Para baixar o livro, clique na imagem e selecione-o em:
↓
---
Disponível também em "GoogleDrive", no link abaixo:
↓
---
O contexto:
O barroco
A obra de Vieira está associada ao
sistema colonial e ao barroco. Essas duas categorias são importantes para a
compreensão dos seus sermões, seus pressupostos educativos e a proposta da
construção do seu “Quinto Império”. Etimologicamente, a palavra “barroco” designava,
no século XVII, duas coisas: uma pérola de pequeno valor e “forma irregular” ou
uma espécie de silogismo escolástico (MOISÉS, 1993, p. 66). Como termo técnico, “barroco” era toda forma
de arte que fugisse aos padrões estabelecidos pela escola classicista da
Renascença (SUZY MELLO, 1983). A palavra foi rapidamente introduzida nas
línguas francesa e italiana. Como
período histórico, o Barroco vai de 1580 a 1756 e compreende a pintura, a
arquitetura, a escultura e a literatura.
Durante
muito tempo o barroco foi visto como “mau gosto”, “bárbaro” ou “extravagante”
em oposição à sobriedade e à civilidade da Renascença. A redescoberta do
barroco está associada às obras do crítico de arte Heinrich Wölfflin. Foi ele o primeiro a defender a idéia do
barroco como
uma categoria estética capaz de avaliar a história da pintura no Ocidente. Para
Wölfflin todos os estilos artísticos, no que pese suas divergências
secundárias, constituíam-se na verdade numa polaridade e alternância entre duas
grandes estruturas: a clássica e o barroco.
Wölfflin
desenvolve um sistema de análise pictórica de oposições estruturais entre o
estilo barroco e a renascença, em que para cada uma das características do
segundo haveria uma qualidade do primeiro (linear e pictórico; plano e
recessão, forma fechada e aberta; clareza e escuridão, multiplicidade e
unicidade).
Segundo Wölfflin, haveria uma oposição clara entre esses
dois estilos. Se no classicismo predomina a razão, a busca por uma “beleza
serena”, que provoca no espectador uma sensação de “bem-estar geral”, no
barroco, ao contrário há o predomínio da “emoção” e das imagens num redemoinho
“súbito e avassalador”.
Essa
intensidade dramática do Barroco é bem exemplificada nos quadros do pintor
flamengo Rubens (1577-1640) e
do holandês Rembrandt (1606-1669), que tematizou o mundo burguês e as cenas da
vida comum, como “A Ronda Noturna”, ou na exploração do jogo de luz e sombra,
na obra do pintor italiano Caravaggio (1573-1610) ou do espanhol Velázquez
(1599-1660), com “As meninas” ou do escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa,
mais conhecido como Aleijadinho (1730-1814).
Uma outra perspectiva do estudo do
barroco foi iniciada pelo também alemão Werner Weisbach. No seu livro O
barroco como
Arte da Contra – Reforma (Der Barock als Gegenrformation, de 1921) ele
expõe a tese de uma relação intrínseca entre o estilo artístico e o movimento
da Contra - Reforma. O barroco seria herdeiro da Inquisição e das idéias de Trento . Isso daria ao movimento um caráter eminentimente
conservador e anti-moderno. A arte barroca teria sido o melhor instumento do
Vaticano para combater a dissidência luterana e garantir a austeridade dos
costumes e a hegemonia política.
É visível a “afinidade eletiva” entre o barroco e o
catolicismo tridentino. Arquitetura, escultura, pintura, todas as belas artes,
serviram de expressão ao Barroco nos territórios católicos: na Espanha, Itália , Portugal
e na América Latina .
A arte barroca procurava comover intensamente o espectador. Nesse sentido, a
Igreja converteu-se numa espécie de espaço cênico, num teatro sacrum
onde eram encenados os dramas divinos e cotidianos.
Contrariamente
à arte do Renascimento, que buscava o predomínio da razão sobre os sentimentos,
no Barroco há uma exaltação dos sentimentos, a religiosidade é expressa de
forma dramática, intensa, procurando envolver emocionalmente as pessoas. A
literatura é exemplo disso como
comprovam a sermonística e a encenação dos “autos sacramentais”, peças teatrais
de argumento teológico, surgidas na Espanha, bastante apreciados pelo grande
público.
Do ponto
de vista formal, o barroco apresenta-se como uma reação contra a fixidez e a
rigidez clássicas, determinando, nas artes plásticas, o advento de formas
sensuais, generosas, dinâmicas, nas quais o movimento da linha “serpenteante”
tem uma importância decisiva, bem como os efeitos de luz na criação de
poderosos contrastes, distorções espaciais ou ilusões ópticas (trompe l'oeil).
Essa exuberância visual era produzida pelo requinte das formas e figuras, pela
dessimetria, na busca constante de exaltar os sentidos. Assim, tanto a pintura,
quanto a arquitetura, privilegia os aspectos cenográficos e decorativos – os
altares, as fachadas das igrejas - em detrimento de preocupações estruturais ou
formais.
É preciso lembrar o papel e o valor
das pregações públicas em uma sociedade ainda fortemente oral, e dominada pelo
catolicismo da Contra Reforma. Em comparação aos livros, que tinham pouca
circulação e os sermões atingiam diretamente o povo nos mais variados lugares.
Na verdade, trata-se de exaltar a fé, através do concurso das formas,
convertendo os templos em locais atraentes para os fiéis. Na literatura, o barroco apresenta
também uma valorização do culto da forma, elevando a expressão artística à
exploração das potencialidades lúdicas da linguagem e à sua capacidade de
surpreender e cativar o leitor através de efeitos inesperados, contrastes,
raciocínios lógicos paradoxais, das quais o Pe. Antonio Vieira será modelo.
A sermonística de Vieira é marcada
pela cadência das frases e pela veemência dos silogismos. Predomina a variedade
das figuras de linguagem, como
comparações, antíteses, hipérboles e metáforas e os recursos clássicos da
dialética.As primeiras tinham a intenção de envolver o ouvinte, “seduzi-lo”
para eletrizando-o com as palavras, conscientizá-lo. Por outro lado, o uso das
repetições, com finalidades enfáticas, como
“perguntas-respostas”, era utilizada, com reconhecida eficácia, para provocar a
reação do auditório.
Essa presença constante da dualidade e mesmo da mistura de
elementos aparentemente opostos vão se destacar no barroco. Assim, junto com a
temática religiosa, predominavam os temas mitológicos na pintura; a dualidade
entre presente e futuro, céu e inferno, num eterno jogo de poderes entre divino
e humano, no qual não há mais certezas. A dúvida é que rege a arte deste
período. E nas emoções o artista vê uma ponte entre os dois mundos e tenta
desvendá-las em suas representações. O Barroco Brasileiro teve início em 1601,
tendo como o
poema épico Prosopopéia, de Bento Teixeira (1560-1618), terminando com As
obras de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) em 1768.
A
cosmovisão barroca assenta-se numa epistemologia das coisas e das palavras, que
encontra no conceito de analogia a sua chave explicativa. O conceito de alegoria
(do grego allhgoria-alla-egorein – “dizer outra coisa”) remonta a
antiga Escola de Alexandria. Na verdade, a primeira aplicação
importante do método alegórico foi o comentário ao Gênesis feito por
Fílon de Alexandria (25 a .C.
- c. 50), em que esse procurava encontrar, por trás das palavras do texto, das
coisas, dos fatos ou das pessoas, verdades permanentes e profundas. A
predominância do alegórico sobre o literal, do símbolo sobre as coisas, foi
desenvolvida pela teoria hermenêutica de Orígenes (corpo, alma
e espírito), Agostinho e Aquino (“O quádruplo sentido da Escritura”) e como forma de interpretar
a arte e o mundo por Dante (ABBAGNANNO, 2000). Assim a alegoria tornou-se o
paradigma gnosiológico dos séculos XVI e XVII.
A
alegoria é, em síntese, aquilo que representa algo para dar a idéia de uma
outra coisa. Reino da metáfora e do simbolismo, sua utilização leva a um
refinamento extremo do como
transmitir uma determinada mensagem. Por isso seu habitat é muito mais
a arte que a ciência. A arte religiosa cristã, por isso mesmo, se tornou um dos
campos em que a alegoria mais foi usada, especialmente em duas épocas bem
distintas: nos anos de perseguição romana ao cristianismo primitivo, em que
peixes, touros, leões e pombos pintados nas paredes das escuras catacumbas
fizeram surgir o sentimento de identidade dos primeiros fiéis; e nos séculos
XVI e XVII, nos quais a Igreja Católica investiu forças no sentido de fazer da
arte sacra uma ferramenta para a catequese e a persuasão dos fiéis através da
sensibilidade. O “Sermão de Santo Antonio aos peixes”, pregado na cidade de São
Luiz do Maranhão, em 1654 é um exemplo disso.
A missa católica está em frontal oposição às idéias
reformadoras, em especial às calvinistas, que defendiam uma maior simplicidade
e racionalização do culto. Assim o Concílio de Trento, optou por utilizar a
alegoria na arte religiosa, recomendando que essas obras atingissem os fiéis
através da sensibilidade, e não pela razão, a fim de estimular a piedade pela
persuasão dos sentidos. Tratava-se de conquistar a consciência do observador,
mas não de forma racional como
queriam os protestantes. Antes deveriam “mostrar escondendo” garantindo uma
reverência ao sagrado, uma “vertigem” frente ao mistério e à santidade.
Ainda abalada pela Reforma, a Santa Sé necessitava de um
tipo de representação que fosse além do ideal renascentista de perfeição. Para que os fiéis não debandassem para a “pureza”
protestante, que tentava resgatar valores que haviam sido sufocados pela hierarquia
eclesiástica. Tornava-se urgente o resgate do subjetivismo e expressionismo nas
obras de cunho religioso e em especial na importância da educação.
No
entanto, essa ligação intrínseca entre o discurso católico e a estética barroca
é apenas um dos aspectos, dentre inúmeros outros que caracterizam o estilo
Barroco. Basta lembrar a existência inclusive de um “barroco” protestante, com
fortes expressões na música e na oratória sacra. Além disso, o conceito de
barroco tem mesmo sido recuperado por estudiosos na interpretação de sociedades
e culturas pós-coloniais.
---
Fonte:
Rodson Ricardo Souza do Nascimento: “O púlpitocomo cátedra: retórica e educação nos sermões
do Pe. Antônio Vieira: 1608-1697” .
(Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de
Doutor em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. José Willington Germano).
Natal, 2007.
Rodson Ricardo Souza do Nascimento: “O púlpito
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário