02/01/2016

Sermão de Todos os Santos, de Padre Antônio Vieira


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Breve esboço da vida e da obra de Antônio Vieira (1608-1697)

Mais de trezentos anos depois da sua morte, Vieira continua sendo um protagonista histórico importante para a cultura luso-brasileira, pois representou vários papéis ao longo da sua vida: estadista real, político consumado, padre enérgico, orador de verve ferina e missionário engajado em causas contraditórias. Coerente com a trajetória político-eclesiástica que palmilhou, a sua produção intelectual está pejada de escritos políticos (diplomacia do reino português), educacionais, econômicos (principalmente a defesa que fez da escravidão africana), culturais, indígenas, inquisitoriais, teológicos e filosóficos. Essa multiplicidade de abordagens sobre o mundo secular estava diretamente relacionada com a visão universalista que Vieira professava sobre a existência própria da cristandade. A salvação dos cristãos dependia de uma ação fundada na integralidade de todos os valores religiosos emanados da Igreja católica apostólica romana. Assim, o congraçamento de todos os homens no seio dessa Igreja representava a única possibilidade histórica de construir um império cristão na face da Terra e, por conseguinte, preparar a ascensão do rebanho humano, redimido dos seus pecados, ao paraíso celestial. A força da influência de Vieira sobre a cultura portuguesa que se irradia pelo mundo é proveniente dessa universalidade que perpassa o conjunto da sua obra, do ponto de vista não só do conteúdo, mas também da forma com que ele rebuscou a língua de Camões.

Nascido em Lisboa – Portugal – no ano 1608, Antonio Vieira veio para o Brasil em 1614, com a idade de 6 anos. Em 1623 ingressou na Companhia de Jesus, aos 15 anos de idade, e foi ordenado sacerdote em 1635; ou seja, estudou durante 12 anos no colégio jesuítico de Salvador (BA). Em 1644, depois de ter conhecido D. João IV, Vieira foi nomeado pregador régio. De 1646 a 1651, transformou-se em conselheiro político do rei de Portugal e desempenhou várias missões diplomáticas. A missão evangelizadora – catequética, religiosa e educacional – empreendida pelo padre Antonio Vieira no Brasil pode ser identificada com aquelas que ele efetivou em relação aos índios, aos colonos, aos escravos e aos noviços da Companhia de Jesus. Vieira catequizou principalmente os indígenas do Maranhão amazônico. Para os colonizadores luso-jesuíticos, a concepção de mundo dos indígenas, alicerçada nesses elementos culturais, significava, antes de tudo, uma fonte inesgotável de pecado. Assim, quando Vieira retornou à colônia, em 1652, vinha movido pelo expresso objetivo de formação de uma nova cristandade e de conquista, entre os “gentios” do Maranhão amazônico, de “novas almas” para o rebanho da Igreja romana (FERREIRA JÚNIOR; BITTAR, 2004).

Em 1659 escreveu a obra Esperanças de Portugal – V Império, que, mais tarde (1665), o levaria às barras do tribunal do Santo Ofício. Condenado pela Inquisição, Vieira foi absolvido pelo Papa (1675) e retornou à Bahia (1681), onde faleceu em 1697.

Essas reviravoltas na vida de Vieira foram assinaladas por Palacín (1998, p. 12), que recorreu a Azevedo (2008), o grande biógrafo do ilustre padre, para caracterizar a sua conturbada vida em seis períodos: o religioso (1608-1640), o político (1641-1650), o missionário (1651-1661), o vidente (1662-1668), o revoltado (1669-1680), o vencido (1681- 1697). Por sua vez, Fernandes (2010) aponta as visões contraditórias dos biógrafos e analistas a respeito das obras vieirianas:

O seu primeiro biógrafo, por exemplo, o jesuíta Pe. André de Barros (1745) descreve o Vieira zeloso e santo, jesuíta modelo; em contrário temos o bispo de Viseu Francisco Lobo (1897), que apresenta o nosso autor como homem ambicioso e vaidoso. Os estudiosos se dividem e apontam para a diversidade da atividade apostólica de Vieira. Hernani Cidade (1955), por exemplo, prefere salientar a atividade política e diplomática; Palacín (1998) apresenta as contradições e fragmentações na apresentação da vida de Vieira; Cantel (1959) faz o estudo de estilo do sermonário e a apresentação como teólogo; já Luis Gonzaga Cabral (1901) mostra o incansável pregador. Como vemos, vão surgindo uma variedade de imagens: desde o político maquiavélico (AZEVEDO, 1931) que pretende a todo o custo fortalecer o Estado português, até a imagem do “apóstolo do Brasil” (LEITE, 1950), do Pai Grande dos Índios (BESSELAAR, 1981), do abolicionista (LINS, 1956), do “Judas do Brasil” (LISBOA, 1952), do Vieira judaizante e sebastianista (SARAIVA, 1980). (FERNANDES, 2010, p. 214-215).

Na visão de Mendes, ao redigir e publicar, em treze livros, a partir de 1677, cento e oitenta e seis sermões, o Padre Antonio Vieira “fixou no tempo os seus atos de orador”. No entanto, a autora argumenta que

[...] o seu legado artístico não corresponde plenamente à identidade estética de Vieira: a de orador. Esse permanecerá para sempre irrecuperável, dada a efemeridade do acto de dizer. A voz, a figura, o movimento do corpo, a expressão, o público, a situação histórica, a iluminação, os sentimentos e tudo o mais difere, falta e faltará, sem hipótese de restauro. O conjunto destas parcelas é que conferia o seu modo de ser estético à pregação. Uma boa parte da estesia oratória de Vieira não se deixará assim apreender, mas apenas imaginar. No que ficou dessas pregações - os sermões escritos – podemos, no entanto, captar uma parte do perfil estético de Vieira. É o caso da dimensão retórica desse mesmo perfil. (MENDES, 1989a, p. 24)

Araújo (1998) considera que Vieira tem identidade e formação barrocas e como poucos utilizou o púlpito não apenas para suas ofensivas apostólicas, mas também para ser ouvido. O certo é que a pregação de Vieira não tinha somente valor retórico. O noviciado jesuítico, comparado com os de outras Ordens, assumia a dimensão da disciplina militar, e a rígida hierarquia interna da Ordem - marcada pelos principais documentos produzidos pela Companhia de Jesus: os Exercícios Espirituais, as Constituições e a Ratio Studiorum - e a entrega aos dogmas cristãos tridentinos transformaram os padres inacianos em verdadeiros soldados dos desígnios emanados da Cúria Romana.

As características do pensamento de Vieira também foram estudadas por Saraiva (1992), que lança mão das teorias da análise estrutural e literária para focalizar a retórica vieiriana. Na visão do autor, o discurso lexicológico de Vieira é um discurso engenhoso, devido à sua organização sintático-semântica, e se opõe ao discurso clássico. Por sua vez, Palacín (1998, p. 91) comenta que Saraiva (1996) estudou essas características do pensamento de Vieira, principalmente nos sermões, “como o exemplo mais alto na oratória sacra e no modo de pensar e expressar-se de uma época: o barroco”. Ao comentar a obra de Vieira, Moisés (2009) chama a atenção para dois aspectos que devem ser levados em consideração por aqueles que se dedicam a analisar o espólio do Padre Vieira: o seu valor literário e suas relações com a literatura brasileira. Dessa perspectiva, é importante destacar que:

O primeiro aspecto tem sido amplamente assinalado e discutido que tornou-se lugar comum entre os historiadores e críticos. [...] No tocante às relações do Pe. Vieira com a literatura brasileira, a sua valorização é fruto dos nossos dias: genericamente, dois momentos percorreram a sua fortuna literária entre nós. Sílvio Romero e José Veríssimo não dissimularam a desafeição pelo jesuíta e Ronald de Carvalho, sulcando as mesmas águas, alija-o da literatura brasileira. Após os anos 30, desde Arthur da Mota, o processo de revisão conduziu a situá-lo no ponto mais alto do século XVII luso-brasileiro, em companhia de Gregório de Matos. (MOISÉS, 2009, p. 181)

De acordo com Hansen (1999, p.27), em todos os gêneros Vieira sempre transmite um “conteúdo doutrinário dogmático, letrado, culto e erudito, para ouvintes muitas vezes iletrados e incultos, como colonos, índios, negros mamelucos e mulatos do Brasil, do Maranhão e do Grão Pará”. Com isso, “seu sermão é simultaneamente didático, teológico e político”.

Por sua vez, Mendes (1989a) assinala, nos textos de Vieira, uma oratória sagrada cheia de aspectos profanos. Na visão da autora, as obras de Vieira derivam em grande parte de ele ter vivido “com fervor o seu ideal de pregador, na dimensão do ethos, ou caráter, do pathos, ou paixão, e do logos, ou ação discursiva” (MENDES, 1989a, p. 29-30).

A autora ainda comenta que “a dimensão espacial da memória repercute-se na distribuição geométrica e arquitetônica do discurso vieiriano”, pois o orador “obtém lugares a partir de coisas ou seres” (MENDES, 1989b, p.30). Na visão de Pécora (1994), os sermões vieirianos são um exemplo de unidade teológico-retórico-política, enquanto Massimi (1999, p.47) assinala o fato de os sermões de Vieira terem sido “um dos meios mais importantes e ricos de evangelização e de difusão cultural entre a população brasileira no século XVII”. No sermão Exhortação Doméstica em Vespera da Visitação, o jesuíta acentua o papel que os chamados “soldados de cristo” deveriam desempenhar no âmbito do mundo secular. Vieira também pregava, no 1º Sermão do Espírito Santo e no Sermão da Epiphania, que os “bárbaros”, após a catequese, eram considerados como cristãos e se encontravam sob proteção da Igreja Católica e, portanto, não podiam ser subjugados ao trabalho servil da escravidão (VIEIRA, 1945).

Resta demonstrar, neste breve esboço, que a vida e a obra de Vieira já foram perscrutadas por inúmeros estudiosos, biógrafos e compiladores da produção científica vieiriana, entre os quais nunca é demais ressaltar, no mundo luso, apenas para citar alguns, os trabalhos seminais de João Lúcio de Azevedo, António José Saraiva, Hernani Cidade, Serafim Leite, Margarida Vieira Mendes, José Van Der Besseleaar, Eduardo Franco, José Pedro Paiva, Arnaldo Espírito Santo. Em terras brasileiras, os estudos sobre a obra vieiriana conduzidos por Luiz Felipe Baêta Neves, João Adolfo Hansen, Alcir Pécora, Adma Muhana e Marina Massimi tornaram-se referência e ocupam lugar de destaque. De acordo com Moisés (1999), há uma vasta bibliografia sobre o Padre Vieira, evidenciando que, apesar de tudo, se trata de inesgotável filão. A seguir, apresentam-se os caminhos percorridos para mostrar como a sua presença está refletida na pesquisa acadêmica brasileira consolidada em dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação no País.


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Fonte:

Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi (Doutora em Educação, Professora Associada do Departamento de Ciência da Informação da UFSCar e docente dos Programas de Pós-Graduação em Educação e Pós-Graduação em Educação Especial, ambos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Email: dmch@ufscar.br – São Carlos, SP, Brasil), Amarílio Ferreira Junior (Doutor em História Social, Professor Associado do Departamento de Educação e docente do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Email: ferreira@ufscar.br – São Carlos, SP, Brasil), Marisa Bittar (Doutora em História Social, Professora Titular do Departamento de Educação e docente do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: bittar@ufscar.br – São Carlos, SP, Brasil) e Carlos Roberto Massao Hayashi (Doutor em Educação, Professor Adjunto do Departamento de Ciência da Informação da UFSCar e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Email: massao@ufscar.br – São Carlos, SP, Brasil): “A OBRA DO PADRE ANTONIO VIEIRA NA AGENDA DAS PESQUISAS ACADÊMICAS NO BRASIL”. ETD – Educ. Tem. Dig., Campinas, v.14, n.1, p.96-120, jan./jun. 2012 – ISSN: 1676-2592. Disponível em: www.fe.unicamp.br/revistas/ged/index.php/etd


Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que fazem menção os autores estão devidamente catalogadas na citada obra.

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