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A equação
vida-obra
Camilo Castelo Branco, como o primeiro escritor
português profissional que foi, produziu muito e sempre teve, em vida, um
público cativo e bastante variado. Com a necessidade de atender às demandas de
um mercado editorial exigente e em ascensão, Camilo utilizou todos os recursos
de que dispunha para agradar seus leitores e assim garantir o seu sustento. Não
é à toa, portanto, que o escritor abusará na construção de um narrador que, no
mais das vezes, confunde-se com o próprio autor e utilizará sem restrições o
eterno discurso da veracidade de suas histórias.
Concomitante a essa preocupação em vender seus
romances, vive também o indivíduo Camilo que, incontestavelmente, possui uma
biografia romanesca, repleta de temas que, de fato, o escritor parece recuperar
em sua escrita: a orfandade, o rapto e fuga com Patrícia Emília, o caso de amor
adúltero com Ana Plácido, o cárcere, a loucura do filho Jorge, a doença.
Não me interessa aqui discutir o porquê da
recorrência destes temas na ficção camiliana. Seja porque Camilo produzia baseando-se
em sua vida, seja porque via nisso uma espécie de manobra comercial, o escritor
aproximou de tal forma sua obra de sua vida que, mesmo depois de sua morte, a
discussão acerca da relação entre ambas continuou ganhando força.
Tamanha foi a importância dispensada a esta relação
que, um ano após a morte de Camilo (1º de junho de 1890), Alberto Pimentel
publica um livro intitulado O romance do Romancista: vida de Camilo Castelo
Branco, com a proposta de, como já sugere o título, transformar a vida do
romancista Camilo em um romance, articulando passagens biográficas e trechos
ficcionais encontrados na produção do escritor. Ainda seguindo esta mesma linha
de atuação, algumas décadas mais tarde, já em 1942, Teixeira de Pascoaes publica
o que chamou de “biografia romanceada” de Camilo Castelo Branco, intitulada O
Penitente.
O fato é que este interesse incessante pela vida
arrebatadora de Camilo ganha força através de tais publicações biográficas e
passa a integrar também os estudos críticos sobre a sua vasta obra. Estes
estudos que até então procuravam através da obra compreender a vida, parecem
agora seguir o caminho inverso, buscando na vida a compreensão da obra.
Já no estudo As modernas idéias na Literatura
Portuguesa, de Teófilo Braga, crítico contemporâneo a Camilo, é possível notar
a recorrência de análises biográficas. Para justificar a variedade de posturas
adotadas por Camilo em suas diversas produções, Braga aponta para dois
elementos biográficos que, mais tarde, como veremos, estarão no cerne do que
virá a ser a tradição crítica camiliana. Em primeiro lugar, o estudioso destaca
a condição comercial do escritor que “obedeceu às necessidades materiais de
cada dia pondo-se à mercê das exigências dos livreiros” (1892, p.241).
Assim sendo, segundo Braga, pelo fato de depender
financeiramente da venda de seus livros, Camilo não poderia aderir
completamente a um ou outro discurso, desenvolvendo, portanto, uma atividade
que “não o deixava seguir um plano de vida, nem prosseguir uma idéia
fundamental” (1892, p.242). Paralelamente a essa condição comercial que,
segundo Carlos Reis traz “repercussões negativas” (1990, p.75) à obra do
escritor, há ainda segundo Braga um fator preponderante no indivíduo Camilo: o
temperamento instável, resultado de “uma vida tempestuosa, começada por uma
infância aos baldões, por uma adolescência irresponsável, sem disciplina, ao
acaso dos recursos econômicos, e à aventura dos afetos [...]” (1892, p. 241).
Estas duas características do escritor de Amor de Perdição
– a condição comercial e a instabilidade emocional – justificariam a existência
em Camilo de “dois escritores, que se destacam claramente em sua obra: o
idealizador sentimental, religioso, afetivo, e o caricaturista cheio de
ironias, comprazendo-se em representar as aberrações risíveis da natureza
humana” (1892, p.240).
Parece ser, em certa medida, a partir das análises
de Teófilo Braga que grande parte dos estudos críticos passaram a adotar essa
visão dualista do legado camiliano e as justificativas para esta dualidade
continuam tendo sua origem na biografia do autor.
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Fonte:
Juliana Yokoo Garcia: "Amores contrariados, puros e abnegados?" (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Professor Doutor Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2008.
Fonte:
Juliana Yokoo Garcia: "Amores contrariados, puros e abnegados?" (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Professor Doutor Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2008.
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