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A atualidade de Padre Antônio Vieira
Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 e
faleceu na Bahia a 17 de junho de1697. Foi sacerdote e orador, dentre inúmeras
outras qualificações, homem múltiplo e irrequieto. Estudou muito além da
Teologia: Lógica, Física, Metafísica, Matemática e Economia. Partiu com a
família para o Brasil, no dia 16 de dezembro de 1614, aos seis anos de idade.
O pequeno António refugia -se nos braços da mãe. Vai
agoniado. A caravela que transporta a sua família em direcção a S. Salvador da
Baía do Brasil, balouça descontrolada na violência tempestuosa do mar. A bordo,
como era comum na época, as condições são péssimas. Mal se dorme, tal a
quantidade de parasitas de todo o género de que o barco está infestado. Mesmo
na coberta os ratos disputam ruidosas correrias, enfiando-se nos espaços mais
ínfimos. A água doce já está imprópria para consumo, sai verde e com cheiro
nauseabundo. (Neves, 2007: 2)
Freqüentou o Colégio dos Jesuítas onde não foi, de início, aluno
brilhante. De compleição frágil, pálido, magro, grandes olhos, nariz fino é,
contudo, de temperamento enérgico, tenaz. E, subitamente, por volta dos catorze
anos, os jesuítas começam a descobrir- lhe a inteligência, a inesperada queda para
escrever bem português, a facilidade com que domina o latim. Revela-se,
igualmente, um crente fervoroso, jejua todos os dias, reza, comunga, mas não se
excede em fanatismos.
Diz o próprio Padre Antônio Vieira que sentiu uma grande vocação para a
vida religiosa numa tarde de março de 1623, quando ouvia o Padre Manuel do
Carmo pregar, fazendo uma descrição do inferno. Certo dia, manifestou a seus
pais a vontade que tinha de professar, e eles opuseram-se imediatamente.
Procuraram por todas as formas dissuadi-lo desse desejo, mostrando-lhe todos os
seus inconvenientes, e tentando chamá-lo à razão, mas nada conseguiram.
Cristovão Ravasco, seu pai, manteve-se firme na recusa. Na noite de 5 de maio
de 1623, Vieira fugiu da casa paterna e foi para o colégio dos jesuítas. Parece
que os padres não seriam estranhos a essa resolução porque procuravam por todos
os modos chamar para o seu instituto as grandes inteligências, e não
desperdiçariam decerto um tal discípulo.
Tão precocemente se desenvolvia o seu talento, que aos 17 anos de idade
já era encarregado de escrever em latim as cartas ânuas que eram enviadas da
província ao geral de Roma, e aos 18 era mandado lecionar retórica no colégio
de Olinda, e depois filosofia dialética. Ali se manifestaram também brilhantemente
as suas admiráveis faculdades intelectuais, por meio de comentários a Sêneca e
a Ovídio. Aos 20 anos freqüentava teologia, e os superiores lhe permitiam
redigir uma apostila para suas próprias lições.
Ordenado sacerdote em 1634, já então proferira alguns sermões e se
iniciara na catequização dos indígenas. Destacou-se como missionário em terras
brasileiras e, nesta qualidade, defendeu os direitos dos povos indígenas
combatendo sua exploração e escravização. Era por eles chamado de “Paiaçu”
(Grande Pai/Pai, em tupi). Quer ser pregador, missionário, apóstolo, converter
os incrédulos, combater o erro e trazer para a fé católica os índios do
interior.
E eis António Vieira numa aldeia, em contacto directo
com os índios, aprendendo-lhes as línguas, conhecendo-lhes os costumes,
admirando o modo de vida, colocando-se a seu lado para os defender de todos os
vilipêndios, torturas e humilhações. Está onde sempre desejou. (Neves, 2007: 6)
Padre Antônio Vieira ficou conhecido por suas críticas e denúncias à
injustiça social e à corrupção de colonos e administradores no Brasil. Num de
seus mais conhecidos e brilhantes sermões, o Sermão do Bom Ladrão,
escrito em 1655, nos vemos diante de um diagnóstico que parece mesmo atemporal,
desnudando os desmandos e a mistura dos interesses públicos e privados que
infestam a administração pública brasileira desde o início da colonização,
contexto em que os Sermões são escritos, até os dias que correm.
O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao
inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de
maior calibre e de mais alta esfera. (...) os ladrões que mais própria e
dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os
exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das
cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. - Os
outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam
debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são
enforcados: estes furtam e enforcam.
Mostrava certa independência, atitude completamente contrária ao dogma
fundamental da Companhia de Jesus, que era o da obediência cega às ordens
superiores. Trabalhava por conta própria, e pensava mesmo em introduzir
reformas na Companhia, coisa que os mais antigos viam com muito maus olhos. Daí
resultou que seus superiores lhe ordenassem positivamente que partisse para as
missões do Maranhão.
Em 1641, viaja a Portugal integrando a comitiva de reconhecimento e
homenagem ao novo monarca, D. João IV. Acolhido pelo rei como amigo dileto,
exerceu logo influência na política do seu tempo. Eram seus sermões muitas
vezes verdadeiros discursos políticos com que procurava fazer triunfar na
opinião pública as medidas que se pretendiam adotar, tal é, por exemplo, o seu
notável sermão Santo Antônio, pregado quando estavam reunidas as cortes
em Lisboa, para conseguir que todos, nobreza, clero e povo, contribuíssem com o
pagamento dos impostos para se acudir ao perigo geral. Segundo Niskier (2004),
os elogios ao padre Antônio Vieira são tão pródigos quanto foi a sua
participação num período decisivo da história da humanidade, o século XVII, que
ele ocupou não só quase inteiro, como marcou também profundamente com o brilho
de sua inteligência e a firmeza da sua atuação.
Vieira foi um dos raros homens, em todos os tempos, a
alcançar um equilíbrio perfeito entre ação e contemplação. Seus sermões e suas
cartas bastariam para imortalizá-lo, mas ele não se contentou apenas com o
gênio literário: foi missionário e catequista, estadista e diplomata, político
e estrategista. Tivesse sede de poder e seria um líder da magnitude de um
Richelieu (1585-1642) ou de um Mazarino (1602-1661), cardeais da sua época que
mandaram na França mais do que os próprios reis. (Niskier, 2004:17)
Também acreditava que deveria proceder-se com maior moderação na
perseguição inquisitorial aos cristãos-novos (judeus convertidos à força ao
catolicismo), de forma a salvaguardar os capitais destes e a sua contribuição
para a guerra de independência. Tal posição valeu- lhe alguns ódios e o rancor
da Inquisição. Vieira tinha consciência da necessidade de arrecadar dinheiro
para a compra de navios e armas e para a contratação de colaboradores, como era
costume na época. Foi nesta contingência que ele se lembrou de sugerir ao
monarca a cooperação dos judeus – cristãos-novos ou não – principalmente dos
milhares de emigrados e seus descendentes, que haviam se transferido para a
França e a Holanda, e também para aqueles convertidos que ainda estavam em
Portugal sem serem molestados pelos tribunais da Inquisição. Ainda de 1641,
provavelmente, é o opúsculo de Vieira intitulado Razões apontadas a el-rei
D. João IV a favor dos cristãos-novos para se lhes haver de perdoar a
confiscação de seus bens, que entrarem no comércio deste reino.
À medida que crescia sua influência junto ao monarca, atacava com mais
veemência o problema dos cristãos-novos. Em 3 de julho de 1643 foi divulgada a Proposta
feita a el-rei D. João IV (1604-1656), em que se lhe representava o
miserável estado do Reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus
mercadores que andavam por diversas partes da Europa. Diz a Proposta,
que receberia nos dias de hoje a denominação de “pragmática”, dados o
realismo e a franqueza com que é conduzida a argumentação sob todos os seus
aspectos:
Enfim, Senhor, Portugal não se pode conservar sem
muito dinheiro, e para o haver não há meio mais eficaz que o do comércio, e
para o comércio não há outros homens de cabedal e indústria aos de nação. (...)
Se o dinheiro dos homens de nação está sustentando as armas dos hereges, para
que semeiem e estendam as seitas de Lutero e Calvino pelo Mundo, não é maior
serviço de Deus e da Igreja que sirva este mesmo dinheiro às armas do rei mais
católico, para propagar e dilatar pelo Mundo a Lei e a Fé de Cristo? (Niskier,
2004:51-53)
Embora usasse uma linguagem pragmática na defesa dos judeus, geralmente
fundamentada em argumentos ligados à guerra e ao comércio, o Padre Antônio
Vieira não ocultava sua grande simpatia pela “nação hebraica”. Era
amigo pessoal do rabino Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693), cujo tempo
de vida coincidiu quase com o de Vieira. No breve período em que exerceu
atividades diplomáticas na Holanda, o padre Vieira aproximou-se de Aboab, e
freqüentou a sinagoga para ouvir seus sermões, chegando a escrever elogios à
sabedoria religiosa e eloqüência do rabino.
No princípio de 1653 Vieira chega ao Maranhão, onde é recebido
calorosamente, mas onde teve logo que lutar, como superior do colégio dos
jesuítas, com a má vontade do capitão general e também com a má vontade do
povo. Os jesuítas defendiam, nessa ocasião, naquela capitania brasileira, a
causa da liberdade dos índios. Os portugueses residentes no Maranhão queriam
conservá-los escravizados, ao passo que o governo e a Companhia de Jesus
queriam emancipá-los. Sua luta em prol dos direitos dos índios brasileiros
originou reações por parte dos colonos, evidentes no seu célebre Sermão de
Santo Antônio aos Peixes, todo alegórico mas claramente alusivo aos
problemas entre indígenas e colonos. Volta a Portugal e retorna ao Maranhão em
1655, ficando mais 7 anos. D. João IV entrega-lhe o decreto em que os jesuítas
passam a ter inteira jurisdição sobre os índios. Daí em diante, as autoridades
locais jamais poderão intervir na missionarização, jamais poderão servir-se dos
indígenas como escravos. O rei designa André Vidal para governador do Pará e do
Maranhão; Vidal é um herói da vitória portuguesa sobre os holandeses, amigo de
Vieira, sensível aos problemas dos índios e dos negros.
Em 1661, retorna novamente à Europa sendo denunciado à Inquisição em
1664 e preso em 1665. A sentença do Tribunal foi proferida a 23 de dezembro de
1667, condenando-o a perder voz activa e passiva, proibindo-lhe a
predica, e ordenando-lhe que se recolhesse a um colégio de noviços, ele,
consumado teólogo. Foi perdoado em 1668 mas não ficou satisfeito. Vendo que
continuaria a pesar sobre si a influência da Inquisição, entendeu que devia
sair de Lisboa. A pretexto de que ia tratar da canonização de 40 santos da
Companhia, partiu para Roma, mas seu único fim era conseguir que o papa
anulasse a sentença. Durante os anos de vida em Roma, o padre alcança enorme
prestígio, aprende italiano para poder pregar nessa língua. Os sermões que
pronuncia em terras italianas são de uma excepcional qualidade literária,
espiritual e filosófica a tal ponto que o Colégio dos Cardeais lhe pede para
que pregue na sua presença.
Em 1674, Padre Antônio Vieira regressa a Portugal e, no ano seguinte, um
Breve do Papa louva-o e isenta-o da Inquisição. A 27 de janeiro de 1681,
embarca para a Bahia, recolhendo-se à Quinta do Tanque, momento em que inicia a
compilação completa de todos os seus sermões e escritos
morais. O Papa Inocêncio XI revoga o Breve do seu antecessor e, em Portugal, a
Inquisição levanta contra ele toda a espécie de calúnias. No pátio da
Universidade de Coimbra “queimam- no em efígie com sanha insensata” (Neves,
2007:20). Falece com quase 90 anos, e tanto na Bahia como em Lisboa “fizeram-
lhe pomposas exéquias” (TRIBUNA DA HISTÓRIA, 2007).
Sua obra, de que é indissociável a sua intensa ação como homem público,
compõe-se de cerca de 200 sermões, de mais de 500 cartas e uma série de
documentos de política diplomacia, profecia, religião etc. Neles, demonstra
profunda capacidade de análise e denúncia dos vícios humanos, com grande
realismo e inteligência implacável na sua ação moralista. Seus textos revelam
um grande virtuosismo no domínio da língua e dos seus efeitos no auditório,
expandindo cada motivo de forma dialética e envolvente, causando espanto pelas
revelações e conseqüências do seu jogo de raciocínios que, por vezes, “se
aproximam do maravilhoso”. Considerado frequentemente um dos paradigmas da
prosa clássica portuguesa, foi o maior orador sacro do país e, simultaneamente,
um dos maiores apologistas do messianismo nacional, que justificava todo o seu
empenho na valorização e reforma da economia e na força política do país. Seus Sermões
foram publicados em quinze volumes, entre 1679 e 1748. Conserva m-se, também,
as Cartas (1735), a História do Futuro, Livro Ante-Primeiro
(1718), e uma Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício (1957). Sua obra
é complexa, exprimindo suas opiniões políticas, sendo não propriamente um
escritor e sim um orador. Alguns dos mais célebre sermões são Sermão da
Sexagésima, Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra os de
Holanda, Sermão do Bom Ladrão, dentre outros.
[...]
Referências bibliográficas
NEVES, Orlando. 2007. “Padre António Vieira”. Disponível em: www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm. Acesso em: 27 de setembro de 2007.
NISKIER, Arnaldo. 2004. Padre Antônio Vieira e os judeus. RJ:Imago.
TRIBUNA DA HISTÓRIA. 2007. “Vieira (Padre António). Disponível em: www.arqnet.pt/dicionario/vieira_antoniop.html . Acesso em: 27 de setembro de 2007.
VIEIRA, Padre Antônio. 1655. Sermão do Bom Ladrão. Disponível em: www.cce.ufsc.br/%7Enupill/literatura/BT2803039.html. Acesso em: 27 de setembro de 2007.
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Fonte:
Marcelo Gruman (Antropólogo, Doutor em Antropologia Social pelo PPGAS/MN/UFRJ. Atualmente, é Administrador Cultural da Fundação Nacional de Artes – FUNARTE, do Ministério da Cultura). Revista Espaço Acadêmico, nº 85, junho de 2008. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br (Os artigos publicados não expressam necessariamente a opinião da revista e são de responsabilidade exclusiva dos autores. É livre a reprodução para fins não comerciais, desde autorizados pelo autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída).
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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