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FONTES VIEIRENSES
Pensar na ars praendicandi da modernidade é pensar no Padre Antonio Vieira e
seus Sermões. Não se trata apenas do mais eloqüente sermonísta da língua
portuguesa, há quem argumente que ele é o melhor sermonista de toda Europa
Barroca66. A elevada estima e conceituação deste jesuíta como um dos mais
célebres pregadores, fez o uso de sua obra como fonte, a escolha mais adequada
para a presente tese. Encontra-se nas atividades homiliéticas de Padre António
Vieira o arrimo estável sobre o qual construir uma pesquisa mais do que
justificada sobre a arte da oração sacra moderna.
O perfil de homem engajado em um
cenário político repleto de confrontos bélicos, em conjunto com sua inquestionável
habilidade no púlpito, fez de seus discursos religiosos a fonte ideal para se
trabalhar os conceitos de guerra da época. Inspirado pela “sociedade portuguesa
na qual viveu o Padre António Vieira caracterizou-se, acima de tudo, pela
sacralidade. A maior parte da população portuguesa do século XVII participava
das diferentes manifestações messiânicas, como as sebastianistas, joanistas ou
judaicas e fundamentava suas esperanças no futuro, com a vinda de um enviado de
Deus.” e Vieira não foi diferente. Os portugueses representavam o “novo povo
escolhido” que guiaria o destino de toda a humanidade em direção à uma
felicidade plena que aconteceria ainda em vida, ainda na Terra. A diminuta
dimensão do reino português, em contrastate com a magnanimidade de suas
conquistas territoriais, eram provas mais do que suficientes para Vieira
acreditar na missão espiritual do povo lusitano. Os impulsos expansionistas da
Coroa Portuguesa, alimentados por este pendor providencialista, assegurou a
presença constante de Portugal no teatro bélico. A iminência de concretizar os
desígnios divinos fez ferver o impétuo militar da conquista e da conversão.
Esta conjuntura inquieta que serviu para impulsionar tanto as farturas dos
riscos das penas de Vieira sobre o pergaminho, quanto os excessos da Inquisição
portuguesa, produziu em Portugal os embates constantes das guerras. Lutando
contra as heresias, muitos católicos portugueses odiaram e amaram seus inimigos
até a morte, servindo-se violentamente dos escravos para manter a hegemonia da
mercantilidade colonial. Vieira presenciou esse cenário corroído e não se
absteve de ceder opiniões e críticas contrárias até àqueles que as não queriam
ouvir.
Registrando desagravos e concedendo
apoio à causas que nem sempre se classificavam como convencionais, Vieira se
fez notar. Ocupando lugar de destaque na Europa e nas colônias do Além Mar,
este jesuíta galgou tanto fama e infâmia e legou à posterioridade “narrativas
tão diversas como: cartas, sermões, ensaios, teológicos e peças de caráter
jurídico e canônico”68. A
abrangência do Vieira nos diversos setores da complexidade moderna o constituiu
como personalidade importantíssima da história, cuja análise é não menos que
necessária e meritória. De modo que, uma análise de seus escritos tornase
fundamental para a investigação das possíveis heranças retóricas e conceituais
do mundo medieval sobre temas relacionados à aplicação da violência através da
incitação do púlpito moderno.
Com efeito, além do peso do
próprio Vieira enquanto personagem histórico, a obra vieiriana, como fonte de
pesquisa, se sustenta por si só. Os impressionantes quinze volumes que compõem
os Sermões, impressionam tanto por tamanho, quanto por conteúdo, quanto por
técnica discursiva e retórica. A engenhosidade de uma inspiração única destinou
à Vieira a habilidade de tecer palavras com a exatidão de um mestre e a
elegância de um maestro. Esta capacidade fez com que ninguém menos do que
Fernando Pessoa, homem que bradou sua pátria a língua portuguesa, o venerasse
como imperador. Os espólios textuários de Vieira, cuja agudeza os eleva à
obra-primas, certifica o valor de seu uso como fonte primária de uma
bem-desenvolvida retórica barroca tanto nos campos da ars grammatica, como no da ars
dictaminis e da ars praendicandi.
A colocação e a classificação dos textos vieirenses no cume da literária
moderna faz de seu estudo item indispensável em investigação, cuja perspectiva
é dada através de uma medievidade de longa duração histórica, fundamentando,
desta forma, a eleição dos escritos vieirianos como os mais adequados à
representação de um segmento importantíssimo do universo literário moderno.
Esta tese, tendo como foco a ars preandicandi, se fez valer
principalmente das oratórias do Padre António Vieira como emblema mor da
homilia lusitana. Os demais textos do autor, como as cartas, os escritos
políticos, bem como os canônicos e os jurídicos, servem como apoio para uma
análise mais contextualizada desses sermões. Por isso, ao se levar em
consideração a importância da longevidade da ars praendicandi como campo de estudo da teoria da longa duração,
as atribuições de Padre António Vieira como pregador são fundamentais. Antes
mesmo de ser ordenado sacerdote em 1635, pregou no Colégio da Bahia, estreando
a sua primeira atuação como pregador ao abordar o tema da guerra. Ficando
particularmente conhecido por suas qualidades de sacro orador, Vieira dominou
os mais importantes púlpitos da Europa. Imediatamente se destacou e destoou dos
demais de sua classe, e em sua oratória nunca mais separou seus conceitos
religiosos dos objetivos políticos que tanto sonhava para o reino de Portugal.
E, mesmo nos seus momentos de maior intransigência, conquistou de seus inimigos
respeito e admiração como um dos maiores pregadores da história, cuja
capacidade persuasiva foi capaz de o livrar até mesmo da temível Santa
Inquisição. Uma análise dos Sermões de A. Vieira torna-se imprescindível e
pertinente para se compreender os frutos e os ofícios do pregador,
especialmente tendo em conta sua posição de destaque como orador excepcional.
Contudo, a tendência das obras
vieiranas de se sobressair dos demais trabalhos de seu tempo, tanto pela figura
do próprio Vieira, quanto pela qualidade inerente de seus textos, não significa
que ela está além ou aquém de seu tempo. “Desde a chegada a Lisboa e à medida
que a fama de orador crescia, pululavam, por compreensivelmente disputadas,
cópias dos sermões que pronunciava, umas por si cedidas, outras tais como, de
memória, interessados, curiosos e taquígrafos de profissão alcançariam apanhar
do discurso na cadência da declamação”. E mesmo que levando em consideração a
reelaboração de alguns deles, os escritos vieirienses são, de fato, únicos.
Eles desenham a genialidade ímpar de Vieira enquanto homem das letras, porém,
paralelamente, ao mesmo tempo em que Vieira é único, ele também reflete as
opiniões e estruturas de muitos da sua época. Sua obra é importantíssima
enquanto fonte para se entender os diversos sistemas epistemológicos,
ideológicos, políticos e religiosos. Os escritos de Vieira funcionam como uma
lupa que permite que se leia nas entrelinhas de si as angústias, os temores e
os assuntos em debates que ferviam nas principais veias da época. Pela
interdisciplinaridade, pela inserção, e pelo puro brilhantismo, Vieira é fonte
preciosa do tempo em que viveu. António Vieira, que herdou da medievalidade e
que legou à posterioridade, é homem moderno de alma inteiramente barroca.
SERMÕES – Ordenado por seu
superior, o Padre João Paulo Oliva, a dar “estampa” aos sermões pregados ao
longo de sua carreira, Padre António Vieira compila, a partir de seus
“borrões”, impressionantes 15 volumes (alguns de impressões póstumas) de prédica
exemplar. A incubência do projeto, iniciado por A. Vieira aos 71 anos, é
primeiro recebido com relutância pelo autor, que o afirma desviar de tarefas
mais grandiosas. Contudo, rapidamente A. Vieira vê nos Sermoens a oportunidade
de reclamar a autoria de exemplares não autorizados, enquanto seus superiores
esperam dele manuais homiliéticos a serem seguidos. Exemplo máster da ars praendicandi cuja impressão teve início
em 1679 na cidade de Lisboa, a obra totaliza mais de 200 sermões.
TROVAS DO BANDARRA - Bandarra,
autor seiscentista, famoso por suas profecias messiânicas. Seus escritos viria
a ser conhecido como capítulo importante da fase pré-sebastiana.
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Fonte:
Fonte:
Raquel Drumond Guimarães: “Vestígios
do medievo nos Sermões do Padre António Vieira”. (Tese apresentada, como
requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de
PósGraduação em História, da Universidade Federal de Santa Catarina. Linha de
pesquisa: Relações de poder e subjetividades. Orientador: Prof. Dr. Valmir
Francisco Muraro). Florianópolis, 2012.
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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