01/01/2016

Sermão Segundo do Mandato, Padre Antônio Vieira


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FONTES VIEIRENSES

Pensar na ars praendicandi da modernidade é pensar no Padre Antonio Vieira e seus Sermões. Não se trata apenas do mais eloqüente sermonísta da língua portuguesa, há quem argumente que ele é o melhor sermonista de toda Europa Barroca66. A elevada estima e conceituação deste jesuíta como um dos mais célebres pregadores, fez o uso de sua obra como fonte, a escolha mais adequada para a presente tese. Encontra-se nas atividades homiliéticas de Padre António Vieira o arrimo estável sobre o qual construir uma pesquisa mais do que justificada sobre a arte da oração sacra moderna.

O perfil de homem engajado em um cenário político repleto de confrontos bélicos, em conjunto com sua inquestionável habilidade no púlpito, fez de seus discursos religiosos a fonte ideal para se trabalhar os conceitos de guerra da época. Inspirado pela “sociedade portuguesa na qual viveu o Padre António Vieira caracterizou-se, acima de tudo, pela sacralidade. A maior parte da população portuguesa do século XVII participava das diferentes manifestações messiânicas, como as sebastianistas, joanistas ou judaicas e fundamentava suas esperanças no futuro, com a vinda de um enviado de Deus.” e Vieira não foi diferente. Os portugueses representavam o “novo povo escolhido” que guiaria o destino de toda a humanidade em direção à uma felicidade plena que aconteceria ainda em vida, ainda na Terra. A diminuta dimensão do reino português, em contrastate com a magnanimidade de suas conquistas territoriais, eram provas mais do que suficientes para Vieira acreditar na missão espiritual do povo lusitano. Os impulsos expansionistas da Coroa Portuguesa, alimentados por este pendor providencialista, assegurou a presença constante de Portugal no teatro bélico. A iminência de concretizar os desígnios divinos fez ferver o impétuo militar da conquista e da conversão. Esta conjuntura inquieta que serviu para impulsionar tanto as farturas dos riscos das penas de Vieira sobre o pergaminho, quanto os excessos da Inquisição portuguesa, produziu em Portugal os embates constantes das guerras. Lutando contra as heresias, muitos católicos portugueses odiaram e amaram seus inimigos até a morte, servindo-se violentamente dos escravos para manter a hegemonia da mercantilidade colonial. Vieira presenciou esse cenário corroído e não se absteve de ceder opiniões e críticas contrárias até àqueles que as não queriam ouvir.

Registrando desagravos e concedendo apoio à causas que nem sempre se classificavam como convencionais, Vieira se fez notar. Ocupando lugar de destaque na Europa e nas colônias do Além Mar, este jesuíta galgou tanto fama e infâmia e legou à posterioridade “narrativas tão diversas como: cartas, sermões, ensaios, teológicos e peças de caráter jurídico e canônico”68. A abrangência do Vieira nos diversos setores da complexidade moderna o constituiu como personalidade importantíssima da história, cuja análise é não menos que necessária e meritória. De modo que, uma análise de seus escritos tornase fundamental para a investigação das possíveis heranças retóricas e conceituais do mundo medieval sobre temas relacionados à aplicação da violência através da incitação do púlpito moderno.

Com efeito, além do peso do próprio Vieira enquanto personagem histórico, a obra vieiriana, como fonte de pesquisa, se sustenta por si só. Os impressionantes quinze volumes que compõem os Sermões, impressionam tanto por tamanho, quanto por conteúdo, quanto por técnica discursiva e retórica. A engenhosidade de uma inspiração única destinou à Vieira a habilidade de tecer palavras com a exatidão de um mestre e a elegância de um maestro. Esta capacidade fez com que ninguém menos do que Fernando Pessoa, homem que bradou sua pátria a língua portuguesa, o venerasse como imperador. Os espólios textuários de Vieira, cuja agudeza os eleva à obra-primas, certifica o valor de seu uso como fonte primária de uma bem-desenvolvida retórica barroca tanto nos campos da ars grammatica, como no da ars dictaminis e da ars praendicandi. A colocação e a classificação dos textos vieirenses no cume da literária moderna faz de seu estudo item indispensável em investigação, cuja perspectiva é dada através de uma medievidade de longa duração histórica, fundamentando, desta forma, a eleição dos escritos vieirianos como os mais adequados à representação de um segmento importantíssimo do universo literário moderno.

Esta tese, tendo como foco a ars preandicandi, se fez valer principalmente das oratórias do Padre António Vieira como emblema mor da homilia lusitana. Os demais textos do autor, como as cartas, os escritos políticos, bem como os canônicos e os jurídicos, servem como apoio para uma análise mais contextualizada desses sermões. Por isso, ao se levar em consideração a importância da longevidade da ars praendicandi como campo de estudo da teoria da longa duração, as atribuições de Padre António Vieira como pregador são fundamentais. Antes mesmo de ser ordenado sacerdote em 1635, pregou no Colégio da Bahia, estreando a sua primeira atuação como pregador ao abordar o tema da guerra. Ficando particularmente conhecido por suas qualidades de sacro orador, Vieira dominou os mais importantes púlpitos da Europa. Imediatamente se destacou e destoou dos demais de sua classe, e em sua oratória nunca mais separou seus conceitos religiosos dos objetivos políticos que tanto sonhava para o reino de Portugal. E, mesmo nos seus momentos de maior intransigência, conquistou de seus inimigos respeito e admiração como um dos maiores pregadores da história, cuja capacidade persuasiva foi capaz de o livrar até mesmo da temível Santa Inquisição. Uma análise dos Sermões de A. Vieira torna-se imprescindível e pertinente para se compreender os frutos e os ofícios do pregador, especialmente tendo em conta sua posição de destaque como orador excepcional.

Contudo, a tendência das obras vieiranas de se sobressair dos demais trabalhos de seu tempo, tanto pela figura do próprio Vieira, quanto pela qualidade inerente de seus textos, não significa que ela está além ou aquém de seu tempo. “Desde a chegada a Lisboa e à medida que a fama de orador crescia, pululavam, por compreensivelmente disputadas, cópias dos sermões que pronunciava, umas por si cedidas, outras tais como, de memória, interessados, curiosos e taquígrafos de profissão alcançariam apanhar do discurso na cadência da declamação”. E mesmo que levando em consideração a reelaboração de alguns deles, os escritos vieirienses são, de fato, únicos. Eles desenham a genialidade ímpar de Vieira enquanto homem das letras, porém, paralelamente, ao mesmo tempo em que Vieira é único, ele também reflete as opiniões e estruturas de muitos da sua época. Sua obra é importantíssima enquanto fonte para se entender os diversos sistemas epistemológicos, ideológicos, políticos e religiosos. Os escritos de Vieira funcionam como uma lupa que permite que se leia nas entrelinhas de si as angústias, os temores e os assuntos em debates que ferviam nas principais veias da época. Pela interdisciplinaridade, pela inserção, e pelo puro brilhantismo, Vieira é fonte preciosa do tempo em que viveu. António Vieira, que herdou da medievalidade e que legou à posterioridade, é homem moderno de alma inteiramente barroca.

SERMÕES – Ordenado por seu superior, o Padre João Paulo Oliva, a dar “estampa” aos sermões pregados ao longo de sua carreira, Padre António Vieira compila, a partir de seus “borrões”, impressionantes 15 volumes (alguns de impressões póstumas) de prédica exemplar. A incubência do projeto, iniciado por A. Vieira aos 71 anos, é primeiro recebido com relutância pelo autor, que o afirma desviar de tarefas mais grandiosas. Contudo, rapidamente A. Vieira vê nos Sermoens a oportunidade de reclamar a autoria de exemplares não autorizados, enquanto seus superiores esperam dele manuais homiliéticos a serem seguidos. Exemplo máster da ars praendicandi cuja impressão teve início em 1679 na cidade de Lisboa, a obra totaliza mais de 200 sermões.

TROVAS DO BANDARRA - Bandarra, autor seiscentista, famoso por suas profecias messiânicas. Seus escritos viria a ser conhecido como capítulo importante da fase pré-sebastiana.

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Fonte:

Raquel Drumond Guimarães: “Vestígios do medievo nos Sermões do Padre António Vieira”. (Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de PósGraduação em História, da Universidade Federal de Santa Catarina. Linha de pesquisa: Relações de poder e subjetividades. Orientador: Prof. Dr. Valmir Francisco Muraro). Florianópolis, 2012.

Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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