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Breve esboço da vida e da obra de Antônio Vieira (1608-1697)
Mais de trezentos anos depois da
sua morte, Vieira continua sendo um protagonista histórico importante para a
cultura luso-brasileira, pois representou vários papéis ao longo da sua vida:
estadista real, político consumado, padre enérgico, orador de verve ferina e
missionário engajado em causas contraditórias. Coerente com a trajetória
político-eclesiástica que palmilhou, a sua produção intelectual está pejada de
escritos políticos (diplomacia do reino português), educacionais, econômicos
(principalmente a defesa que fez da escravidão africana), culturais, indígenas,
inquisitoriais, teológicos e filosóficos. Essa multiplicidade de abordagens
sobre o mundo secular estava diretamente relacionada com a visão universalista
que Vieira professava sobre a existência própria da cristandade. A salvação dos
cristãos dependia de uma ação fundada na integralidade de todos os valores
religiosos emanados da Igreja católica apostólica romana. Assim, o congraçamento
de todos os homens no seio dessa Igreja representava a única possibilidade
histórica de construir um império cristão na face da Terra e, por conseguinte,
preparar a ascensão do rebanho humano, redimido dos seus pecados, ao paraíso
celestial. A força da influência de Vieira sobre a cultura portuguesa que se
irradia pelo mundo é proveniente dessa universalidade que perpassa o conjunto
da sua obra, do ponto de vista não só do conteúdo, mas também da forma com que
ele rebuscou a língua de Camões.
Nascido em Lisboa – Portugal – no
ano 1608, Antonio Vieira veio para o Brasil em 1614, com a idade de 6 anos. Em
1623 ingressou na Companhia de Jesus, aos 15 anos de idade, e foi ordenado
sacerdote em 1635; ou seja, estudou durante 12 anos no colégio jesuítico de
Salvador (BA). Em 1644, depois de ter conhecido D. João IV, Vieira foi nomeado
pregador régio. De 1646 a
1651, transformou-se em conselheiro político do rei de Portugal e desempenhou
várias missões diplomáticas. A missão evangelizadora – catequética, religiosa e
educacional – empreendida pelo padre Antonio Vieira no Brasil pode ser
identificada com aquelas que ele efetivou em relação aos índios, aos colonos,
aos escravos e aos noviços da Companhia de Jesus. Vieira catequizou
principalmente os indígenas do Maranhão amazônico. Para os colonizadores luso-jesuíticos,
a concepção de mundo dos indígenas, alicerçada nesses elementos culturais,
significava, antes de tudo, uma fonte inesgotável de pecado. Assim, quando
Vieira retornou à colônia, em 1652, vinha movido pelo expresso objetivo de
formação de uma nova cristandade e de conquista, entre os “gentios” do Maranhão
amazônico, de “novas almas” para o rebanho da Igreja romana (FERREIRA JÚNIOR;
BITTAR, 2004).
Em 1659 escreveu a obra
Esperanças de Portugal – V Império, que, mais tarde (1665), o levaria às barras
do tribunal do Santo Ofício. Condenado pela Inquisição, Vieira foi absolvido
pelo Papa (1675) e retornou à Bahia (1681), onde faleceu em 1697.
Essas reviravoltas na vida de
Vieira foram assinaladas por Palacín (1998, p. 12), que recorreu a Azevedo
(2008), o grande biógrafo do ilustre padre, para caracterizar a sua conturbada
vida em seis períodos: o religioso (1608-1640), o político (1641-1650), o
missionário (1651-1661), o vidente (1662-1668), o revoltado (1669-1680), o
vencido (1681- 1697). Por sua vez, Fernandes (2010) aponta as visões
contraditórias dos biógrafos e analistas a respeito das obras vieirianas:
O seu primeiro biógrafo, por exemplo, o jesuíta Pe. André de Barros
(1745) descreve o Vieira zeloso e santo, jesuíta modelo; em contrário temos o
bispo de Viseu Francisco Lobo (1897), que apresenta o nosso autor como homem
ambicioso e vaidoso. Os estudiosos se dividem e apontam para a diversidade da
atividade apostólica de Vieira. Hernani Cidade (1955), por exemplo, prefere
salientar a atividade política e diplomática; Palacín (1998) apresenta as
contradições e fragmentações na apresentação da vida de Vieira; Cantel (1959)
faz o estudo de estilo do sermonário e a apresentação como teólogo; já Luis
Gonzaga Cabral (1901) mostra o incansável pregador. Como vemos, vão surgindo
uma variedade de imagens: desde o político maquiavélico (AZEVEDO, 1931) que
pretende a todo o custo fortalecer o Estado português, até a imagem do
“apóstolo do Brasil” (LEITE, 1950), do Pai Grande dos Índios (BESSELAAR, 1981),
do abolicionista (LINS, 1956), do “Judas do Brasil” (LISBOA, 1952), do Vieira
judaizante e sebastianista (SARAIVA, 1980). (FERNANDES, 2010, p. 214-215).
Na visão de Mendes, ao redigir e
publicar, em treze livros, a partir de 1677, cento e oitenta e seis sermões, o
Padre Antonio Vieira “fixou no tempo os seus atos de orador”. No entanto, a
autora argumenta que
[...] o seu legado artístico não corresponde plenamente à identidade
estética de Vieira: a de orador. Esse permanecerá para sempre irrecuperável,
dada a efemeridade do acto de dizer. A voz, a figura, o movimento do corpo, a
expressão, o público, a situação histórica, a iluminação, os sentimentos e tudo
o mais difere, falta e faltará, sem hipótese de restauro. O conjunto destas
parcelas é que conferia o seu modo de ser estético à pregação. Uma boa parte da
estesia oratória de Vieira não se deixará assim apreender, mas apenas imaginar.
No que ficou dessas pregações - os sermões escritos – podemos, no entanto,
captar uma parte do perfil estético de Vieira. É o caso da dimensão retórica
desse mesmo perfil. (MENDES, 1989a, p. 24)
Araújo (1998) considera que
Vieira tem identidade e formação barrocas e como poucos utilizou o púlpito não
apenas para suas ofensivas apostólicas, mas também para ser ouvido. O certo é
que a pregação de Vieira não tinha somente valor retórico. O noviciado
jesuítico, comparado com os de outras Ordens, assumia a dimensão da disciplina
militar, e a rígida hierarquia interna da Ordem - marcada pelos principais
documentos produzidos pela Companhia de Jesus: os Exercícios Espirituais, as
Constituições e a Ratio Studiorum - e a entrega aos dogmas cristãos tridentinos
transformaram os padres inacianos em verdadeiros soldados dos desígnios
emanados da Cúria Romana.
As características do pensamento
de Vieira também foram estudadas por Saraiva (1992), que lança mão das teorias
da análise estrutural e literária para focalizar a retórica vieiriana. Na visão
do autor, o discurso lexicológico de Vieira é um discurso engenhoso, devido à
sua organização sintático-semântica, e se opõe ao discurso clássico. Por sua
vez, Palacín (1998, p. 91) comenta que Saraiva (1996) estudou essas
características do pensamento de Vieira, principalmente nos sermões, “como o
exemplo mais alto na oratória sacra e no modo de pensar e expressar-se de uma
época: o barroco”. Ao comentar a obra de Vieira, Moisés (2009) chama a atenção
para dois aspectos que devem ser levados em consideração por aqueles que se
dedicam a analisar o espólio do Padre Vieira: o seu valor literário e suas
relações com a literatura brasileira. Dessa perspectiva, é importante destacar
que:
O primeiro aspecto tem sido amplamente assinalado e discutido que
tornou-se lugar comum entre os historiadores e críticos. [...] No tocante às
relações do Pe. Vieira com a literatura brasileira, a sua valorização é fruto
dos nossos dias: genericamente, dois momentos percorreram a sua fortuna
literária entre nós. Sílvio Romero e José Veríssimo não dissimularam a
desafeição pelo jesuíta e Ronald de Carvalho, sulcando as mesmas águas, alija-o
da literatura brasileira. Após os anos 30, desde Arthur da Mota, o processo de
revisão conduziu a situá-lo no ponto mais alto do século XVII luso-brasileiro,
em companhia de Gregório de Matos. (MOISÉS, 2009, p. 181)
De acordo com Hansen (1999,
p.27), em todos os gêneros Vieira sempre transmite um “conteúdo doutrinário
dogmático, letrado, culto e erudito, para ouvintes muitas vezes iletrados e
incultos, como colonos, índios, negros mamelucos e mulatos do Brasil, do
Maranhão e do Grão Pará”. Com isso, “seu sermão é simultaneamente didático,
teológico e político”.
Por sua vez, Mendes (1989a)
assinala, nos textos de Vieira, uma oratória sagrada cheia de aspectos
profanos. Na visão da autora, as obras de Vieira derivam em grande parte de ele
ter vivido “com fervor o seu ideal de pregador, na dimensão do ethos, ou
caráter, do pathos, ou paixão, e do logos, ou ação discursiva” (MENDES, 1989a,
p. 29-30).
A autora ainda comenta que “a
dimensão espacial da memória repercute-se na distribuição geométrica e
arquitetônica do discurso vieiriano”, pois o orador “obtém lugares a partir de
coisas ou seres” (MENDES, 1989b, p.30). Na visão de Pécora (1994), os sermões
vieirianos são um exemplo de unidade teológico-retórico-política, enquanto
Massimi (1999, p.47) assinala o fato de os sermões de Vieira terem sido “um dos
meios mais importantes e ricos de evangelização e de difusão cultural entre a
população brasileira no século XVII”. No sermão Exhortação Doméstica em Vespera
da Visitação, o jesuíta acentua o papel que os chamados “soldados de cristo”
deveriam desempenhar no âmbito do mundo secular. Vieira também pregava, no 1º
Sermão do Espírito Santo e no Sermão da Epiphania, que os “bárbaros”, após a
catequese, eram considerados como cristãos e se encontravam sob proteção da
Igreja Católica e, portanto, não podiam ser subjugados ao trabalho servil da
escravidão (VIEIRA, 1945).
Resta demonstrar, neste breve
esboço, que a vida e a obra de Vieira já foram perscrutadas por inúmeros
estudiosos, biógrafos e compiladores da produção científica vieiriana, entre os
quais nunca é demais ressaltar, no mundo luso, apenas para citar alguns, os
trabalhos seminais de João Lúcio de Azevedo, António José Saraiva, Hernani
Cidade, Serafim Leite, Margarida Vieira Mendes, José Van Der Besseleaar,
Eduardo Franco, José Pedro Paiva, Arnaldo Espírito Santo. Em terras
brasileiras, os estudos sobre a obra vieiriana conduzidos por Luiz Felipe Baêta
Neves, João Adolfo Hansen, Alcir Pécora, Adma Muhana e Marina Massimi
tornaram-se referência e ocupam lugar de destaque. De acordo com Moisés (1999),
há uma vasta bibliografia sobre o Padre Vieira, evidenciando que, apesar de
tudo, se trata de inesgotável filão. A seguir, apresentam-se os caminhos
percorridos para mostrar como a sua presença está refletida na pesquisa
acadêmica brasileira consolidada em dissertações e teses defendidas nos
programas de pós-graduação no País.
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Fonte:
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi (Doutora em Educação,
Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação da UFSCar e
docente dos Programas de Pós-Graduação em Educação e Pós-Graduação em Educação
Especial, ambos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Email:
dmch@ufscar.br – São Carlos, SP, Brasil), Amarílio
Ferreira Junior (Doutor em História Social, Professor Associado do
Departamento de Educação e docente do Programa de PósGraduação em Educação da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Email: ferreira@ufscar.br – São
Carlos, SP, Brasil), Marisa Bittar (Doutora
em História Social, Professora Titular do Departamento de Educação e docente do
Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). E-mail: bittar@ufscar.br – São Carlos, SP, Brasil) e Carlos Roberto Massao Hayashi (Doutor
em Educação, Professor Adjunto do Departamento de Ciência da Informação da
UFSCar e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Email: massao@ufscar.br – São Carlos, SP,
Brasil): “A OBRA DO PADRE ANTONIO VIEIRA NA AGENDA DAS PESQUISAS ACADÊMICAS NO
BRASIL”. ETD – Educ. Tem. Dig., Campinas, v.14, n.1, p.96-120, jan./jun. 2012 –
ISSN: 1676-2592. Disponível em: www.fe.unicamp.br/revistas/ged/index.php/etd
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que fazem menção os autores estão devidamente catalogadas na citada obra.
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