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O
objetivo prático de Vieira: a conservação do reino português
Em conformidade com os tópicos anteriores a esta
seção, observa-se que o tema da conservação do reino português é uma constante
nos mais variados escritos de Vieira. No mesmo período em que escrevia o Papel
Forte, também escreveu uma carta ao Marquês de Niza, seu principal
correspondente entre os anos de 1647 e 1648, período de sua segunda missão
diplomática, na qual novamente se preocupa em manter a guerra contra Castela,
sem prejudicar a construção futura do Quinto Império. Este escrito mostra um
diálogo entre Vieira e este Marquês, que era embaixador português em Paris com a missão de ajudar Portugal na guerra
contra Castela e seu intuito era tentar unir aliados (no caso a França) para
ajudar na vitória portuguesa contra os espanhóis.
Neste período a França estava em guerra contra
Castela e o Cardeal e primeiro-ministro francês Giulio Mazzarino pediu ajuda a Portugal
contra seu principal inimigo. Mas Vieira logo observa a astúcia deste Cardeal,
por ser a favor da continuação desta guerra por “amor” a Portugal, pedindo que
este ponto de vista fosse anunciado por alguns países da Europa: “e nos mandava
repetir este desengano em Lisboa, em Paris e em Munster, e agora, que a
conveniência ou a força o reduz a continuar a guerra, quer-nos vender a liga,
como se deixara de fazer a paz por nossa causa”.
Na visão do jesuíta fazer uma liga com a França
naquele período implicava em prestar mais serviço a este país do que a
Portugal, pois a França era mais poderosa, “por ser o seu intento conquistar e
o nosso defender, por ter ele um só inimigo e inferior, e os nossos serem dois
e ambos em seu gênero superiores, como é a Holanda por mar e Castela por
terra”. Além disso, para Vieira, após a guerra, Castela faria paz somente com a
França e não com o seu país, concluindo que era Portugal que necessitava dos
socorros da França e não o contrário.
Após estas explanações, ele ainda aponta a falta
de credibilidade da França, uma vez que ela também estava interessada em parte
das terras dos portugueses e na liberdade de comercializar nos portos lusos
(além de comercializar com Castela). Vieira mostra sua desconfiança em relação
à França, pois temia que Portugal
perdesse territórios conquistados com tanto esforço e com tamanhos gastos:
Do primeiro temos exemplos
antigos, quando os franceses
começaram a conquistar primeiro o Rio
de Janeiro, depois o Maranhão,
e ultimamente, em tempo do Cardeal
Richelieu , tiveram em pensamento a ilha de S. Lourenço, de que S.M foi avisado; e do segundo há os
modernos, da licença, que alguns
mercadores pediram e alcançaram, para ir aos portos de Brasil e Angola. Mas nenhuma
nem outra coisa parece razão que se conceda à França; porque, como
havíamos de dar de graça o que à custa de tanto sangue e dinheiro estamos
defendendo?
Após mostrar os perigos de uma união com a
França, o jesuíta continua o seu raciocínio explicando em que termos poderia
ocorrer esta liga contra Castela e Holanda, e quais conquistas seriam
interessantes para o reino português. Pois, além de se preocupar com a defesa
de Portugal ,
vislumbra oportunidades surgidas para a expansão e desenvolvimento de seu país.
Apostava que o reino português poderia se engajar em uma empresa que o levasse
novamente a uma posição de destaque mundial, uma vez que
era a nação destinada a ser soberana sobre todas as outras de acordo com as
suas profecias. Para isso, segundo Vieira, era necessário que Portugal tivesse
preponderância sobre o comércio com as Índias, pois para ele “o poder que se
mandar às Índias se deve encaminhar contra os mesmos e portos que se embarca e
conduz à prata, assim do Peru como a de Nova Espanha”, conseguindo, no mínimo,
tomar a frota e obter todo o comércio e proveitos que a Espanha recebe das
Índias.
Desta forma, o jesuíta, que estava muito bem
informado sobre o que ocorria neste comércio em direção às Índias, assim como quais os interesses
de cada país nesta transação, explica de que modo ocorreriam estes fatos em
favor do reino português. A navegação por estes mares seria fácil e não duraria
mais de dois meses, na visão de Vieira. Para
ida e vinda, estavam à disposição dos lusos os seus portos e suas ilhas. Para a manutenção da guerra seria possível enviar
socorros de mantimentos do Maranhão e do Pará, com grande abundância e rapidez.
Além disso, muitos dos moradores dos portos e cidades das Índias, e grande
parte dos pilotos e marinheiros das frotas eram portugueses e com eles poder-se-ia
tirar bastante proveito, tanto para as notícias, quanto para as empresas
necessárias naquele momento.
Após explicar detalhadamente e com muita lucidez
de que modo Portugal
tiraria proveito deste comércio em relação às Índias e quais seriam as
necessidades deste reino para alcançar estes objetivos, o jesuíta vai além e
afirma que também era possível obter a conquista do Rio da Prata,
[...] de que antigamente
recebíamos tão consideráveis proveitos pelo comércio, e se podem conseguir
ainda maiores, se ajudados dos de S. Paulo marcharmos, como é muito fácil, pela
terra dentro, e conquistarmos algumas cidades sem defesa, além das minas das
quais elas e Castela se enriqueciam, cuja prata por aquele caminho era possível
trazer por muito menos despesas.
Vieira encerra a sua explanação mostrando que se
Portugal não seguir as propostas sugeridas por ele, a França poderia tirar
proveito desta situação em benefício próprio, conquistando o Rio da Prata
e deixando os lusos de mãos vazias. Além disso, aborda algumas das “tentações”
da França acerca das conquistas portuguesas. Ele afirma isso com base no passado
francês com relação às conquistas portuguesas no Brasil. Uma destas tentações
seria a tomada do Rio de Janeiro, “ajudando-se a ambição de uma espécie de
justiça, porque antigamente, quando conquistamos aquelas
terras, tomamo-las aos índios e a franceses, que eles ainda não estavam em
lugar do mesmo porto fortificados”.
A partir destas análises feitas por Vieira
acerca de uma possível união com os franceses contra o principal inimigo
português – Castela, com as devidas desconfianças com relação às ousadas
intenções de conquistas da França, seria lícito afirmar que o jesuíta, ao
propor os termos exatos de como ocorreria esta união e quais os melhores
caminhos comerciais a serem seguidos pelos lusos, ele quer manter, proteger e
prevenir o reino português de Castela, dos holandeses e de possíveis conquistas
francesas e também mostrar a possibilidade de se conquistar territórios como o
Rio da Prata, a fim de que Portugal pudesse ampliar sua influência comercial e
voltar a acumular riquezas (como a prata, por exemplo) para investir em seu reino,
que voltaria a crescer e poderia retornar à sua posição hegemônica no cenário
mundial, conforme já previa em suas profecias acerca do Quinto Império
português.
Vale ressaltar que os jesuítas em geral, e
Vieira em particular, tiveram contato com a corte, em vários Estados, e a
maioria deles se envolveu em governos, pelo menos na condição de conselheiros
eventuais. No caso de Vieira, este escreveu para governantes e expressou visões
de mundo acerca da política dos mesmos, sendo Sermão do Bom Ladrão e o Papel
Forte exemplos disso, porém no primeiro o jesuíta se dirige a príncipes e
governantes em geral, tendo um ponto de vista eminentemente moral, diferente do
segundo em que se direciona especificamente ao rei D. João IV, de forma
pragmática e com objetivos práticos, que permitissem uma paz duradoura com os
holandeses, que ameaçavam o reino português no momento.
Vieira se destacou como um grande aconselhador de reis,
príncipes e governantes em geral, sempre buscando a conservação do reino
lusitano. Especificamente no Papel Forte, observa-se que ele queria
muito mais do que a simples conservação do reino português, mas ambicionava uma
ousada expansão territorial, à medida que ela fosse possível. Este conselho
dado por Vieira ao rei português não é muito diferente dos conselhos dados por
Maquiavel a príncipes, pois para ambos era mais fácil conquistar do que manter
e, neste caso, pensava Vieira principalmente na conservação do reino português,
pois para ele, era preciso primeiro garantir a existência e consistência deste
reino, expandi-lo posteriormente seria mais simples.
Este sermão também trata dos tributos cobrados
pelas cortes portuguesas, que, na visão de Vieira, deveriam ser modificados,
uma vez que estes tributos não foram efetivos para a conservação reino. Ou
seja, como os
remédios foram ineficazes, era necessário “remediar os remédios”. Para isso o
jesuíta recomenda que os tributos possam ser cobrados sem violência, de modo
mais suave, pois como
diz o próprio Cristo, “o meu jugo é suave, e o meu peso, leve” (Mt 11,30). Por
isso há a necessidade de dividir esta cobrança, repartir estes impostos, pois a
lei de Cristo deve ser igual para todos e não dá privilégios a ninguém. Pois
para o jesuíta o maior jugo que pode ter um reino são os imoderados tributos.
“Se queremos que sejam leves, se queremos que sejam suaves, repartam-se por
todos”. Desta forma sugere que no reino português haja igualdade na cobrança de
impostos, sem privilégios (isenção de tributos) para nenhuma classe.
Para que a união destes elementos atingisse à
conservação do reino, era necessário que os três estados tivessem as mesmas
obrigações, no referido caso, com relação ao pagamento de tributos (e não só o
estado do povo). Para os eclesiásticos, sugere
que temam a Deus, e busquem fazer a Tua vontade. Uma forma prática seria
pagando corretamente os impostos, que devem ser considerados como
uma dádiva e não como
uma dívida (esta creditada aos seculares) confirmada nas próprias palavras de
Cristo: “Pagai o de César a César, e o de Deus a Deus” (Mt 22,21). Da mesma
forma mostra a importância da nobreza pagar os tributos (já que também era
isenta no reino português) e novamente retorna ao exemplo de Cristo, que
juntamente com os de sua casa pagava os impostos. Por que então a nobreza não
os pagaria? Esta, em especial, cometeria uma grande pecado, caso faltasse à
coroa com o ouro que dela recebia. O povo continuaria pagando os seus tributos,
mas consciente de que os outros setores da sociedade também cumpririam esta
obrigação.
Pode-se afirmar, portanto, que o objetivo
central deste sermão é mostrar à corte portuguesa a necessidade de se conservar
o reino de Portugal, e que uma ação decisiva neste sentido seria através de uma
cobrança mais justa de tributos entre todos os estados do reino. O jesuíta
insiste em que estes estados a paguem de forma equânime os impostos, fazendo
analogias com as ordens de Cristo a seus apóstolos, que também pagavam
tributos. Desta forma, haveria a união destes estados, a fim de que juntos
estivessem em sintonia (assim como
o fogo, a água e o ar) para o alcance de um objetivo maior, que é criar
condições para a conservação do reino português, que passava por um período
bastante conturbado e que precisa de mudanças. Este tipo de recurso ao exemplo
de Cristo é também muito frequente no Sermão do Bom Ladrão, que analiso
adiante.
O Sermão do Bom Ladrão
foi pregado na igreja da Misericórdia de Lisboa em 1655, durante a breve estada
de Vieira na Corte em busca de medidas que garantissem a condução dos resgates
e governo dos índios pela Companhia de Jesus. Queria ele que este sermão pudesse
atingir aos mais variados tipos de pessoas, inclusive aos reis e príncipes, que
deveriam seguir o ensinamento do Rei supremo, que é o próprio Cristo, em uma
ousada crítica à prática corrupta dos governantes deste período.
Um ponto importante ressaltado por Vieira neste
escrito é com relação a uma antiga lei da Restituição, reservada aos penitentes
que necessitavam quitar as suas dívidas. Segundo esta lei, o ladrão que
quisesse ser perdoado de seus pecados, primeiro precisava restituir o que
roubou se tivesse tal possibilidade. Este preceito era muito rigoroso no
período e deveria ser seguido à risca, pois o ladrão que não restituísse o que
tivesse roubado poderia perder a sua própria liberdade. Desta forma, o famoso e
conhecido “bom ladrão” que estava junto à cruz de Cristo pôde se salvar tanto como o ladrão que tinha sido, mesmo sem ter com que
restituir o que roubou, quanto como
o cristão que começava a ser, mesmo sem o batismo. Como ladrão que tinha sido foi salvo por Cristo
que derramou seu sangue na cruz, lhe suprindo também o Batismo. Por sua
desnudez e pela sua impossibilidade, foi lhe suprida a restituição, podendo
desta forma ter sido salvo.
Semelhante ao que ocorreu com São Dimas (o bom e
pobre ladrão) foi a ação de Cristo com Zaqueu, um ladrão rico, que tinha muito
a restituir, porém não podia Cristo lhe assegurar a salvação antes da
devolução, por isso fez esta exigência ao penitente que atendeu ao pedido e
restituiu tudo o que tinha mal adquirido em quatro dobros. O jesuíta insiste
nestas comparações para advertir primeiramente os reis que a “salvação não pode
entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se pode perdoar sem se restituir
o roubado”.
O jesuíta enfatiza os mais variados tipos de
ladrões, em uma hierarquia que define as suas obrigações em termos de
restituição. Quanto mais sobe na hierarquia dos ladrões, mais grave é o seu
crime, pois os príncipes e reis, que ocupam o topo, além de não poderem roubar,
devem impedir que alguém o faça. Desta forma, mostra as mais variadas formas de
furtos ocorridas entre reis, países, príncipes, desde os roubos maiores até
aqueles considerados insignificantes. Porém fica evidente a sua intenção de
mostrar não só o lado do ladrão que rouba, mas também a do encarregado de
evitar que ele atinja o seu objetivo, permitindo que o mal aconteça. “Aquele
que tem obrigação de impedir que se não furte, se o não impediu, fica obrigado a restituir o que se furtou”. Até mesmo príncipes que
por sua culpa deixassem crescer os ladrões em seu reino, seriam obrigados à
restituição, pois são responsáveis pela manutenção da ordem e justiça em seu
território. Pois conforme observou São Tomás, os príncipes “estão obrigados à
restituição, como os ladrões, e pecam tanto mais gravemente que os mesmos
ladrões, quanto é mais perigoso e mais comum o dano com que ofendem a justiça
pública, de que eles estão postos por defensores”.
Esta Lei da Restituição é natural e divina e por
isso, segundo Vieira, deveria ser respeitada. A partir desta premissa, o
jesuíta faz ponderações sobre a importância do ajuste da lei positiva à lei
natural, e por sua vez à lei divina e eterna, afirmando que não ficam somente
no campo da prédica moral, pois visam mostrar “que o mais moral e o mais de
acordo com a Fé, não somente é o mais justo quanto o mais eficiente
politicamente”. Esta postura coincide com a encontrada por Bireley,
principalmente em autores jesuítas que, desde o século XVI (em oposição a
Maquiavel), buscaram demonstrar a viabilidade de reinos comandados por príncipes
efetivamente cristãos, que floresceriam como as profecias bíblicas que há
tempos prediziam. Exemplo claro disso é a construção do Quinto Império
português que Vieira insiste tanto em sua concretização, fato presente na
maioria de seus escritos, e este sermão não foge à regra, mesmo que de forma
implícita.
O respeito pela Lei da Restituição, com a qual a
lei positiva deve estar em sintonia, se aplica a príncipes que, em muitos
casos, usam de violência para com os seus súditos e exigem pagamentos contra a
sua vontade. Mas, para o jesuíta, semelhante à argumentação feita por
Maquiavel, se estes “príncipes tiram dos súditos o que segundo a justiça lhes é
devido para a conservação do bem comum, ainda que executem com violência não é
rapina ou roubo”. Esta conservação do bem comum seria o fim último do
governante, que para atingi-lo, poderia se utilizar dos meios que julgasse adequados
para alcançar este objetivo (os fins justificam os meios). Ao mesmo tempo em
que tenta justificar a ação de alguns príncipes e reis, Vieira exemplifica dois
reinos que foram castigados por Deus pelos seus crimes: o de Judá e o de Israel , um com o
cativeiro dos assírios, e o outro com o dos babilônios. O motivo da punição foi
que os príncipes destes reinos, “em vez de guardarem os povos como
pastores, os roubavam como
lobos”.
O jesuíta conclui o seu argumento afirmando a
necessidade daquele que furtou de restituir muito mais do que fora roubado e
“que nem os reis, nem os ladrões, nem os roubados se podem
molestar da doutrina que preguei, porque a todos está bem”. Deste modo Vieira
explica em quais termos sua doutrina se aplica em cada um destes casos por ele
citados.
Está bem aos roubados, porque
ficarão restituídos do que tinham perdido; está bem aos reis, porque sem perda,
antes com o aumento de sua fazenda, desencarregarão suas almas . E, finalmente, os mesmos ladrões, que
parecem os mais prejudicados, são os que mais interessam. Ou roubaram com
intenção de restituir, ou não: se com intenção de restituir, isso é o que eu
lhes digo, e que o façam a tempo. Se o fizeram sem essa intenção, fizeram logo
conta de ir ao inferno e não podem estar tão cegos que não tenham por melhor ir
ao Paraíso. Só lhes pode fazer medo haverem de ser despojados do que despojaram
aos outros, mas assim como estes tiveram paciência por força, tenham-na eles
com merecimento.
Portanto, é claro o objetivo do autor de alertar
especialmente os reis e príncipes sobre a necessidade de assegurar para que não
haja furtos em seus reinos e que também possam ser justos na restituição das
pessoas que foram de certa forma injustiçadas ou até mesmo roubadas. Porém, não
descarta a hipótese de que se o objetivo do rei for a conservação do reino,
este pode até agir com violência em relação aos seus súditos, exigindo deles o
necessário para atingir este objetivo. Conclui que a justiça de sua doutrina
deveria ser seguida, fazendo com que especialmente o rei português pudesse
escutá-lo para manter a ordem e a justiça em seu reino de modo a atingir a sua
conservação.
Este objetivo de Vieira persiste em seus
escritos, mesmo bem próximo do fim de sua vida, quando escreve em 1689 uma
carta ao Conde de Ericeira, D. Luíz de Meneses, autor de Portugal restaurado
(1679), que narra as tribulações vivenciadas por Portugal desde a
tomada de poder por D. João IV, até 1668, ano da assinatura da paz com
Castela. Nesta pormenorizada narrativa, Vieira só é citado uma vez e em poucas
linhas. Isso parece incomodar o jesuíta, que nesta carta enfatiza toda a sua
atuação diplomática em favor da conservação do reino português nos termos que
lhe pareciam mais justos, repetindo, portanto, os seus objetivos ao longo da
década de 1640, que se mantêm vivos até a sua velhice. Em suma, Vieira dá
sugestões para a reconstrução do reino luso, de modo que sua profecia acerca do
Quinto Império ainda pudesse se realizar.
Vieira inicia seu argumento mostrando que D.
João IV não estava satisfeito com os avisos pouco coerentes dos embaixadores da
França e da Holanda e desejou que o jesuíta o informasse do estado das coisas
de Portugal com toda a “certeza, sinceridade e desengano, o
que os embaixadores não faziam, querendo, com bom zelo, antes agradar do que
entristecer, que era a moeda que então corria, tão falsa como perigosa”.
Deste modo rebate os seus críticos que afirmavam
que seus negócios haviam desvanecido, esclarecendo de que forma a sua primeira
proposta ao reino português traria imensos benefícios aos lusos.
Sua proposta era de novamente construir duas
companhias de comércio nos moldes holandeses, uma oriental e outra ocidental,
[...] para que, sem empenho
algum da real fazenda, por meio da primeira se conservasse o comércio da Índia,
e por meio da segunda, o do Brasil, trazendo ambas em suas armadas, defendido
dos holandeses, o que eles nos tomavam, e bastaria sustentar a guerra contra
Castela.
O jesuíta vai além, afirmando que este negócio
“não se desvaneceu, e somente tardou em se aceitar, até que a experiência
desenganou aos ministros, que a princípio porventura o não capacitaram”. Mas a
Companhia Ocidental teve muita eficácia e utilidade, trazendo ao Brasil os
suprimentos necessários para sustentar a guerra contra Castela, não permitindo
que esta voltasse a exercer domínio sobre o reino português. Além disso, esta
empresa foi útil para restaurar Pernambuco e também para acudir com grandes
cabedais as necessidades deste reino, abalado pela guerra.
A partir daí o jesuíta faz referências a
diversos negócios e propostas feitas por ele e aceitas pelo rei português de
muito bom grado. Por exemplo, no período em que a Holanda invadiu o Brasil
(neste caso específico, a Bahia), ele fizera uma proposta que fora criticada
pelos ministros como
estando muito crua. Vieira logo responde se referindo a um diálogo entre ele e
o rei, que o chama de profeta. Desta forma o jesuíta afirma “que meu intento
era que, vindo as fragatas de Holanda tivesse S.M. duas armadas, uma que
ficasse em Portugal, e outra que fosse socorrer Bahia”; e não se passaram nem
seis meses, quando o rei o mandou chamar de “Carcavelos, onde estava
convalescente, a Alcântara”.
Vieira faz questão de mostrar no escrito as
palavras do rei proferidas a ele, especialmente quando o chama de profeta,
enfatizando sua ação, o jesuíta insiste em mostrar aos ministros que o projeto
que antes tinham como cru, era o que eles utilizaram naquele momento:
Sois profeta;
ontem à noite chegou caravela da Bahia com que um padre da Companhia chamado
Felipe Franco, e traz por novas ficar Sigismundo fortificado em Taparica. Que
vos parece que façamos? Respondi: ‘O remédio, senhor, é muito fácil. Não
disseram os ministros a V.M. que aquele negócio era muito
cru? Pois os que então o acharam cru cozamno agora’. Era mandado chamar o
Conselho de Estado; e, porque não havia de acabar senão de noite, disse S.M.
que me recolhesse à quinta, e tornasse ao outro dia Tornei, e soube que todo o
Conselho tinha representado a importância de ser socorrida a Bahia [...].
Outro projeto, de suma importância, incentivado
pelo jesuíta para o reino português admitir, foi a entrega de Pernambuco aos
holandeses no período em que este país invadiu parte do nordeste brasileiro.
Vieira refuta a possibilidade de ser acusado de o negócio ter desvanecido, uma
vez que esta campanha foi mandada por D. João IV a ele, que tinha por obrigação
obedecer. A princípio, foi aceito pelo Conselho de Estado português, pela
necessidade que havia a nação de manter a paz com a Holanda. Mas, após a
chegada em Lisboa do sobrinho de Gaspar Dias com novas proposições e esperanças
contrárias ao que em Holanda se tratava, ele, além de alvoroçar o povo, convenceu
muitos conselheiros de Estado, a quem informava e dizia que se arrependessem do
que tinham votado. O jesuíta lamenta sobre esta decisão dizendo que era uma
“lástima que alguns deles soubessem tão pouco de Holanda e Pernambuco, que por
ouvirem falar no Arrecife, diziam que tínhamos reduzidos os holandeses a um
penhasco, dominando atualmente estes todas as costas do mar com dezessete
fortalezas”.
Mas o rei de Portugal , sabendo da
impossibilidade de se fazer guerra com os holandeses, mandou Vieira redigir um
papel, explicando aos portugueses sobre os mais diversos motivos para a entrega
de Pernambuco aos holandeses, apesar dos acontecimentos posteriores e
inesperados não confirmarem esta sugestão.
Vieira conclui que os negócios enviados a ele
pelo rei português eram muito diferentes do que se podia cuidar e poucos
ministros sabiam do que realmente se tratava, ficando assim sujeitos a juízos e
conjecturas errôneas. Mas na situação de muitos dos jesuítas, em geral, e de
Vieira em particular, como consultor, aconselhador e confessor de reis, tal era
a confiança depositada por D. João IV em seus negócios, que, segundo ele, não
se desvaneceram. O rei continuou a encarregá-lo de negociações com vários
países, como
Paris, Roma, Holanda, acreditando mais em suas palavras do que a de muitos
embaixadores e ministros para lidar com as pendências de seu reino. Aqui
novamente detecto o empenho do jesuíta em oferecer ações
pragmáticas de conservar o reino português, com o intento de realização de suas
profecias acerca do Quinto Império. Especificamente nesta carta, Vieira tem a
seu favor a confiança que D. João IV depositava em seu vigor e inteligência
prática para lidar com os negócios do reino, o que sugere serem bem pensadas e
prudentes as propostas de Vieira para com a sua nação neste período. Porém, como visto, elas não
puderam se concretizar naquele momento, o que fará Vieira continuar a sua busca
de realização do objetivo profético em torno do reino português.
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Fonte:
Leonardo Soares Barbosa: “O Quinto Império: profecia e pragmatismo nos escritos de padre Antônio Vieira”. (Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em História na área de concentração: Narrativas, Imagens e Sociabilidades, da Universidade Federal de Juiz de Fora,como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª. Drª.
Beatriz Helena Domingues). Juiz de For a, 2010.
Fonte:
Leonardo Soares Barbosa: “O Quinto Império: profecia e pragmatismo nos escritos de padre Antônio Vieira”. (Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em História na área de concentração: Narrativas, Imagens e Sociabilidades, da Universidade Federal de Juiz de Fora,
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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