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Vieira e a Clavis Profetarum
Na Clavis Profetarum de
Vieira desaparece a figura do Supremo Imperador do Quinto Império tão abordada
em outras obras proféticas, pois já não haverá mais um Rei messiânico a viver
entre os homens, “mas apenas uma igreja governada pelo vigário de Cristo,
coadjuvado na sua acção pelos príncipes seculares”. O sentido da universalidade
de sua profecia, de seu pensamento e de sua interpretação
escatológica da História se amplia nesta obra, que é escrita em latim e não
mais em português (como
ocorrera em todas as suas obras anteriores). Mas vale ressaltar que esta obra
não se distingue muito principalmente do conteúdo História do Futuro e
da Apologia das Coisas Profetizadas, o que denota a unicidade de sua
obra profética como um todo, pois conforme observa Braz Teixeira:
[...
] na formulação final que veio a encontrar no texto, embora inconcluso, ou
truncado, da Clavis Profetarum, nada mudou no essencial mantendo -se ela,
substancialmente, a mesma que se prefigurava no plano da História do Futuro e
cujo conteúdo, em grande parte, se encontra argumentada e funda-mentadamente
exposto na denominada Apologia das coisas profetizadas e na 2º Representação
que Vieira dirigiu ao Tribunal do Santo Ofício no âmbito de sua defesa das
grandes acusações de que era alvo.
Um dos temas centrais abordados
na Clavis trata do tempo previsto por Deus para re-velar os seus
mistérios que se dariam na Consumação do Reino de Cristo na terra. Mesmo os
profetas do Novo Testamento, especialmente São Pedro, o “Príncipe dos
Apóstolos”, que conheceu por iluminação divina o mistério da redenção, não
sabia o “período de tempo destina-do por Deus em que devia completar-se, porque
o mistério lhes tinha sido revelado, mas não o tempo”. No caso específico do profeta Daniel, após as
revelações feitas a este, o anjo lhe disse: “Quanto a ti Daniel, cerra as tuas
palavras e sela o livro até ao tempo determinado”. E acrescentou: “muitíssimos
passarão e múltipla será a ciência”. Nesta passagem do capítulo 12 de
Daniel, segundo Vieira, é plausível a possibilidade dada por Deus de se
perscrutar os Seus mistérios e o tempo em que ocorrerão, pois:
Deus
diverte-se à maneira daqueles que prometem um prêmio a quem adivinhar um
enigma proposto, para que principalmente os sábios se exercitem, pia e
louvadamente, na perscrutação dos seus arcanos, o que nunca teriam feito os
Profetas que o Príncipe dos Apóstolos refere e elogia, se não fosse plenamente
do seu conhecimento que isso era agradável a Deus.
Em respeito à onipotência de
Deus, único que sabe tudo sobre o futuro e provedor da infinita sabedoria a
respeito de todos os tempos, Vieira alerta que “não nos convêm, enquanto
vivemos entre os mortais, conhecer antecipadamente, antes que aconteçam, os
tempos das coisas futuras, os quais estão guardados só na vontade e no poder de
Deus, a saber, nos seus divinos decretos”.
Porém, o jesuíta justifica em
seu argumento estes desejos puros e sinceros de se conhecer as coisas futuras,
afirmando que eles nem sempre são vãos, mas podem ser “sólidos, graves e dignos
de um homem tão grande quanto foi Daniel”. Pois a este “homem de desejos”, foi revelado o tempo oculto durante muitos séculos, o
tempo da salvação e da redenção humana.
Este exemplo de Daniel e muitos
outros usados por Vieira, são para mostrar que é possível pelo menos
conjecturar, afirmar o que parece provável acerca deste tempo impreciso. Esta
afirmação foi colocada principalmente por causa do fim do mundo ou dia do
Juízo, que Deus quis que fosse secreto para os anjos e para os homens, em um
constante esforço por par-te do jesuíta de mostrar que mesmo Deus tendo feito
este decreto, isso não impede que se possa opinar com probabilidade sobre a
duração do mundo, “não definindo o dia ou a hora, nem o mês e o ano, mas um
tempo entendido de forma mais lata e moral, apenas com um termo pre-fixado
indeterminadamente”.
O importante para o jesuíta era
que a pregação do Reino de Cristo chegasse até os confins da terra, de modo
que:
[...
] segundo os testemunhos tão conformes de toda a Sagrada Escritura, há de vir o
tempo em que todos os Reis, todas as nações, todas as línguas, todas as terras
e todo o mundo inteiro não há de ter outra lei, outra fé, outra adoração,
outro sacrifício senão o de Cristo.
O modo para se fazer isso é
através da pregação do Evangelho, que não seria somente uma notícia geral, como
a que se deu no mundo pelos Apóstolos no princípio da Igreja e também a que se
deu em muitas nações no período contemporâneo de Vieira que só conheciam a Cristo
pelo nome, senão a que se daria pelos “próprios e determinados pregadores” não
especificados pelo missionário, mas que levariam o Evangelho a todas as
regiões do mundo inteiro conhecido.
A pregação apostólica não havia
atingido “todo o mundo”, apenas “saiu para lá”, pois uma “coisa é sair, outra
chegar”. O plano dos apóstolos ao saírem para pregar era que, após delineada
como num mapa toda a construção do Evangelho e esta posta diante de todos,
“cada um seguisse a sua linha, qualquer que fosse a direcção, e todos, cada
qual por seu lado e em linha reta, se lançassem no trabalho comum”. Mas, para
saberem do próprio Deus que linha era destinada a cada um, cabia a eles, tirar
a sorte, “do mesmo modo que ocorreu na eleição de Matias. Donde, assim como das sortes se diz
com propriedade ‘sair’, assim também da linha que cada um tirou à sorte se
estenderá com propriedade ‘saiu a linha deles”.
Esta
pregação, porém, não se estendeu a todo o mundo nem na época de Paulo, nem
mesmo séculos depois dela. Exemplo destes “excluídos do Evangelho” destacam-se
os bárbaros, denominados Tapuias, presentes no interior dos sertões e de
florestas do interior da América, uma multidão de negros da África
mediterrânea, povos da Ásia, especialmente o imenso império representado pela
China. Mas no período da pregação dos apóstolos, afirma Vieira, que eles
“fizeram em dez anos mais do que os pregadores posteriores em dez séculos, ou
melhor, em todos os séculos, desde a sua missão até agora”.
O jesuíta compara a pregação
apostólica com a pregação da ordem jesuítica da qual se insere, afirmando que a
primeira era confirmada com “milagres mais persuasivos do que qualquer outra
razão, aquilo que propunham e ensinavam”. Mas em ambos os casos houve a
interferência divina, seja pelo alcance da pregação através da fé, seja através
da ciência. Em ambos, tiveram que lidar com seitas distintas do cristianismo, como , por exemplo, o
paganismo, o judaísmo e a heresia. Neste sentido Vieira enfatiza os adeptos à
heresia de seu tempo, que aceitavam o Velho e o Novo Testamento, “crêem na
unidade e trindade de Deus” e recebem o mesmo batismo. Mesmo assim, havia uma
enorme variedade de heresias naquele tempo, que preocupavam o missionário em
sua “jornada apostólica” acerca da Consumação do Reino de Cristo na terra,
fazendo-o questionar:
Que
direi da sutileza dos sofismas, da ambigüidade das palavras? Que direi da
facilidade e liberdade em fundar uma nova seita, servindo-se muitas vezes de
umas mulherzitas sem vergonha, outras vezes de uns homúnculos da ralé baixa e
sórdida?
Na missão dos apóstolos de
evangelizar, o Senhor definiu que aqueles que ouvissem e cressem fossem salvos,
enquanto os que não cressem, fossem condenados. Mas Vieira tam-bém trata de
muitos povos que não creram porque não ouviram o Evangelho e busca definir qual
seria o destino destes. Para isso o missionário se utiliza de São Tomás quando
este ques-tiona se têm desculpa do pecado da infidelidade aqueles a quem não
chegou o Evangelho, como
foi o caso das pessoas criadas nas selvas. O jesuíta mostra a resposta do
Senhor para a questão, presente no capítulo 17 de João, afirmando que aqueles
que “não ouviram o Senhor falar, por si ou pelos seus discípulos, tem desculpa
do pecado da infidelidade”, mas não serão absolvidos das faltas que “contraíram
nascendo ou acrescentaram mal vivendo”. Porém, se algum destes fizesse o que
estivesse ao seu alcance, o Senhor enviaria alguém que lhes pre-gasse a palavra
como no momento em que enviou Pedro a Cornélio ou Paulo aos Macedônios, pois Deus, rico em bondade e em piedade, quer que todos se
salvem e Vieira, que todos os “salvos” façam parte de sua profecia acerca do
Quinto Império, advindo com a Consumação de Cristo na terra.
Portanto, nesta obra profética
de Vieira nota-se que além da busca de esclarecimento de como se daria o Quinto
Império do mundo, configurado no que o jesuíta denomina de Consumação de Cristo
na terra, ele explica o sentido universal que teria este império, a partir da
difusão do cristianismo pelos apóstolos e posteriormente pela ordem jesuítica
da qual fazia parte. Porém, de forma mais veemente do que em todas as suas
outras obras proféticas (ressaltando aqui principalmente a História do
Futuro, enfatizada mais do que a Apologia das coisas Profetizadas),
ele minimiza a argumentação em torno da figura de um imperador supremo em Portugal ,
escolhido por Deus para guiar a humanidade para um tempo de paz e harmonia
completas. Isso é feito com o objetivo de centrar a sua exegese na
universalidade, uniformidade e na unicidade deste reino terrestre, que é
central na analise de Vieira. Portanto, a realidade vivida pelo jesuíta no
período em que escreve é fundamental para o entendimento de sua argumentação:
já que o Rei Encoberto ainda não havia se apresentado da forma esperada, o
jesuíta encerra sua obra na tentativa, pelo menos, de convencer seus ouvintes
desta matriz explicativa que faz em torno da Consumação do reino de Cristo na
terra.
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Fonte:
Leonardo Soares Barbosa: “O Quinto Império: profecia e pragmatismo nos escritos de padre Antônio Vieira”. (Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em História na área de concentração: Narrativas, Imagens e Sociabilidades, da Universidade Federal de Juiz de Fora,como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª. Drª. Beatriz
Helena Domingues). Juiz de For a, 2010.
Leonardo Soares Barbosa: “O Quinto Império: profecia e pragmatismo nos escritos de padre Antônio Vieira”. (Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em História na área de concentração: Narrativas, Imagens e Sociabilidades, da Universidade Federal de Juiz de Fora,
Nota:
A imagem inicial inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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