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As idéias de Vieira e suas ligações com a filosofia
Este ilustre
jesuíta, que nasceu em 1608 e faleceu em 1697, é uma das maiores figuras do
pensamento português do s. XVII. Sua obra revela um autor ao mesmo tempo
moralista, político e filósofo da história, que ex-pressa suas idéias através
de uma elegante retórica. Embora Vieira seja mais português do que brasileiro,
ele constitui uma das mais vívidas ex-pressões da nova cultura que se formava a
partir do contato do português colonizador com a realidade dos trópicos. Embora
alguns estudiosos se recusem a incluir seu nome no estudo da evolução da
literatura brasileira, como Sílvio Romero, José
Veríssimo e Ronald de Carvalho, outros acham mais adequado assimilá-lo, como Artur Mota. Eugênio
Gomes também se posiciona decididamente a favor da inclusão de Vieira na
história da civilização brasileira.
É verdade que,
de uma vida de 89 anos, Vieira passou 40 deles, correspondentes à sua fase mais
adulta e ativa, na Europa, quando atingiu sua maior glória como orador sacro.
Mas foi sua volta definitiva ao Brasil, com 73
anos de idade, que o transformou realmente em um escritor, pois então se
dedicou à redação de pelo menos onze tomos dos quinze que constituem os
Sermões. Além disso, como argumenta com propriedade Massaud Moisés, há
certamente temas brasileiros neste autor, como a questão dos negros, dos índios
e da guerra contra os holandeses invasores. Pensamos que o tema mais universal
da oratória também é profundamente brasileiro, dadas as características
específicas da cultura resultante do processo de colonização do país, em que a
retórica sempre desempenhou um papel fundamental. Mas um ponto importante a ser
destacado aqui é que, na abordagem de todos estes temas, Vieira se revela
ambíguo e, algumas vezes, contraditório.
No que diz
respeito ao negro, ele tenta a difícil tarefa de conciliar o apelo à escravidão
como aspecto
inevitável da colonização do país com a exigência cristã de que devemos tratar
os nossos semelhantes de maneira respeitosa e igualitária. Por um lado, ele defende
a igualdade de todos os homens, independentemente da nação e da cor. O que
caracteriza o ser humano é a fé e o conhecimento de Cristo. Isto coloca os
negros africanos em pé de igualdade com os brancos europeus e com os índios.
Por outro lado, Vieira pensa que o negro convertido vive numa condição superior
à do negro pagão. Isto lhe permite argumentar que os negros africanos, embora
retirados à força de sua pátria e de seus familiares, deveriam agradecer a Deus
pela oportunidade de conhecer a fé cristã e salvar suas almas pagãs.
Em outras
palavras, o avanço do cristianismo justifica o apelo à escravidão. Ao
resolverem uma questão prática, ligada às necessidades da lavoura colonial, os
portugueses estão colaborando na propagação da fé. Isto fornece uma
justificativa para capturar os negros na África, tornando-os escravos nas
plantações brasileiras. Mas Vieira critica os colonos pelas crueldades
praticadas contra os negros. O que parece amenizar um pouco esta situação
insustentável está no fato de que, para Vieira, o senhor só domina o corpo do
escravo, não a sua alma .
A escravidão é apenas meia escravidão, não é total. Deste modo, Vieira
aconselha os escravos a obedecerem ao senhor como quem obedece a Deus, pois assim
encontrarão a liberdade no interior do próprio cativeiro, recebendo, ao final,
um pagamento divino por seu trabalho.
Em resumo, a
escravidão, para Vieira, embora envolva certa forma de supressão da liberdade
de seres humanos, é justa quando não há maus tratos e injusta, no caso
contrário. Esta doutrina envolve uma contradição difícil de superar. Na opinião
de Massaud Moisés, o temperamento barroco de Vieira enfrentaria este fato
oscilando entre a revolta contra as crueldades da escravidão e a calmaria
diante da constatação do avanço do cristianismo. Ao final, Vieira acabaria por
acomodar-se numa espécie de meio-termo, em que a razão domina a emoção. Para justificar esta interpretação, Massaud Moisés cita
uma passagem de Vieira, na qual ele reconhece ser difícil conceber um Deus
capaz de predestinar os escravos não a um, mas a dois infernos, um aqui e outro
no além. Parece-nos, contudo, que outra interpretação poderia ser dada para
esta circunstância. Em diversos aspectos de sua vida, Vieira convive com a
contradição porque isto, como veremos adiante, constitui uma característica
cultural do homem ibérico nos trópicos, permitindo-lhe experimentar momentos de
recolhimento em que o mundo e seus problemas podem ser vistos à luz dum
pessimismo existencial. Viver em contradição reforça o desprezo pelo mundo e
pelas glórias da vida, levando ao desapego às coisas materiais.
No que diz
respeito ao índio, Vieira o vê primordialmente como o primitivo a ser catequizado e
arrebanhado para o seio da família cristã. A catequese do índio constitui o
objetivo de sua vida desde os dezessete anos de idade. Ao assumir esta atitude,
o jesuíta parece assumir dois pesos e duas medidas para resolver algumas das
questões mais candentes da sociedade colonial: para os negros africanos, o mais
adequado é a escravidão; para os indígenas, o mais adequado é a conversão. Com
isso, Vieira simplesmente ignora sua defesa da igualdade dos seres humanos,
independentemente de raça ou origem. Sua proposta é em tudo pragmática, se
levarmos em consideração o fato de que na época os negros já conheciam e
praticavam a escravidão na própria África, enquanto os indígenas se revelaram
completamente avessos a tal tipo de atividade. Era o melhor que se poderia
fazer para levar adiante a colonização do país.
Quanto às
invasões holandesas, Vieira hesita entre duas soluções: ou comprar Pernambuco
ou deixá-lo definitivamente aos flamengos. Isto pode ser depreendido de seus
dois pareceres opostos sobre a questão, dos quais um foi elaborado em 1647 e o
outro, em 1648. Deste ponto de vista, a compreensão do Sermão pelo Bom Sucesso
das Armas de Portugal contra as de Holanda, de 1640, exige alguma
contextualização. Nesta prédica, Vieira não está preocupado em retomar Pernambuco
definitivamente dos holandeses, como
o título parece sugerir. Na época do sermão, os flamengos ameaçavam invadir a Bahia e Vieira estava interessado em resolver um problema
específico numa conjuntura específica: levantar o moral dos colonos contra o
perigo do ataque iminente. Os invasores foram, inclusive, contidos naquela
ocasião, em parte graças ao efeito produzido pelas palavras de Vieira. Assim
entendido, o sermão de 1640 não desmente a sua hesitação quanto a que fazer com
respeito aos holandeses.
Segundo Hernâni
Cidade, esta hesitação revela a predominância do espírito político sobre o
religioso e da razão sobre a imaginação em Vieira. Segundo Massaud Moisés,
porém, o espírito religioso predomina sobre o político: o que interessa ao
jesuíta, no balanço final, é confirmar o texto sagrado da Bíblia. Neste caso, a
circunstância histórica se torna um mero exemplo da sabedoria eterna das
escrituras. Em nossa opinião, as duas análises são corretas e, assumidas em
conjunto, revelam que o conflito entre o político e o religioso se acha
interiorizado na própria personalidade de Vieira. Todavia, como veremos adiante, ele administra este
conflito à maneira do homem ibero-tropical, acabando por dar maior peso à dimensão
religiosa. Assim, embora ele resolva as questões mundanas com espírito
político, as soluções neste domínio quase sempre se mostram insatisfatórias. E
isto o leva a confirmar a superioridade da solução religiosa, que envolve o
abandono das vaidades ligadas às coisas materiais. As soluções políticas são
mundanas, passageiras e sem importância, quando comparadas com a vida autêntica
em Cristo.
Quanto à
oratória, as idéias de Vieira se encontram expressas no conhecido Sermão da
Sexagésima, proferido na Capela Real, em Lisboa, em 1655. De um modo geral, os
temas que orientam os sermões de Vieira incluem a vida de Jesus Salvador, o
céu, o inferno, a morte, o tempo, os vícios, as virtudes, os mártires católicos
e as heresias. Todos estes elementos permitem conectar o espírito à
contemplação das causas da fé e produzir argumentos de edificação moral. ara
demonstrar suas teses, Vieira efetua uma operação de correspondência simbólica,
em que a circunstância histórica é ligada a algum fato no Antigo Testamento.
Este, através da ligação, passa a constituir uma “figura”, ou “mistério” ou
símbolo daquela circunstância. Via de regra, os sermões de Vieira encontram
suas chaves em dois temas principais, a morte e o tempo. É verdade que tais
temas sempre alimentaram a parenética em todos os tempos, mas eles recebem um
caráter marcante e especial no Barroquismo do século XVI. Isto faz com que o
sermão vieiriano se estruture argumentativamente em torno de um autêntico
paradoxo, que constitui o “fruto natural de uma época em que a contemplação da
morte representava uma tentativa angustiosa e impossível de conciliar a Vida e
o Eterno”.
O Sermão da
Sexagésima é extremamente importante no contexto da obra de Vieira como pregador, porque
constitui uma das melhores ilustrações da sua problemática e da sua dialética.
Wilson Martins o considera um tratado de retórica, não sacra, mas no sentido
clássico original. Para Gomes, ele constitui uma chave para a compreensão da
obra do jesuíta, já que revela as suas principais componentes de conteúdo e
expressão. O próprio Vieira reconhece tal fato, ao iniciar com este sermão o
primeiro volume de suas obras. Para melhor
compreendê-lo, é importante lembrar dois sermões anteriores, o da Quinta
Dominga da Quaresma e o de Santo Antônio, proferidos no Maranhão, contra os
abusos dos colonos em suas tentativas de escravizar os índios. O último foi
inclusive proferido às vésperas da partida de Vieira para Lisboa, onde
pretendia buscar o apoio do rei contra os colonos. Depois de atacar estes
últimos nos sermões mencionados, no da Sexagésima ele se volta
contra os dominicanos, seus adversários na tarefa missionária. Aqui, ele
critica a maneira de pregar destes religiosos, em especial de Frei Domingos de
São Tomás, denunciando o seu gongorismo como
uma espécie de pecaminoso artificialismo formal. Mas Vieira não deixa de fazer
também uma alusão aos colonos, prometendo retornar logo ao Brasil, provido dos
meios necessários para conter seus abusos.
Luiz Alberto
Cerqueira, que considera Vieira o representante máximo da filosofia
luso-brasileira, vê outro significado filosófico no Sermão da Sexagésima.
Enquanto autor religioso, Vieira não questiona o dogmatismo escolástico do
pensamento português baseado na Ratio Studiorum. Todavia, enquanto autor
estético, ele pensa a conversão como
função da consciência de si, despertando no indivíduo o homem moral. A
importância filosófica do Sermão da Sexagésima, segundo Cerqueira, está na sua
caracterização da conversão da alma como
o entrar um homem dentro de si e ver-se a si mesmo. Em Vieira, são necessários
três elementos para que um homem possa ver a si mesmo: os olhos, o espelho e a
luz. O homem contribui com os olhos, que correspondem ao conhecimento. O
pregador contribui com o espelho, que corresponde à doutrina. Deus contribui
com a luz, que corresponde à graça. A fonte para essa compreensão da conversão
remonta a S. Bernardo (De Conversione) e a Agostinho (Confissões) e sua fonte
mais próxima é a doutrina da “luz interior” em Pedro da Fonseca. Essa doutrina
se baseia na teoria do intelecto agente em Aristóteles. A partir daí, Cerqueira
argumenta que as reflexões de Vieira sobre o sentido da conversão na filosofia
cristã levam à necessidade da consciência de si e, em paralelo com o cogito
cartesiano, abrem uma janela para a idéia de historicidade da filosofia como
atividade do espírito. Nessa perspectiva, a obra de Vieira adquire, além do seu
interesse literário, uma significação filosófica decisiva para o nascimento da
filosofia brasileira no século XIX, com Gonçalves de Magalhães. Alguns aspectos
dessa interpretação de Vieira serão discutidos na próxima seção.
Ainda do ponto
de vista filosófico, um dos aspectos que chamam a atenção no Sermão da
Sexagésima está no tipo de contradição performativa que ele envolve. Com
efeito, Vieira não apenas combate ali as extravagâncias do cultismo praticado
pelos dominicanos, mas também adota uma atitude retórica que põe em ação
mecanismos argumentativos análogos aos que estão sendo condenados nos
adversários. Segundo Gomes, contradições deste tipo ocorrem em muitas obras
seiscentistas ou setecentistas, e o próprio Shakespeare não escapa delas. No caso
de Vieira, o meio de expressão denota intensidade de visão ou de idéias e é
reforçado pela metáfora hiperbólica. Isto constitui o aspecto mais apreciável
do tipo de Barroquismo a que o jesuíta adere, motivado pelas estratégias
conceptistas, que o fazem transigir com um artificialismo verbal bastante
próximo do cultismo que ele publicamente rejeita. Tudo indica que o conceptismo
tradicionalmente atribuído a Vieira é tão favorável a artifícios verbais quanto
o cultismo, gerando uma espécie de contradição performativa entre o que o
pregador diz e o que ele efetivamente pratica. E parecenos que esta contradição
desempenha em Vieira um papel filosoficamente mais profundo do que seus
críticos reconhecem.
Ao apontar para
as causas do fracasso da pregação em seus dias, Vieira argumenta que faltam
obras para justificar as palavras usadas no púlpito. Antigamente, as palavras
eram acompanhadas de obras. Agora, as palavras vêm acompanhadas apenas de
pensamentos. Não havendo exemplo a ser seguido, não há pregação eficaz:
O pregar que é
falar, faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração,
são necessárias obras.
Isto está
diretamente ligado à contradição performativa que perpassa não apenas a
existência de Vieira, mas também do homem ibero-tropical e que será mais
detalhada na próxima seção: a oposição entre o que ele diz e o que ele
efetivamente faz. Vieira revela estar consciente deste fato, pois mais adiante
acrescenta:
Se quando os
ouvintes percebem os nossos conceitos, têm diante dos olhos as nossas manchas, como hão de conceber
virtudes? Se a minha vida é apologia contra a minha própria doutrina, se as
minhas palavras vão já refutadas nas minhas obras, se uma coisa é o semeador e
outra o que semeia, como
se há de fazer fruto?
Os pregadores a
que Vieira se refere usam palavras, mas não as palavras de Deus. O verbo divino
certamente produz frutos. Eles, porém, semeiam vento e estão fadados a colher
tempestades. O pregador autêntico deve deixar de lado a vaidade. Ele deve
preocupar-se não em agradar o ouvinte, mas em perturbá-lo o suficiente para que
repense sua vida e seus pecados:
Semeadores do
Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os
homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não
que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus
costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos
os seus pecados. Contanto que se descontentem de si, descontentem-se embora de
nós.
Deste modo, o
pregador eficaz deixa insatisfeito o seu ouvinte. Esta insatisfação produz uma
verdadeira edificação moral, que leva o ouvinte a ver com ceticismo e pessimismo
as vaidades do mundo. Mas a pregação produz igualmente um efeito no próprio
pregador, que se vê também imperfeito, também transigindo com aquilo que
condena. Faltam, por parte dele, por mais que se esforce, obras à altura da
pregação. Em virtude disso, a insatisfação destinada ao ouvinte se volta contra o próprio pregador. Se o sermão é eficaz,
ele também sai descontente da pregação. Ele também vê com ceticismo e
pessimismo as vaidades do mundo. E este processo, que Vieira descreve no Sermão
da Sexagésima, parece aplicar-se a cada um dos demais sermões proferidos pelo
pregador, em virtude da sua importância no conjunto da obra. Deste modo,
pode-se dizer que a função filosófica precípua do sermão vieiriano é reforçar o
ceticismo e o pessimismo mencionados, tanto no ouvinte como no pregador.
Outro aspecto
importante do pensamento de Vieira é a sua filosofia da história. De acordo com
Calafate, é nos debates para justificar sua tese do Quinto Império que Vieira
se assume como
homem moderno. A esse respeito, Vieira afirma que o tempo é a chave das
profecias, ou seja, que o saber não nos é dado de uma vez por todas em nenhum
ramo do conhecimento humano. O texto relevante para esse assunto é a História
do Futuro, obra inacabada em dois volumes, que reflete de maneira muito
expressiva a filosofia da história dos portugueses à época da colonização do
Brasil. No volume I, Vieira explica a natureza, os objetivos e a utilidade de
uma história do futuro. Para isso, ele argumenta que o tempo tem dois
hemisférios, como
o mundo. Um deles é o hemisfério superior, visível, que corresponde ao passado;
o outro é o inferior, invisível, que corresponde ao futuro. O presente se
localiza no meio destes hemisférios. A história do futuro pretende descortinar
os novos horizontes do segundo hemisfério do tempo. O objetivo dessa história é
a exaltação da fé, o triunfo da Igreja, a glória de Cristo e a felicidade
universal do mundo. Vieira reconhece a existência de uma oposição na própria
expressão usada, já que a palavra futuro não se ajusta à palavra história. Mas
ele declara ter optado por esse título porque um assunto novo e inaudito como este merece um nome
novo e não ouvido. A obra poderia chamar-se também Esperanças de Portugal, pois
tudo o que Vieira encontra a respeito deste país são grandezas, melhoras e
felicidades.
O ambicioso plano elaborado por
Vieira para a História do Futuro envolve sete partes ou livros, assim
distribuídos:
[...] no
primeiro se mostra que há-de haver no Mundo um novo império; no segundo, que
império há-de ser; no terceiro, suas grandezas e felicidades; no quarto, os
meios por que se há-de introduzir; no quinto, em que terra; no sexto, em que
tempo; no sétimo, em que pessoa.
Nosso autor,
infelizmente, não conseguiu realizar este plano .
O primeiro volume de sua obra trata ainda dos prolegômenos, discutindo
principal-mente as utilidades da história do futuro e revelando as passagens da
Bíblia que se referem às conquistas de Portugal. Nesta parte, destaca-se o
providencialismo de Vieira, que é assim formulado:
É este mundo um
teatro; os homens as figuras que nele representam, e a história verdadeira de
seus sucessos uma comédia de Deus, traçada e disposta maravilhosamente pelas
idéias de sua Providência.
No segundo
volume, temos dois capítulos introdutórios, seguidos pelos Livros I e II e pelo
Plano da História do Futuro. Aqui também impera o inacabamento. Mesmo assim,
existem indicações importantes a respeito do que deveria ser o teor da obra
definitiva. Nos capítulos introdutórios, Vieira explica o que vem a ser o
Quinto Império do Mundo. Embora tenha havido um número muito grande de impérios
na história, a contagem efetuada por Vieira se inspira nas Sagradas Escrituras.
De acordo com elas, a história da humanidade envolve quatro grandes impérios. O
primeiro deles é o Império da Babilônia, que durou cerca de mil e trezentos
anos. O segundo é o dos Persas, que não durou mais de duzentos e trinta anos. O
terceiro é o dos Gregos, que começou e acabou com Alexandre. O quarto é o
Império Romano, que durou quatrocentos anos.
O Quinto Império
é o novo que se anuncia na história da humanidade e que seria inteiramente
revelado pelo livro de Vieira, não fosse o seu inacabamento. Todos os outros
impérios, passados e presentes, ficam fora desta sucessão, que começa no
primeiro e deverá terminar no quinto, razão por que não são mencionados pelas
Escrituras. A tarefa que Vieira se dispõe a realizar no Livro I, que segue os
mencionados capítulos introdutórios, é mostrar que deve haver sem dúvida o novo
e prometido Quinto Império. Os três capítulos do Livro I procuram fundamentar a
previsão de Vieira através da discussão de duas profecias de Daniel e outra de
Zacarias. Os sete capítulos do Livro II discutem as principais características
do Quinto Império, que será de Cristo e dos cristãos, espiritual e temporal ao
mesmo tempo.
No Plano da
História do Futuro, temos maiores esclarecimentos a respeito das linhas gerais
da tese defendida por Vieira. O subtítulo é Esperança de Portugal, Quinto
Império do Mundo. Ali, ficamos sabendo que Vieira pretende demonstrar: a) no
Livro Primeiro, que as Sagradas Escrituras prevêem um Quinto Império, que
sucederá ao Romano (este último deverá ter-minar com a chegada do Anticristo);
b) no Livro Segundo, que o Quinto Império é de Cristo, espiritual e
temporalmente; c) no Livro Terceiro, que o Reino e Império de Cristo será
universal, abrangendo todas as gentes, cristianizando-as e estabelecendo a paz
universal; d) no Livro Quarto, que a consumação deste estado se dará pela
conversão de todos os homens à fé cristã, extirpando-se todas as heresias e
restituindo os judeus à sua pátria, sendo os instrumentos dessa conversão o
sumo pontífice e um príncipe temporal, que será monarca universal do mundo; e)
no Livro Quinto, que o estado consumado do Quinto Império se dará antes da
chegada do Anticristo, por ocasião da extinção do império turco, e que sua
duração se estenderá até o fim do mundo, possivelmente por muitos séculos; f)
no Livro Sexto, que o Quinto Império acontecerá na Europa, especificamente na
península ibérica, com capital em Lisboa; g) no Livro Sétimo, que o primeiro
imperador, instrumento temporal do dito Império, será o Sereníssimo Rei de Portugal,
possivelmente na pessoa do infante D. Pedro. Este último pode ser interpretado como um avatar de D.
Sebastião, o Esperado.
Para Calafate,
num “cômputo global, o interesse de Vieira para a filosofia em Portugal
desdobra-se por áreas que vão desde a ética, a filosofia política, a
antropologia e a filosofia da história, sem esquecer as questões da estética da
linguagem, a que deu base teórica no seu Sermão da Sexagésima”. Essa observação
vale também para a filosofia no Brasil, como
se verá a seguir.
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Fonte:
Fonte:
Paulo Roberto
Margutti (professor titular da FAJE/MG. Artigo submetido a avaliação no dia
12/07/2008 e aprovado para publicação no dia 21/07/2008): “O Padre
Antônio Vieira e o pensamento filosófico brasileiro”. Revista Síntese, Belo Horizonte , v. 35, n.
112, 2008. Disponível em:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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