16/01/2016

Sermão da Primeira Oitava de Páscoa, de Padre Antônio Vieira

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O contexto:  O barroco

A obra de Vieira está associada ao sistema colonial e ao barroco. Essas duas categorias são importantes para a compreensão dos seus sermões, seus pressupostos educativos e a proposta da construção do seu “Quinto Império”. Etimologicamente, a palavra “barroco” designava, no século XVII, duas coisas: uma pérola de pequeno valor e “forma irregular” ou uma espécie de silogismo escolástico (MOISÉS, 1993, p. 66). Como termo técnico, “barroco” era toda forma de arte que fugisse aos padrões estabelecidos pela escola classicista da Renascença (SUZY MELLO, 1983). A palavra foi rapidamente introduzida nas línguas francesa e italiana. Como período histórico, o Barroco vai de 1580 a 1756 e compreende a pintura, a arquitetura, a escultura e a literatura.

Durante muito tempo o barroco foi visto como “mau gosto”, “bárbaro” ou “extravagante” em oposição à sobriedade e à civilidade da Renascença. A redescoberta do barroco está associada às obras do crítico de arte Heinrich Wölfflin. Foi ele o primeiro a defender a idéia do barroco como uma categoria estética capaz de avaliar a história da pintura no Ocidente. Para Wölfflin todos os estilos artísticos, no que pese suas divergências secundárias, constituíam-se na verdade numa polaridade e alternância entre duas grandes estruturas: a clássica e o barroco.

Wölfflin desenvolve um sistema de análise pictórica de oposições estruturais entre o estilo barroco e a renascença, em que para cada uma das características do segundo haveria uma qualidade do primeiro (linear e pictórico; plano e recessão, forma fechada e aberta; clareza e escuridão, multiplicidade e unicidade).

Segundo Wölfflin, haveria uma oposição clara entre esses dois estilos. Se no classicismo predomina a razão, a busca por uma “beleza serena”, que provoca no espectador uma sensação de “bem-estar geral”, no barroco, ao contrário há o predomínio da “emoção” e das imagens num redemoinho “súbito e avassalador”.

Essa intensidade dramática do Barroco é bem exemplificada nos quadros do pintor flamengo Rubens (1577-1640) e do holandês Rembrandt (1606-1669), que tematizou o mundo burguês e as cenas da vida comum, como “A Ronda Noturna”, ou na exploração do jogo de luz e sombra, na obra do pintor italiano Caravaggio (1573-1610) ou do espanhol Velázquez (1599-1660), com “As meninas” ou do escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho (1730-1814).

Uma outra perspectiva do estudo do barroco foi iniciada pelo também alemão Werner Weisbach. No seu livro O barroco como Arte da Contra – Reforma (Der Barock als Gegenrformation, de 1921) ele expõe a tese de uma relação intrínseca entre o estilo artístico e o movimento da Contra - Reforma. O barroco seria herdeiro da Inquisição e das idéias de Trento. Isso daria ao movimento um caráter eminentimente conservador e anti-moderno. A arte barroca teria sido o melhor instumento do Vaticano para combater a dissidência luterana e garantir a austeridade dos costumes e a hegemonia política.

É visível a “afinidade eletiva” entre o barroco e o catolicismo tridentino. Arquitetura, escultura, pintura, todas as belas artes, serviram de expressão ao Barroco nos territórios católicos: na Espanha, Itália, Portugal e na América Latina. A arte barroca procurava comover intensamente o espectador. Nesse sentido, a Igreja converteu-se numa espécie de espaço cênico, num teatro sacrum onde eram encenados os dramas divinos e cotidianos.

Contrariamente à arte do Renascimento, que buscava o predomínio da razão sobre os sentimentos, no Barroco há uma exaltação dos sentimentos, a religiosidade é expressa de forma dramática, intensa, procurando envolver emocionalmente as pessoas. A literatura é exemplo disso como comprovam a sermonística e a encenação dos “autos sacramentais”, peças teatrais de argumento teológico, surgidas na Espanha, bastante apreciados pelo grande público.

Do ponto de vista formal, o barroco apresenta-se como uma reação contra a fixidez e a rigidez clássicas, determinando, nas artes plásticas, o advento de formas sensuais, generosas, dinâmicas, nas quais o movimento da linha “serpenteante” tem uma importância decisiva, bem como os efeitos de luz na criação de poderosos contrastes, distorções espaciais ou ilusões ópticas (trompe l'oeil). Essa exuberância visual era produzida pelo requinte das formas e figuras, pela dessimetria, na busca constante de exaltar os sentidos. Assim, tanto a pintura, quanto a arquitetura, privilegia os aspectos cenográficos e decorativos – os altares, as fachadas das igrejas - em detrimento de preocupações estruturais ou formais.

É preciso lembrar o papel e o valor das pregações públicas em uma sociedade ainda fortemente oral, e dominada pelo catolicismo da Contra Reforma. Em comparação aos livros, que tinham pouca circulação e os sermões atingiam diretamente o povo nos mais variados lugares. Na verdade, trata-se de exaltar a fé, através do concurso das formas, convertendo os templos em locais atraentes para os fiéis. Na literatura, o barroco apresenta também uma valorização do culto da forma, elevando a expressão artística à exploração das potencialidades lúdicas da linguagem e à sua capacidade de surpreender e cativar o leitor através de efeitos inesperados, contrastes, raciocínios lógicos paradoxais, das quais o Pe. Antonio Vieira será modelo.

A sermonística de Vieira é marcada pela cadência das frases e pela veemência dos silogismos. Predomina a variedade das figuras de linguagem, como comparações, antíteses, hipérboles e metáforas e os recursos clássicos da dialética.As primeiras tinham a intenção de envolver o ouvinte, “seduzi-lo” para eletrizando-o com as palavras, conscientizá-lo. Por outro lado, o uso das repetições, com finalidades enfáticas, como “perguntas-respostas”, era utilizada, com reconhecida eficácia, para provocar a reação do auditório.

Essa presença constante da dualidade e mesmo da mistura de elementos aparentemente opostos vão se destacar no barroco. Assim, junto com a temática religiosa, predominavam os temas mitológicos na pintura; a dualidade entre presente e futuro, céu e inferno, num eterno jogo de poderes entre divino e humano, no qual não há mais certezas. A dúvida é que rege a arte deste período. E nas emoções o artista vê uma ponte entre os dois mundos e tenta desvendá-las em suas representações. O Barroco Brasileiro teve início em 1601, tendo como o poema épico Prosopopéia, de Bento Teixeira (1560-1618), terminando com As obras de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) em 1768.

A cosmovisão barroca assenta-se numa epistemologia das coisas e das palavras, que encontra no conceito de analogia a sua chave explicativa. O conceito de alegoria (do grego allhgoria-alla-egorein – “dizer outra coisa”) remonta a antiga Escola de Alexandria. Na verdade, a primeira aplicação importante do método alegórico foi o comentário ao Gênesis feito por Fílon de Alexandria (25 a.C. - c. 50), em que esse procurava encontrar, por trás das palavras do texto, das coisas, dos fatos ou das pessoas, verdades permanentes e profundas. A predominância do alegórico sobre o literal, do símbolo sobre as coisas, foi desenvolvida pela teoria hermenêutica de Orígenes (corpo, alma e espírito), Agostinho e Aquino (“O quádruplo sentido da Escritura”) e como forma de interpretar a arte e o mundo por Dante (ABBAGNANNO, 2000). Assim a alegoria tornou-se o paradigma gnosiológico dos séculos XVI e XVII.

A alegoria é, em síntese, aquilo que representa algo para dar a idéia de uma outra coisa. Reino da metáfora e do simbolismo, sua utilização leva a um refinamento extremo do como transmitir uma determinada mensagem. Por isso seu habitat é muito mais a arte que a ciência. A arte religiosa cristã, por isso mesmo, se tornou um dos campos em que a alegoria mais foi usada, especialmente em duas épocas bem distintas: nos anos de perseguição romana ao cristianismo primitivo, em que peixes, touros, leões e pombos pintados nas paredes das escuras catacumbas fizeram surgir o sentimento de identidade dos primeiros fiéis; e nos séculos XVI e XVII, nos quais a Igreja Católica investiu forças no sentido de fazer da arte sacra uma ferramenta para a catequese e a persuasão dos fiéis através da sensibilidade. O “Sermão de Santo Antonio aos peixes”, pregado na cidade de São Luiz do Maranhão, em 1654 é um exemplo disso.

A missa católica está em frontal oposição às idéias reformadoras, em especial às calvinistas, que defendiam uma maior simplicidade e racionalização do culto. Assim o Concílio de Trento, optou por utilizar a alegoria na arte religiosa, recomendando que essas obras atingissem os fiéis através da sensibilidade, e não pela razão, a fim de estimular a piedade pela persuasão dos sentidos. Tratava-se de conquistar a consciência do observador, mas não de forma racional como queriam os protestantes. Antes deveriam “mostrar escondendo” garantindo uma reverência ao sagrado, uma “vertigem” frente ao mistério e à santidade.

Ainda abalada pela Reforma, a Santa Sé necessitava de um tipo de representação que fosse além do ideal renascentista de perfeição. Para que os fiéis não debandassem para a “pureza” protestante, que tentava resgatar valores que haviam sido sufocados pela hierarquia eclesiástica. Tornava-se urgente o resgate do subjetivismo e expressionismo nas obras de cunho religioso e em especial na importância da educação.

No entanto, essa ligação intrínseca entre o discurso católico e a estética barroca é apenas um dos aspectos, dentre inúmeros outros que caracterizam o estilo Barroco. Basta lembrar a existência inclusive de um “barroco” protestante, com fortes expressões na música e na oratória sacra. Além disso, o conceito de barroco tem mesmo sido recuperado por estudiosos na interpretação de sociedades e culturas pós-coloniais.


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Fonte:
Rodson Ricardo Souza do Nascimento: “O púlpito como cátedra: retórica e educação nos sermões do Pe. Antônio Vieira: 1608-1697”. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de Doutor em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. José Willington Germano). Natal, 2007.

Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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