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Barroco e pós-colonialismo
O adjetivo “pós-colonial” ou o
substantivo “pós-colonialismo” vem sendo usado pelos estudiosos com três
ênfases diferentes: como
sinônimo de um novo campo de estudo, uma nova teoria social e a nova situação
global após a experiência da colonização. A teoria pós-colonialista procura
analisar os efeitos políticos, sociais, culturais e filosóficos do
colonialismo, principalmente nos países colonizados. Há umaênfase
nos temas de identidade e da representação e sobre as manifestações artísticas
e culturais desses países.
O objetivo é analisar as complexas relações de poder
surgidas entre as diferentes nações – coloniais ou metropolitanas- que
participaram da “aventura colonial européia”. Do ponto de vista político e
cultural, o termo pós-colonialismo tanto se refere ao estudo dos efeitos do
colonialismo europeu como
às respostas de resistência dos povos colonizados. Há a preocupação, por parte
dos estudiosos dos países do chamado terceiro mundo, em analisar o legado
político, econômico, social, cultural e filosófico do colonialismo pela
importância da herança deixada após séculos de colonização.
Historicamente é possível situar a origem do movimento no
fim do império colonial, compreendido como ocupação de territórios, no período
entre o final da Segunda Grande Guerra os anos 60 do século XX. Ocorre que para
os autores pós-colonialistas, o fim da colonização oficial não terminou com os
seus efeitos sociais, que seriam responsáveis por parte da atual situação de inferioridade
e dominação existente no mundo.
Os estudos pós-coloniais buscam entender como foram elaboradas as narrativas que
possibilitaram o conhecimento e o controle do Outro (negro, índio, nativo
etc.). A obra Orientalismo, de Edward Said, é paradigmática disso. Nesse
livro, o autor, seguindo um enfoque foucaultiano, defende que o Oriente é, na
verdade uma invenção do Ocidente, ou seja, que as descrições feitas pelos
colonizadores e exploradores, desde Marco pólo, não devem ser tomadas como
descrições “objetivas” da realidade, mas como um processo discursivo que,
simultaneamente, constrói a realidade ao narrá-la. Como ele mesmo afirma:
Comecei com a suposição de que o
Oriente não é um fato inerte da natureza. Não está meramente lá, assim com o
próprio Ocidente não está apenas lá (... ) os lugares, regiões e setores
geográficos tais como
o “Oriente” e o “Ocidente” são feitos pelo homem. Portanto, assim como o
próprio Ocidente, o Oriente é uma idéia que tem uma história e uma tradição de
pensamento, imagística e vocabulário que lhe deram realidade e presença no e
para o Ocidente. As duas entidades geográficas, desse modo apóiam-se e, em
certa medida, refletem uma à outra. (SAID, 1990, p. 16-17).
Uma das características desse novo campo de pesquisa é a
interdisciplinaridade de seus estudos, que abrangem Filosofia, História,
Estudos Literários, Psicanálise, Sociologia, Antropologia e pelas Ciências
Políticas. A teoria pós-colonial procura ainda repensar a própria
ciência, em especial as humanas, que teriam sido estruturadas a partir de
padrões ocidentais, universalizados de forma hegemônica pelos países
colonizadores. Busca-se assim, construir uma resposta política e epistemológica
da periferia ao centro do sistema, capaz de incorporar a questão da alteridade,
vista como
chave hermenêutica da história do Ocidente. Por exemplo, ao questionar a
humanidade dos ameríndios, o homem europeu seiscentista questionava sua própria
essência. O mesmo fazendo com relação à projeção do imaginário (paradisíaco ou
demoníaco) na nova terra.
A categoria de representação torna-se fundamental. Assim, os
discursos artísticos, filosóficos ou científicos, são tomados como formas de
inscrição através das quais o Outro é representando: “mais do que um
interesse simplesmente científico ou epistemológico, o que move essa narrativa
é a curiosidade e a fascinação pelo Outro, visto como estranho e exótico, e o
impulso para fixá-lo e dominá-lo como objeto de saber e de poder. O Outro é,
pois, menos um dado objetivo e mais uma criação imaginaria do poder”. (SILVA,
2002, p. 127).
A
identidade do Outro é construída pela projeção de uma série de categorias
redutoras (bárbaro, selvagem, primitivo, atrasado) e esteriotipadas (canibal,
maometano, pagão), que supõe a superioridade histórica e cultural do Eu europeu
sobre o Outro colonizado, chegando-se mesmo a afirmar que, graças à adoção
dessas categorias esquemáticas (e eficientes) de classificação, que nenhum
nativo poderia se conhecer a si mesmo tão bem quanto um europeu o conhece
(SAID, 1990).
Na verdade, a adoção do Paradigma de Sepúlveda não
morreu com o século XVI e permaneceu no interior das grandes teorias
explicativas produzidas na Europa. Said chega a afirmar que “qualquer visão
abrangente é fundamentalmente conservadora, e temos observado, na história das
idéias sobre o Oriente Próximo no Ocidente, como essas idéias têm-se mantido a despeito
de qualquer evidência que as conteste [na verdade, podemos argumentar que essas
idéias produzem evidências que provam sua validade]”. (SAID: 1990, 320).
Um exemplo disso é a questão das relações entre o Islã e o
Ocidente. O termo maometano atribuído aos seus adeptos mostra como esse processo foi distorcido. Mas o
orientalismo não é um fenômeno superado. Basta compararmos as representações do
Oriente presentes nos discursos de Ernest Renan e Richard Rorty. Said cita
longamente Renan:
Vemos que em todas as coisas a raça
semítica parece-nos ser uma raça incompleta, por virtude da sua simplicidade.
Essa raça- atrevo-me a usar a analogia - está para a família
indo-européia como um esboço a lápis está para uma pintura; ela carece de
variedade, da amplitude e da abundância da vida que é a condição da
perfectibilidade como aqueles indivíduos que têm tão pouca fecundidade que,
após uma infância grandiosa, atingem apenas a mais medíocre virilidade, as
nações semíticas passam pelo seu mais pleno florescimento na sua primeira
idade, e nunca foram capazes de alcançar a verdadeira maturidade. (RENAN apud SAID, 1990, p. 157).
Aos que pensam que o abandono da “tradição metafísica” é o
fim das desigualdades, eliminando a presença de uma inferioridade intrínseca ao
oriente, basta ler a resposta de Rorty quando interrogado sobre como resolver
os conflitos com o Islã. Sua resposta é tão prática quando perigosa:
educando-os para que se tornem “iguais a nós”,
A Europa não é só dominação, não
apenas hegemonia, não apenas capitalismo internacional. Há também uma mission
civilizatrice européia. Este termo tem sido desacreditado pelo comportamento
dos poderes coloniais, mas poderia ter a capacidade de reabilitação. Afinal, a
Europa foi a inventora da democracia e da responsabilidade cívica. Podemos
ainda dizer ao resto do mundo: mandem seu pessoal para nossas universidades,
aprendam sobre nossas tradições e por fim verão a vantagem de um modo
democrático de vida. Pode ser apenas um acidente o fato do reino cristão ser o
local onde a democracia foi reinventada para o uso de uma sociedade de massa,
ou pode ser que isso não tivesse de ter acontecido em uma sociedade cristã. Mas
é fútil especular sobre isso. De qualquer forma que isso poderia ser, parece-
me que a idéia de um diálogo com o Islã é sem sentido (...). (RORTY, 2006,
p.98).
Um outro elemento importante na teoria pós - colonial é a
busca de superação de uma compreensão unilateral ou dogmática da dominação ou
das relações de poder. Por sua origem nos Estudos Culturais, os teóricos dessa
escola irão se concentrar na análise da cultura, que seguindo a tradição de
Raymond Williams (Culture and society, 1958) e E.P. Thompson (The makink of the
English working, 1963) é vista de forma global de vida, experiência comum vivenciada
por um determinado grupo social. Assim a cultura é vista como um campo “relativamente autônomo” da
vida social, com sua dinâmica e desenvolvimentos próprios. Como afirma Silva (2002, p. 129):
A teoria pós-colonial evita formas de
análise que concebam o processo de dominação cultural como uma via de mão única. A crítica pós-colonial
enfatiza, ao invés disso, conceitos como hibridismo, tradução, mestiçagem, que
permitem conceber as culturas dos espaços coloniais ou pós-coloniais como o
resultado de uma complexa relação de poder em que tanto a cultura dominante
quanto a dominada se vêem profundamente modificadas (...) Obviamente, o
resultado final é favorável ao poder, mas nunca tão completamente, nunca tão
definitivamente quanto o desejado. O hibridismo carrega as marcas do poder, mas
também as marcas da resistência.
Um
exemplo disso é a discussão sobre o caráter “barroco” das sociedades
pós-coloniais. O barroco é na verdade um conceito em disputa. Para
muitos, todo debate sobre a modernidade e a pós-modernidade na América Latina
que não discuta o barroco é parcial e incompleto (CHIAMPI, 1998). Para além do
campo da literatura e da arte, o barroco é visto como um conceito capaz de explicar a dinâmica
histórica da cultura e do imaginário da América no seu contraditório ingresso
na modernidade. Entre os autores que defenderam a “americanização” do barroco
destacam-se José Lezama Lima e Alejo Carpentier. Segundo esses autores, o
barroco é a mais autêntica expressão cultural americana . Esse barroco, porém, é algo
distinto do seu homônimo europeu, relacionado à dominação branca ou ao dogmatismo
jesuíta tridentino. O barroco seria, na verdade, “a arte da contraconquista”,
capaz de promover a ruptura e a resignificação dos elementos exóticos. Como lembra Chiampi (1998: p, 8): “é clara aqui a intenção
de atribuir um sentido político, de rebelião implícita, tanto as combinatórias
tensas de motivos religiosos, dos artistas populares como
o índio Kondori ou o mulato Aleijadinho, como
para o afã de conhecimento universal de intelectuais como Sóror Inês de la Cruz ou Don Carlos de
Sinqüenza y Cóngora”.
O
barroco converte-se na categoria americana
para pensar a formação dos países pós-colonialiais no Continente, de processo
de modernização, “às margens” do modelo de desenvolvimento do logos hegeliano
(Chiampi). Mais ainda: o conceito permitiria pensar não apenas a história
cultural americana , mas fenômenos presentes em
diversos países, pois como
afirma Carpentier: “toda simbiose, toda mestiçagem engendra um barroquismo”. O
barroco assim é purificado das interpretações negativas que o associavam a uma
estética do excesso, do mau gosto, do artifício e da complicação verbal inútil
(estética) ou um movimento pré-iluminista e medieval, simples instrumento da
dominação colonialista (ideologia).
Boaventura dos Santos (1950) é um dos autores que buscam
realizar essa nova interpretação do barroco. Na verdade ele prefere usar o
termo “códigos barrocos”, para explicar a situação de colapso entre as “raízes”
(tradições) e as “opções” (transformações), característica das
sociedades atuais, pós-coloniais. Segundo Santos, “estes códigos barrocos
pós-dualistas são formações discursivas e performáticas que funcionam através
da intensificação e da mestiçagem” (2005; 2006). Essa mestiçagem, como ele mesmo afirma
“[...] é, em si mesma, politicamente ambivalente. Muitas vezes ao serviço de
regulação e até opressão, pode, no entanto, ser igualmente mobilizada para
projetos emancipatórios” (SANTOS, 2005, p. 69).
A
análise do sociólogo português privilegia esse segundo uso da mestiçagem. Na
obra de Boaventura estética e política unem-se na construção de uma nova
epistemologia e de uma nova ética. Dois autores se destacam nessa leitura: o
cubano José Martí (1853-1895) e o brasileiro Oswald de Andrade (1890-1650).
Ambos têm em comum a mestiçagem como
possibilidade e transformação da herança colonial: “é a América mestiça fundada
no cruzamento, tantas vezes violento, de muito sangue europeu, índio e
africano. É a América capaz de sondar profundamente as suas próprias raízes e
de, nessa base, edificar um conhecimento de uma nova forma de governo que não
seja, importados, mas antes adequados à sua realidade” (20005, p. 2000). As
bases desse novo pensamento já estariam dadas, esteticamente, no manifesto
antropofágico de Oswald de Andrade:
Queremos a Revolução Caraíba. Maior
que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção
do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos
do homem (...) mas não foram cruzados que vieram, foram fugitivos de uma
civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o jabuti
[...] Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos política que
é a ciência da distribuição. E um sistema social- planetário [...] Antes dos
portugueses descobrirem o Brasil,o Brasil tinha descoberto a felicidade. (ANDRADE, 1990).
É esse “instinto caraíba” de resignificação constante das
imagens, da carnavalização dos sentidos e de mestiçagem das culturas, a
contribuição da América para o nosso tempo. Santos explica que isso aconteceu devido às
peculiaridades históricas do nascimento do barroco no continente:
Como estilo literário ou como época
histórica, o barroco é forma excêntrica de modernidade ocidental, com forte
presença nos paises ibéricos e nas suas colônias da América latina . A sua excentricidade deriva, em
grande medida, do facto de ter ocorrido em paises e em movimentos históricos
onde o centro de poder era fraco, procurando esconder a sua fraqueza através da
dramatização da sociabilidade conformista. A relativa
falta de poder central confere ao barroco um caráter aberto e inacabado que
permiti a autonomia e a criatividade das margens nas periferias. (SANTOS, 2005, p. 205).
Assim, o barroco simultaneamente acabou servindo como raiz e possibilidade
para as sociedades latino americanas pós – coloniais:
(...) Do século XVII em diante, as
colônias ficaram mais ou menos entregues a si próprias, marginalização que
possibilitou uma criatividade especificamente cultural e social, às vezes
altamente codificada, outras vezes caótica, umas vezes erudita, outras popular,
umas vezes oficial, outra legal. Tal mestiçagem está tão profundamente
enraizada nas práticas sociais destes países que acabou por ser considerada como fundamento desde o
século XVII até os nossos dias. Esta forma de barroco, enquanto manifestação de
um exemplo extremo de fraqueza do centro, constitui um campo privilegiado para
o desenvolvimento de uma imaginação centrífuga, subversiva e blasfema. (SANTOS, 2005, p. 205).
Santos demonstra como essa relação entre estética e política
já se manifestava em alguns extremos do barroco clássico como a técnica de
pintura terribiltà utilizada por Miguelangelo ou na escultura de Bernini
(1598-1680) “O Êxtase de Santa Tereza” em que a expressão mística da santa é
tão dramatizada que acaba se assemelhando ao de uma mulher gozando (SANTOS,
2005, p. 207). Assim sagrado e profano se unificam de forma intensa e
inesperada. Tanto a terribilitá, quanto outra técnica de pintura, o sfumato,
são exemplos da capacidade barroca de mistura elementos diferentes em novas identidades:
o sfumato permite à subjetividade barroca criar o próximo e o familiar
entre inteligibilidades diferentes, tornando assim os diálogos interculturais
possíveis e desejáveis. Por exemplo, só por recurso ao stufato é
possível dar forma a configurações que combinam os direitos humanos ocidentais
com outras concepções de dignidade humana existentes noutras culturas. (SANTOS,
2005, p. 208).
Isso porque além da mestiçagem da “carne e do espírito” no
dizer de Darcy Ribeiro,o barroco oferece as possibilidades para o diálogo e a
tolerância intercultural, como
uma melhor compreensão sobre a temporalidade. Os “códigos barrocos” ajudam as
entender a diversidade de percepção do tempo no mundo, Santos utiliza-se da metáfora dos andamentos
musicais: “(...) os andamentos musicais largo, lento, adágio, andante e
moderato tendem a ser predominantes nos códigos barrocos de subexposição e nos
respectivos processos de dispersão canonização. Nos códigos barrocos de
subexposição e nos respectivos processos de dispersão criativa e de difusão em
rede predominam os andamentos allegro, presto e prestíssimo.” (SANTOS , 2005, p.81).
Assim são aceitos
diferentes tipos de ritmos de mudança histórica, sem que isso implique em uma
hierarquização dessas sociedades. O barroco é mestiço, incompleto e
inconformado. E o que, antes foi visto como
fraqueza consiste na sua maior vantagem: “o inconformismo é a utopia da
vontade”. Como
diz Benjamim, “só possui o dom de fazer faiscar no passado a chispa da
esperança aquele historiador que está convencido de que mesmo os mortos não
estão a salvo do inimigo, se este vencer” (SANTOS, 2005, p. 83).
As interpretações sobre o sistema colonial podem ser
classificadas em duas grandes escolas: as que privilegiam seus fundamentos
econômicos e as que enfatizam os aspectos políticos. Entre os primeiros
encontram-se os autores marxistas que procuram discutir a relação entre a
formação do sistema colonial brasileiro e a constituição do moderno sistema
mundo; para outros o sistema colonial estaria ligado ao desenvolvimento do
comércio europeu no século XV (mercantilismo e capitalismo comercial). Outros
preferem analisar tanto o mercantilismo quanto o sistema colonial como resultado dos
desígnios e necessidades das potências absolutistas desse período (WEHLING,
1999).
Segundo a lógica desse sistema, a colônia deveria ser
um local de consumo para os produtos metropolitanos, de fornecimento de artigos
para a metrópole e de ocupação para os trabalhadores da metrópole. Em outras
palavras, dentro da lógica do “Sistema Colonial Mercantilista” tradicional, a
colônia existia para desenvolver a metrópole, principalmente através do acúmulo
de riquezas, seja através do extrativismo ou de práticas agrícolas mais ou
menos sofisticadas. Nisso consistia o “pacto colonial”. Tradicionalmente,
classificam-se as colônias em dois tipos: de “fixação”, como as norte-americanas e de “exploração”.
Uma Colônia de Exploração, como foi o caso do
Brasil para Portugal ,
tem basicamente três características, conhecidas pelo termo técnico de plantation.
O plantation tinha como
características o latifúndio, a monocultura e a exploração do trabalho escravo.
A simultaneidade desse processo de
expansão - consolidação do sistema mundial provocou uma imbricação entre as
dimensões do saber e do poder. Como lembra
Boaventura dos Santos
“o ato de descoberta é necessariamente recíproco: quem descobre é também
descoberto” (2005). No entanto isso não implica em nenhuma transparência ou
objetividade desse conhecimento, desde sempre marcado pela dominação e
preconceito “porque sendo a descoberta uma relação de poder e de saber que
transforma a reciprocidade da descoberta e na apropriação do descoberto”
(SANTOS, 2006 p. 181). O Outro foi percebido a partir de três categorias: o
Oriente, o selvagem e a natureza. Cada uma delas, a seu modo, ajudou a
configurar o específico das descobertas coloniais: a idéia da inferioridade do
“descoberto” perante seu “descobridor”. Isto implicou na produção das
desigualdades presentes ainda hoje na relação entre as pessoas e os países.
As culturas nativas foram eliminadas
pelas nações européias. Ao genocídio de suas populações serviu de base um
epistemocídio de seus saberes (GERMANO, 2007). De modo que a descoberta se
serviu dessas desigualdades para legitimar sua dominação sobre o “novo mundo”.
Como afirma Santos: “o que foi descoberto estava longe, abaixo e nas margens do
sistema, e essa ‘localização’ é a chave para justificar as relações entre o
descobridor e o descoberto após a descoberta; ou seja, o descoberto não tem
saberes, ou se os tem, estes apenas tem valor enquanto recurso” (SANTOS, 2006,
p. 182).
A construção de uma alteridade desigual para os não-europeus
só é plenamente compreendida quando situada no contexto de criação do próprio
capitalismo. A fim de garantir a funcionalidade da nova divisão internacional
do trabalho, era preciso recuperar “antigas abominações” como o expediente da
escravidão, tão combatido pelo cristianismo primitivo. Mais que isso havia a
necessidade de transformar homens em coisas, questionando a humanidade dos
colonizados, fossem esses índios, africanos ou indianos.
As múltiplas estratégias de
dominação das culturas não européias se sustentavam numa visão linear e
progressista da história, que seria plenamente desenvolvida pela ciência
moderna séculos depois, que se recusava a aceitar a legitimidade dos saberes ou
das práticas oriundas das colônias. Isso significou a destruição de sistemas
inteiros de tradições seculares de conhecimento como os Astecas e Incas. A interdependência
entre economia e ciência, entre saber e dominar, base para construção do
“sistema mundo” moderno é resumido por Imannuel Wallerstein,
O princípio fundamental da economia
– mundo capitalista é a acumulação incessante de capital. Essa é a razão de ser
e todas as suas instituições se guiam pela necessidade de realizar esse
objetivo, recompensar quem consegue e punir quem não consegue. É claro que o sistema se compõe de instituições que promovem
esse fim, mais especificamente uma divisão axial de trabalho entre processos de
produção centrais e periféricos, regulamentada por uma rede de Estados
soberanos que funciona dentro de um sistema interestados. Mas ele também
precisa de uma estrutura cultural – intelectual para funcionar direito. Essa
estrutura tem três elementos principais: uma combinação paradoxal de normas
universais e práticas racistas-sexistas; uma geocultura dominada pelo liberalismo
centrista; e as estruturas de saber, raramente notadas mas fundamentais,
baseadas em uma divisão epistemologia entre as chamadas duas culturas. (WALLERSTEIN,
2007, p. 88-89).
Da
mesma forma que o sistema de plantation, baseado na agricultura extensiva e na
monocultura da cana-de-açúcar, serviu para destruir a diversidade dos
eco-sistemas das colônias; a imposição cultural européia, fundamentada na
crença do cristianismo como única religião verdadeira e na conseqüente
inferioridade do nativo, igualmente destruiu as diversas “ecologias de saberes”
presente nesses lugares (SANTOS: 2005).
E será nessa área que a educação
interfere, visto ser através dela que acontece a formação ou “de”- formação”
dos sujeitos humanos.
O
período em que Vieira viveu e escreveu é o momento em que esse paradigma,
herdeiro das idéias de Sepúlveda (1490-1573) se consolidou. Vieira não escapou
à ação desse “imaginário social instituinte” nos termos de Castoriadis (1982),
presentes na ação missionária jesuíta desse período; da mesma forma que Karl
Marx também foi influenciado pela noção de progresso, com seus “estágios
civilizatórios” inevitáveis.
Fonte:
Rodson Ricardo Souza do Nascimento: “O púlpitocomo cátedra: retórica e educação nos sermões do Pe. Antônio Vieira: 1608-1697” . (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de Doutor em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. José Willington Germano). Natal, 2007.
Rodson Ricardo Souza do Nascimento: “O púlpito
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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