20/03/2016

Sermão de Nossa Senhora de Penha de França, do Padre Antônio Vieira

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A atualidade de Padre Antônio Vieira

Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 e faleceu na Bahia a 17 de junho de1697. Foi sacerdote e orador, dentre inúmeras outras qualificações, homem múltiplo e irrequieto. Estudou muito além da Teologia: Lógica, Física, Metafísica, Matemática e Economia. Partiu com a família para o Brasil, no dia 16 de dezembro de 1614, aos seis anos de idade.

O pequeno António refugia -se nos braços da mãe. Vai agoniado. A caravela que transporta a sua família em direcção a S. Salvador da Baía do Brasil, balouça descontrolada na violência tempestuosa do mar. A bordo, como era comum na época, as condições são péssimas. Mal se dorme, tal a quantidade de parasitas de todo o género de que o barco está infestado. Mesmo na coberta os ratos disputam ruidosas correrias, enfiando-se nos espaços mais ínfimos. A água doce já está imprópria para consumo, sai verde e com cheiro nauseabundo. (Neves, 2007: 2)

Freqüentou o Colégio dos Jesuítas onde não foi, de início, aluno brilhante. De compleição frágil, pálido, magro, grandes olhos, nariz fino é, contudo, de temperamento enérgico, tenaz. E, subitamente, por volta dos catorze anos, os jesuítas começam a descobrir- lhe a inteligência, a inesperada queda para escrever bem português, a facilidade com que domina o latim. Revela-se, igualmente, um crente fervoroso, jejua todos os dias, reza, comunga, mas não se excede em fanatismos.

Diz o próprio Padre Antônio Vieira que sentiu uma grande vocação para a vida religiosa numa tarde de março de 1623, quando ouvia o Padre Manuel do Carmo pregar, fazendo uma descrição do inferno. Certo dia, manifestou a seus pais a vontade que tinha de professar, e eles opuseram-se imediatamente. Procuraram por todas as formas dissuadi-lo desse desejo, mostrando-lhe todos os seus inconvenientes, e tentando chamá-lo à razão, mas nada conseguiram. Cristovão Ravasco, seu pai, manteve-se firme na recusa. Na noite de 5 de maio de 1623, Vieira fugiu da casa paterna e foi para o colégio dos jesuítas. Parece que os padres não seriam estranhos a essa resolução porque procuravam por todos os modos chamar para o seu instituto as grandes inteligências, e não desperdiçariam decerto um tal discípulo.

Tão precocemente se desenvolvia o seu talento, que aos 17 anos de idade já era encarregado de escrever em latim as cartas ânuas que eram enviadas da província ao geral de Roma, e aos 18 era mandado lecionar retórica no colégio de Olinda, e depois filosofia dialética. Ali se manifestaram também brilhantemente as suas admiráveis faculdades intelectuais, por meio de comentários a Sêneca e a Ovídio. Aos 20 anos freqüentava teologia, e os superiores lhe permitiam redigir uma apostila para suas próprias lições.

Ordenado sacerdote em 1634, já então proferira alguns sermões e se iniciara na catequização dos indígenas. Destacou-se como missionário em terras brasileiras e, nesta qualidade, defendeu os direitos dos povos indígenas combatendo sua exploração e escravização. Era por eles chamado de “Paiaçu” (Grande Pai/Pai, em tupi). Quer ser pregador, missionário, apóstolo, converter os incrédulos, combater o erro e trazer para a fé católica os índios do interior.

E eis António Vieira numa aldeia, em contacto directo com os índios, aprendendo-lhes as línguas, conhecendo-lhes os costumes, admirando o modo de vida, colocando-se a seu lado para os defender de todos os vilipêndios, torturas e humilhações. Está onde sempre desejou. (Neves, 2007: 6)

Padre Antônio Vieira ficou conhecido por suas críticas e denúncias à injustiça social e à corrupção de colonos e administradores no Brasil. Num de seus mais conhecidos e brilhantes sermões, o Sermão do Bom Ladrão, escrito em 1655, nos vemos diante de um diagnóstico que parece mesmo atemporal, desnudando os desmandos e a mistura dos interesses públicos e privados que infestam a administração pública brasileira desde o início da colonização, contexto em que os Sermões são escritos, até os dias que correm.

O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera. (...) os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. - Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.

Mostrava certa independência, atitude completamente contrária ao dogma fundamental da Companhia de Jesus, que era o da obediência cega às ordens superiores. Trabalhava por conta própria, e pensava mesmo em introduzir reformas na Companhia, coisa que os mais antigos viam com muito maus olhos. Daí resultou que seus superiores lhe ordenassem positivamente que partisse para as missões do Maranhão.

Em 1641, viaja a Portugal integrando a comitiva de reconhecimento e homenagem ao novo monarca, D. João IV. Acolhido pelo rei como amigo dileto, exerceu logo influência na política do seu tempo. Eram seus sermões muitas vezes verdadeiros discursos políticos com que procurava fazer triunfar na opinião pública as medidas que se pretendiam adotar, tal é, por exemplo, o seu notável sermão Santo Antônio, pregado quando estavam reunidas as cortes em Lisboa, para conseguir que todos, nobreza, clero e povo, contribuíssem com o pagamento dos impostos para se acudir ao perigo geral. Segundo Niskier (2004), os elogios ao padre Antônio Vieira são tão pródigos quanto foi a sua participação num período decisivo da história da humanidade, o século XVII, que ele ocupou não só quase inteiro, como marcou também profundamente com o brilho de sua inteligência e a firmeza da sua atuação.

Vieira foi um dos raros homens, em todos os tempos, a alcançar um equilíbrio perfeito entre ação e contemplação. Seus sermões e suas cartas bastariam para imortalizá-lo, mas ele não se contentou apenas com o gênio literário: foi missionário e catequista, estadista e diplomata, político e estrategista. Tivesse sede de poder e seria um líder da magnitude de um Richelieu (1585-1642) ou de um Mazarino (1602-1661), cardeais da sua época que mandaram na França mais do que os próprios reis. (Niskier, 2004:17)

Também acreditava que deveria proceder-se com maior moderação na perseguição inquisitorial aos cristãos-novos (judeus convertidos à força ao catolicismo), de forma a salvaguardar os capitais destes e a sua contribuição para a guerra de independência. Tal posição valeu- lhe alguns ódios e o rancor da Inquisição. Vieira tinha consciência da necessidade de arrecadar dinheiro para a compra de navios e armas e para a contratação de colaboradores, como era costume na época. Foi nesta contingência que ele se lembrou de sugerir ao monarca a cooperação dos judeus – cristãos-novos ou não – principalmente dos milhares de emigrados e seus descendentes, que haviam se transferido para a França e a Holanda, e também para aqueles convertidos que ainda estavam em Portugal sem serem molestados pelos tribunais da Inquisição. Ainda de 1641, provavelmente, é o opúsculo de Vieira intitulado Razões apontadas a el-rei D. João IV a favor dos cristãos-novos para se lhes haver de perdoar a confiscação de seus bens, que entrarem no comércio deste reino.

À medida que crescia sua influência junto ao monarca, atacava com mais veemência o problema dos cristãos-novos. Em 3 de julho de 1643 foi divulgada a Proposta feita a el-rei D. João IV (1604-1656), em que se lhe representava o miserável estado do Reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa. Diz a Proposta, que receberia nos dias de hoje a denominação de “pragmática”, dados o realismo e a franqueza com que é conduzida a argumentação sob todos os seus aspectos:

Enfim, Senhor, Portugal não se pode conservar sem muito dinheiro, e para o haver não há meio mais eficaz que o do comércio, e para o comércio não há outros homens de cabedal e indústria aos de nação. (...) Se o dinheiro dos homens de nação está sustentando as armas dos hereges, para que semeiem e estendam as seitas de Lutero e Calvino pelo Mundo, não é maior serviço de Deus e da Igreja que sirva este mesmo dinheiro às armas do rei mais católico, para propagar e dilatar pelo Mundo a Lei e a Fé de Cristo? (Niskier, 2004:51-53)

Embora usasse uma linguagem pragmática na defesa dos judeus, geralmente fundamentada em argumentos ligados à guerra e ao comércio, o Padre Antônio Vieira não ocultava sua grande simpatia pela “nação hebraica”. Era amigo pessoal do rabino Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693), cujo tempo de vida coincidiu quase com o de Vieira. No breve período em que exerceu atividades diplomáticas na Holanda, o padre Vieira aproximou-se de Aboab, e freqüentou a sinagoga para ouvir seus sermões, chegando a escrever elogios à sabedoria religiosa e eloqüência do rabino.

No princípio de 1653 Vieira chega ao Maranhão, onde é recebido calorosamente, mas onde teve logo que lutar, como superior do colégio dos jesuítas, com a má vontade do capitão general e também com a má vontade do povo. Os jesuítas defendiam, nessa ocasião, naquela capitania brasileira, a causa da liberdade dos índios. Os portugueses residentes no Maranhão queriam conservá-los escravizados, ao passo que o governo e a Companhia de Jesus queriam emancipá-los. Sua luta em prol dos direitos dos índios brasileiros originou reações por parte dos colonos, evidentes no seu célebre Sermão de Santo Antônio aos Peixes, todo alegórico mas claramente alusivo aos problemas entre indígenas e colonos. Volta a Portugal e retorna ao Maranhão em 1655, ficando mais 7 anos. D. João IV entrega-lhe o decreto em que os jesuítas passam a ter inteira jurisdição sobre os índios. Daí em diante, as autoridades locais jamais poderão intervir na missionarização, jamais poderão servir-se dos indígenas como escravos. O rei designa André Vidal para governador do Pará e do Maranhão; Vidal é um herói da vitória portuguesa sobre os holandeses, amigo de Vieira, sensível aos problemas dos índios e dos negros.

Em 1661, retorna novamente à Europa sendo denunciado à Inquisição em 1664 e preso em 1665. A sentença do Tribunal foi proferida a 23 de dezembro de 1667, condenando-o a perder voz activa e passiva, proibindo-lhe a predica, e ordenando-lhe que se recolhesse a um colégio de noviços, ele, consumado teólogo. Foi perdoado em 1668 mas não ficou satisfeito. Vendo que continuaria a pesar sobre si a influência da Inquisição, entendeu que devia sair de Lisboa. A pretexto de que ia tratar da canonização de 40 santos da Companhia, partiu para Roma, mas seu único fim era conseguir que o papa anulasse a sentença. Durante os anos de vida em Roma, o padre alcança enorme prestígio, aprende italiano para poder pregar nessa língua. Os sermões que pronuncia em terras italianas são de uma excepcional qualidade literária, espiritual e filosófica a tal ponto que o Colégio dos Cardeais lhe pede para que pregue na sua presença.

Em 1674, Padre Antônio Vieira regressa a Portugal e, no ano seguinte, um Breve do Papa louva-o e isenta-o da Inquisição. A 27 de janeiro de 1681, embarca para a Bahia, recolhendo-se à Quinta do Tanque, momento em que inicia a compilação completa de todos os seus sermões e escritos morais. O Papa Inocêncio XI revoga o Breve do seu antecessor e, em Portugal, a Inquisição levanta contra ele toda a espécie de calúnias. No pátio da Universidade de Coimbra “queimam- no em efígie com sanha insensata” (Neves, 2007:20). Falece com quase 90 anos, e tanto na Bahia como em Lisboa “fizeram- lhe pomposas exéquias” (TRIBUNA DA HISTÓRIA, 2007).

Sua obra, de que é indissociável a sua intensa ação como homem público, compõe-se de cerca de 200 sermões, de mais de 500 cartas e uma série de documentos de política diplomacia, profecia, religião etc. Neles, demonstra profunda capacidade de análise e denúncia dos vícios humanos, com grande realismo e inteligência implacável na sua ação moralista. Seus textos revelam um grande virtuosismo no domínio da língua e dos seus efeitos no auditório, expandindo cada motivo de forma dialética e envolvente, causando espanto pelas revelações e conseqüências do seu jogo de raciocínios que, por vezes, se aproximam do maravilhoso”. Considerado frequentemente um dos paradigmas da prosa clássica portuguesa, foi o maior orador sacro do país e, simultaneamente, um dos maiores apologistas do messianismo nacional, que justificava todo o seu empenho na valorização e reforma da economia e na força política do país. Seus Sermões foram publicados em quinze volumes, entre 1679 e 1748. Conserva m-se, também, as Cartas (1735), a História do Futuro, Livro Ante-Primeiro (1718), e uma Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício (1957). Sua obra é complexa, exprimindo suas opiniões políticas, sendo não propriamente um escritor e sim um orador. Alguns dos mais célebre sermões são Sermão da Sexagésima, Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra os de Holanda, Sermão do Bom Ladrão, dentre outros.
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Referências bibliográficas

NEVES, Orlando. 2007. “Padre António Vieira”. Disponível em: www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm. Acesso em: 27 de setembro de 2007.
NISKIER, Arnaldo. 2004. Padre Antônio Vieira e os judeus. RJ:Imago.
TRIBUNA DA HISTÓRIA. 2007. “Vieira (Padre António). Disponível em: www.arqnet.pt/dicionario/vieira_antoniop.html . Acesso em: 27 de setembro de 2007.
VIEIRA, Padre Antônio. 1655. Sermão do Bom Ladrão. Disponível em: www.cce.ufsc.br/%7Enupill/literatura/BT2803039.html. Acesso em: 27 de setembro de 2007.

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Fonte:
Marcelo Gruman (Antropólogo, Doutor em Antropologia Social pelo PPGAS/MN/UFRJ. Atualmente, é Administrador Cultural da Fundação Nacional de Artes – FUNARTE, do Ministério da Cultura). Revista Espaço Acadêmico, nº 85, junho de 2008. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br (Os artigos publicados não expressam necessariamente a opinião da revista e são de responsabilidade exclusiva dos autores. É livre a reprodução para fins não comerciais, desde autorizados pelo autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída).

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