentos chaves usadas pelas mais diversas
autoridades medievais. Será neste espírito de diálogo entre conceitos,
doutrinas, e práticas que cumpre destacar algumas
tipologias bélicas. Das quais nove aqui se enfatizam.
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Fonte:
Raquel Drumond Guimarães: “Vestígios do medievo nos Sermões do Padre António Vieira”. (Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de PósGraduação em História, da Universidade Federal de Santa Catarina. Linha de pesquisa: Relações de poder e subjetividades. Orientador: Prof. Dr. Valmir Francisco Muraro). Florianópolis, 2012.
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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