12/09/2015

Uma praga rogada nas escadas da forca, de Camilo Castelo Branco (Conto)

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A equação vida-obra

Camilo Castelo Branco, como o primeiro escritor português profissional que foi, produziu muito e sempre teve, em vida, um público cativo e bastante variado. Com a necessidade de atender às demandas de um mercado editorial exigente e em ascensão, Camilo utilizou todos os recursos de que dispunha para agradar seus leitores e assim garantir o seu sustento. Não é à toa, portanto, que o escritor abusará na construção de um narrador que, no mais das vezes, confunde-se com o próprio autor e utilizará sem restrições o eterno discurso da veracidade de suas histórias.

Concomitante a essa preocupação em vender seus romances, vive também o indivíduo Camilo que, incontestavelmente, possui uma biografia romanesca, repleta de temas que, de fato, o escritor parece recuperar em sua escrita: a orfandade, o rapto e fuga com Patrícia Emília, o caso de amor adúltero com Ana Plácido, o cárcere, a loucura do filho Jorge, a doença.

Não me interessa aqui discutir o porquê da recorrência destes temas na ficção camiliana. Seja porque Camilo produzia baseando-se em sua vida, seja porque via nisso uma espécie de manobra comercial, o escritor aproximou de tal forma sua obra de sua vida que, mesmo depois de sua morte, a discussão acerca da relação entre ambas continuou ganhando força.

Tamanha foi a importância dispensada a esta relação que, um ano após a morte de Camilo (1º de junho de 1890), Alberto Pimentel publica um livro intitulado O romance do Romancista: vida de Camilo Castelo Branco, com a proposta de, como já sugere o título, transformar a vida do romancista Camilo em um romance, articulando passagens biográficas e trechos ficcionais encontrados na produção do escritor. Ainda seguindo esta mesma linha de atuação, algumas décadas mais tarde, já em 1942, Teixeira de Pascoaes publica o que chamou de “biografia romanceada” de Camilo Castelo Branco, intitulada O Penitente.

O fato é que este interesse incessante pela vida arrebatadora de Camilo ganha força através de tais publicações biográficas e passa a integrar também os estudos críticos sobre a sua vasta obra. Estes estudos que até então procuravam através da obra compreender a vida, parecem agora seguir o caminho inverso, buscando na vida a compreensão da obra.

Já no estudo As modernas idéias na Literatura Portuguesa, de Teófilo Braga, crítico contemporâneo a Camilo, é possível notar a recorrência de análises biográficas. Para justificar a variedade de posturas adotadas por Camilo em suas diversas produções, Braga aponta para dois elementos biográficos que, mais tarde, como veremos, estarão no cerne do que virá a ser a tradição crítica camiliana. Em primeiro lugar, o estudioso destaca a condição comercial do escritor que “obedeceu às necessidades materiais de cada dia pondo-se à mercê das exigências dos livreiros” (1892, p.241).

Assim sendo, segundo Braga, pelo fato de depender financeiramente da venda de seus livros, Camilo não poderia aderir completamente a um ou outro discurso, desenvolvendo, portanto, uma atividade que “não o deixava seguir um plano de vida, nem prosseguir uma idéia fundamental” (1892, p.242). Paralelamente a essa condição comercial que, segundo Carlos Reis traz “repercussões negativas” (1990, p.75) à obra do escritor, há ainda segundo Braga um fator preponderante no indivíduo Camilo: o temperamento instável, resultado de “uma vida tempestuosa, começada por uma infância aos baldões, por uma adolescência irresponsável, sem disciplina, ao acaso dos recursos econômicos, e à aventura dos afetos [...]” (1892, p. 241).

Estas duas características do escritor de Amor de Perdição – a condição comercial e a instabilidade emocional – justificariam a existência em Camilo de “dois escritores, que se destacam claramente em sua obra: o idealizador sentimental, religioso, afetivo, e o caricaturista cheio de ironias, comprazendo-se em representar as aberrações risíveis da natureza humana” (1892, p.240).

Parece ser, em certa medida, a partir das análises de Teófilo Braga que grande parte dos estudos críticos passaram a adotar essa visão dualista do legado camiliano e as justificativas para esta dualidade continuam tendo sua origem na biografia do autor.


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Fonte:
Juliana Yokoo Garcia: "Amores contrariados, puros e abnegados?" (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Professor Doutor Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2008.

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