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O “SOLDADO DESCONHECIDO”
No dia 5 de outubro de 2011,
a presidente do Brasil, Dilma Roussef, chegou à
Bulgária, terra do seu pai, para um compromisso oficial de dois dias.
Encontrando-se na capital Sófia com o presidente búlgaro, Georgui Parvanov,
recebeu deste a maior condecoração daquela república: a ordem Stara Planina.
Depois, ela participou de uma cerimônia que nos chamou a atenção: “Dilma
colocou uma coroa de flores com as cores da bandeira brasileira no túmulo do
soldado desconhecido [...]. Diante do monumento, ela foi recebida oficialmente
por seu anfitrião, com honras militares e os hinos das duas nações” (DILMA
INICIA..., 2011).
Cerimônias como essa não devem, no entanto, causar-nos
estranheza, pois túmulos de soldados desconhecidos são mais comuns do que
imaginamos. Tanto que existe até o Dia do Soldado Desconhecido, comemorado em
vários países em 28 de novembro. Numa simples pesquisa ao site Wikipédia
(2012a), é possível localizar diversos monumentos erigidos pelas nações em
honra a soldados desconhecidos, como aquele da Bulgária, mortos em batalha,
cujos corpos não foram identificados. Às vezes, trata-se de um túmulo
simbólico, chamado de cenotáfio, isto é, sem que necessariamente haja restos
mortais dentro dele.
No rastro do Wikipédia (2012a) e de Silva et al. (1966),
encontramos vários desses monumentos, da Polônia à Austrália, da Argentina à
Rússia, do Chile à Inglaterra, da França à Índia. Enquanto o mais antigo
conhecido é o Landsoldaten (“Soldado de Infantaria”), de 1849, da
Primeira Guerra de Schleswig (1848-1851), em Frederícia (Dinamarca), talvez o
mais famoso seja o “Túmulo ao Soldado Desconhecido” norte-americano, atração
turística do Cemitério Nacional de Arlington (Vírgínia). Deste, Silva et al.
(1966, p. 1403) dizem que:
coube ao sargento
Younger, sobrevivente da guerra, condecorado pelos governos francês e
americano, designar, entre quatro esquifes, o do Soldado Desconhecido. Com os
olhos vendados, depositou num esquife um buquê de flores: era assim designado o
Soldado Desconhecido americano. No dia 11 de novembro de 1921, era o esquife
conduzido ao cemitério de Arlington ,
sendo ali inumado. A inscrição do túmulo dizia: “Aqui repousa, em honra e
glória, um soldado americano, somente conhecido por Deus”.
Edificar e consagrar túmulos de soldados desconhecidos
tombados em guerra, a partir da I Guerra Mundial (1914-1918), parece ter sido
uma tendência consequente à iniciativa britânica para com um herói não
identificado, morto na Guerra e sepultado com honras nacionais, em 1920, na
Abadia de Westminster. Esse soldado simbolicamente representava todos os demais
soldados do Império Britânico mortos em combate. O caso britânico é muito
parecido com o americano na forma da escolha, ou, antes, por ser mais antigo,
serviu-lhe de modelo: “para ser escolhido o Soldado Desconhecido inglês, muitos
corpos foram exumados nos campos de campanha, em Flandres, e um oficial, de
olhos vendados, tocou com a mão direita um dos esquifes” (SILVA et al., 1966,
p. 1403).
Depois vieram os exemplos notáveis da França, com seu famoso túmulo ao
soldado desconhecido sob o Arco do Triunfo, em Paris, também inaugurado em
1921, escolhido pelo soldado Auguste Thin, dentre oito esquifes que se achavam
na câmara mortuária da cidadela de Verdun (MOMENTOS..., 2012); e também da
Bélgica, Itália, Polônia, Portugal, Grécia e Iugoslávia, todos inaugurados na
década de 1920.
No Brasil, talvez o monumento mais expressivo, nesse
sentido, seja o erigido no Rio de Janeiro, em 1960, em homenagem aos
“pracinhas”, combatentes brasileiros mortos na Itália, durante a II Guerra
Mundial (1939-1945), cujos restos mortais foram resgatados do cemitério de
Pistoia, na Itália (SILVA et al., 1966, p. 1404; WIKIPÉDIA, 2012b).
O caso de Portugal, citado acima, é de grande interesse para
nós, pois mereceu de Coelho Netto (2007, p. 19-22) uma crônica, por ocasião do
fato. Tal consagração se deu, na realidade, em relação a dois soldados, um
morto na França, e outro em Moçambique, cuja autorização de traslado dos corpos
foi dada pelo governo em março de 1921. Todo o cerimonial, de repercussão
nacional, desde o embarque até o sepultamento oficial, tomou vários dias do mês
de abril. Detalhes dos fatos, várias fotografias e até um vídeo podem ser
vistos no site português Momentos de História (2012).
Intitulada “O soldado desconhecido”, a crônica de Coelho
Netto foi publicada originalmente na sua coluna semanal no jornal carioca A
Noite (31 mar. 1921), e coligida em
Às quintas, publicação de 1924. Coelho Netto (2007), ali, elogia a
bravura e o esforço de todos os soldados que dignificaram a nação de
Portugal, em suas conquistas, e toma o “soldado desconhecido” como símbolo de
todos os anônimos, assim na morte como na vida, que se entregaram pela pátria
lusitana. Ele diz:
As Nações não escolhem,
não têm preferências, buscam apenas no morto um distintivo que lhe assinale a
origem e, tanto que o descobrem, tomam-no a si e, desde logo, aquele despojo
anônimo da Morte, transfigurado em símbolo, é inscrito na ata da cerimônia
sublime com o nome de Povo mártir, esse “Ninguém” que é tudo, esse tumulto que
entra na História dissolvido em heroísmo, como o sal no oceano (COELHO NETTO, 2007, p. 20).
E “esse ninguém que é tudo” é especialmente invocado para
designar o coração de um Povo, no caso o português, mas bem poderia ser, para
Coelho Netto, o brasileiro, eis por que esse cerimonial deveria servir, segundo
ele, de exemplo às nações:
E que monumento mais
significativo e mais verdadeiro poderia, cada uma das Nações guerreiras, erigir
em memória do seu Povo do que esse, constituído de um bocado desse mesmo Povo?
O bronze é metal, o
mármore é pedra, e que neles afeiçoa a figura é o estatuário. O soldado
desconhecido é corpo, plasma divino em terra, foi o sacrário de uma alma,
latejou nele um coração cheio de amor patriótico, amor tão grande que suplantou
todos os outros amores, levando-o a morrer por ele em terra alheia, só porque
para terra tal, ao apelo de outros que se ajuntavam, em enxame, em volta da
Humanidade, seguira a bandeira do seu Portugal, tão pequenino na geografia e
tão grande em projeção na História (COELHO NETTO, 2007, p. 20-21).
Sendo o que sobrou de uma vida, sucumbido no anonimato, esse
misterioso defunto havia de falar sem palavras. Para Coelho Netto, o culto à
memória do herói ignoto serviria de consolo poético a todas as mães e esposas
cujos filhos ou maridos, dados como mortos/
desaparecidos, caíram em terra estranha: “Esse soldado desconhecido, que entra
a terra portuguesa representando o Povo luso, passará ante os olhos das
mulheres de luto como
uma urna colhendo lágrimas”. E completa: “Todas poderão ver nele o que perderam
– o sem nome terá todos os nomes; o desconhecido será o amado de todos; o anônimo
será a multidão, um símbolo como a bandeira, que também é nada e é tudo” (COELHO
NETTO, 2007, p. 21).
O herói-morto-desconhecido abarca, pois, sentidos de
existência, de continuidade, de comunhão perpétua, e é tomado aqui como
elemento inspirador de integração coletiva em torno da ideia de nação, pois,
mesmo depois de extinto da terra, permanece espiritualmente a ela ligado (no
seu legado e no símbolo que representa para os vivos). Escolher heróis
desconhecidos como símbolos pátrios equivale a dizer que a Pátria hoje amada já
foi amada antes, e a corrente que passa de geração a geração não pode ser
quebrada, pois é um vínculo espiritual a unir os de agora com os que já se
foram e com os do porvir. Eis uma das facetas da propaganda nacionalista
moderna.
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Fonte:
Claunísio Amorim Carvalho: “O
insigne pavilhão: nação e nacionalismo na obra do escritor Coelho Netto”. (Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social (Mestrado
Acadêmico) da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção
do grau de Mestre em História Social. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Izabel Barboza
de Morais Oliveira). São Luís, 2012.
Nota:
A imagem inserida no texto não se
inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de
que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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