16/01/2016

Sermão de São Pedro, de Padre Antônio Vieira

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O Padre Antônio Vieira

Nascido em Lisboa, em 1608, o P. Vieira veio ao Brasil, à Bahia, em 1614. Iniciou seu noviciado no colégio dos jesuítas, em Salvador, aos 15 anos; em 1626 assumiu uma cadeira de retórica em Olinda, e aos 27 anos foi ordenado sacerdote.

Durante 5 anos esteve no sertão adentro ensinando os índios na sua própria língua. Em 1641 partiu para Portugal, tornando-se pessoa de confiança do novo rei, D. João IV. Voltou ao Brasil, em 1652, como missionário; expulso do Maranhão, retornou a Portugal, onde sofreu perseguições políticas, e a condenação religiosa por parte da Inquisição; após sua absolvição, pregou com sucesso em Roma, de 1669 a 1675. Os seus últimos 16 anos viveu no Brasil, onde foi nomeado Visitor da Província do Brasil, dedicando-se ao preparo dos seus sermões para serem publicados; faleceu na Bahia, com 89 anos de idade.

O P. Vieira foi, sem a menor sombra de dúvida, uma das maiores figuras do século XVII, já seja como escritor, orador sacro, missionário ou como estrategista econômico e político. Dotado de uma inteligência privilegiada, foi capaz de compreender os problemas cruciais da sua época. Tratava com desenvoltura, maestria e firmeza as questões religiosas, morais, políticas, sociais e econômicas. Sendo polêmico, de gênero combativo, enfrentava seus adversários com coragem e redobrada energia; homem de ação, estava sempre pronto para atacar ou se defender dos seus opositores. Por se tornar pregador da corte e confidente do rei, atribuindo-lhe certos encargos diplomáticos, despertou a inveja e ambição de políticos e cortesãos.

O manuscrito As esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo, foi a base para Vieira ser condenado pela Inquisição. Ele aceitava o mito do Sebastianismo, baseado nas trovas de Bandarra, um sapateiro de Troncoso; segundo essa crença, D. Sebastião (morto na luta contra os mouros em 1578) ressuscitaria, se bem que Vieira mais tarde transferiu essa volta para D. João IV, e depois para o seu sucessor. Em conseqüência do seu pragmatismo, o jesuíta queria tolerância para os cristãos-novos, a fim de conseguir apoio financeiro para Portugal; a imigração dos judeus traria grandes fortunas ao país, o que realmente aconteceu. O processo do julgamento de Vieira durou vários anos; em 1667 foi condenado pelo Tribunal do Santo Ofício por heresia judaizante. A respeito dos fundamentos e da própria condenação, Ferreira (1971, p. 27) expressa sua desaprovação com as seguintes palavras:

Isto se narra no processo do mais ilustre orador do século XVII, inteligência profunda e glória da Companhia de Jesus! Ficou prisioneiro do Santo Ofício... Assim pagava o réu a generosa e patriótica defesa que votara à nação judaica. A tolerância, filha dileta de Jesus, era então crime expiável nos calabouços.

No Brasil, Vieira dedicou-se totalmente ao trabalho missionário; atuou incansavelmente no Maranhão, chegando até Pará; tinha em mira a conversão do gentio na sua própria língua, tendo, inclusive, redigido os rudimentos do Catecismo em seis dialetos indígenas; granjeou-se a confiança dos nativos, que o chamavam “pai grande”, na língua deles. A preocupação pelo Brasil levou-o a buscar solução para problemas de âmbito geral, como a invasão holandesa; engajou-se com sua palavra na luta pela expulsão dos invasores; mais tarde, porém, pensando no desenvolvimento econômico do país, ele propôs um acordo comercial com os holandeses, em troca de sua permanência em Pernambuco. Outra proposta era a criação de duas companhias de comércio, uma para o Oriente e a outra para o Ocidente. Esta última foi criada e favoreceu muito o comércio.

Um grave problema enfrentado, cuja solução Vieira se empenhou com uma tenacidade ímpar, foi a questão da escravidão dos negros e índios. Com relação aos primeiros, denunciou o aviltamento das péssimas condições humanas, embora ele se rendesse ao princípio da época do cativeiro justo, pois as leis civis e religiosas impediam a liberdade, mas isto era compensado, segundo ele, com a sua conversão. Quanto aos índios, Vieira advogava a favor da sua liberdade, mas temporariamente deviam estar nas colônias dos jesuítas, para depois, como cristãos, serem integrados na sociedade. Isto não agradou aos colonos, pois nas entradas aos sertões os índios foram caçados aos milhares e vendidos como escravos aos colonos. O “pai grande” teve que pagar caro pela defesa aos índios, pois a sede dos jesuítas foi invadida e os missionários expulsos, temporariamente. Vieira levou todos esses fatos ao púlpito.

Como prosador, Vieira é considerado o maior, o mais rico, o mais fluente e o mais expressivo. O vigor do seu pensamento está materializado nos seus pareceres, tratados proféticos, discursos, cartas e, principalmente, nos seus Sermões, estes em torno de 200. Na falta de outros meios de divulgação, o púlpito foi a tribuna privilegiada do destemido orador, que ele usava com liberdade; funcionava como uma fortaleza da qual Vieira, com suas alegorias, lançava seus dardos de fogo contra seus adversários, motivo pelo qual, os Sermões são um retrato da época, que para esse lúcido pregador estavam dominados pela ambição econômica, pela insensibilidade ante o sofrimento do escravo, pelo espírito de intriga, pelo abuso do poder, pelo jogo de interesses e pelo relaxamento dos costumes (AMORA, in: VIEIRA, 1975, p. 11).

Mesmo que se considere a prosa de Vieira ainda não superada, devesse levar em conta que ele não era um intelectual livre; estava preso ao absolutismo real e eclesiástico e pelo rigorismo da sua Ordem; seus escritos (como de resto sua vida e obra) mostram um vassalo fiel, um católico convicto e um jesuíta dedicado. Seguindo os meandros da dialética, esmerava-se em harmonizar os textos bíblicos com suas teses, sempre empenhado numa ardente luta em defesa do reino, da Igreja e da sua Ordem.

Vieira possuía a singular capacidade de converter suas idéias em fortes argumentos teológicos por meio de um rebuscado processo de harmonização de analogias entre textos da Bíblia e o fato histórico do seu tempo em apreço; usava essas explicações tanto para pregar a respeito do maravilhoso e sobrenatural, como para corrigir os costumes da época. Nas suas pregações valia-se da aplicação literal das Escrituras, mas principalmente, das interpretações figurativas. Notamos casos nos quais Vieira força a interpretação de textos, na sua incansável procura por autoridade para sua argumentação. Outras vezes, o raciocínio torna-se tão sutil que compromete a sua compreensão; também aparecem casos insólitos, difíceis de aceitar. Em face desse método de interpretação de Vieira, Gomes (In: VIEIRA, 1975, p.8) assim se expressa: “... apesar dos excessos a que foi consecutivamente impelido pela imaginação poética, o pregador nunca sacrificava a base fundamental de seus raciocínios, cuja lógica subsiste a todas as audácias.”.

Quanto à linguagem, Ferreira (1971, p. 529-530) caracteriza a oratória da prosa de Vieira, afirmando que sua linguagem é aprazível, viril; o estilo flui enérgico, de ritmos fortes, expressões vigorosas; seus lábios não se emocionavam, mas discutiam, expunham raciocínios, demonstravam; as criações era vivas e envolviam os sentidos; o vocabulário era abundante e próprio, usado de forma precisa, numa sucessão rítmica de idéias.

Mendes (In: VIEIRA, 1978, p. 21-22) aponta certas características da linguagem de Inácio de Loyola, presentes nos seus Exercícios espirituais, que foram incorporadas e assimiladas no sermonário de Vieira. Para Mendes, é uma linguagem freqüentemente interrogativa, como no discurso da oratória, já seja para manter o contato com o auditório, para fazer progredir o discurso ou para questionar; o próprio Deus é muitas vezes questionado ou algum interlocutor fisicamente ausente. Outra característica, reflexo dos Exercícios, a serviço do parenética (discurso moral, exortação) consiste na divisão em partes com excessivas delimitações da matéria, seguindo o exemplo escolástico; esse impulso incontido da divisão de todas as partes tinha em vista a ocupação de todo o espaço mental, transformando o discurso numa árvore com ramificações binárias, como um organograma, segundo Barthes, citado aqui pelo autor. Os Exercícios também sugerem o uso de imagens sensoriais, que dariam suporte concreto às meditações sobre cenas bíblicas ou da tradição religiosa; a origem dessas imagens, portanto, não se reveste de um caráter espontâneo, resultado da imaginação, mas em Vieira funcionam como alegorias. Das imagens sensoriais, a da visão recebe maior destaque.

O processo imagístico define o estilo retórico de Vieira; suas metáforas desdobram-se em diversas alegorias; o orador ornava seus discursos com recursos da língua como hipérboles, homonímias, trocadilhos, perífrases, causando impacto no auditório, tudo cuidadosamente calculado para conseguir o efeito da persuasão.

Vieira foi considerado conceptista. No prefácio do primeiro volume dos Sermões, ele aconselhava que não o lessem os que gostavam da afetação, da pompa das palavras e do estilo chamado culto. Lançava duras críticas contra o cultismo, como fizera no Sermão da Sexagésima, conforme será mostrado mais adiante. Mas, apesar da violenta condenação, o próprio Vieira não estava imune aos vícios desse estilo, conforme é possível verificar nos artifícios formais por vezes utilizados, prejudicando a clareza do seu estilo.

Os Sermões converteram-se em modelos a serem seguidos do “método português” de pregar, oposto a outros, como o “método francês” representado por Bossuet; esses sermões foram exaustivamente estudados nos colégios e publicados em numerosas edições.


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Fonte:
ROBERTO TEODORO JUNG: “RETÓRICA E PREGAÇÃO RELIGIOSA NO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA DO PADRE ANTONIO VIEIRA”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Mestrado, Área de Concentração em Leitura e Cognição, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Jorge Molina). Santa Cruz do Sul, 2008.



Nota:
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As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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