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O brasileiro na obra de Camilo Castelo Branco
A época da
Independência constituiu-se, portanto, como um primeiro período privilegiado
para se apreender as imagens e representações, próprias a cada uma das
respectivas elites políticas e intelectuais, indicando os valores distintos que
uma cultura política comum tinha a capacidade de assimilar. Objetivos e anseios
distintos levaram à elaboração de imagens entre colônia e metrópole, que
perduraram ao longo do século XIX e que podem ser encontradas, inicialmente, na
polêmica estabelecida entre os principais jornais e folhetos da época, tanto
aqueles publicados no Brasil, quanto em Portugal. Do lado de cá, os brasileiros
viam nos escritos impressos em Lisboa um meio para "inflamar os espíritos
e promover a desunião do Brasil", devido aos insultos que traziam. Do lado
de lá, os portugueses procuravam ressaltar a ingratidão do Brasil em relação à
Pátria-Mãe, que lhe concedera tantos benefícios sob a forma do
constitucionalismo, ao buscar nesse momento quebrar a integridade do império
através de sua separação. (Lúcia Maria Bastos Pereira Neves, Brasil e Portugal:
imagens e percepções distintas entre povos irmãos ao longo da primeira metade
do oitocentos, 2005).
A figura do brasileiro na literatura portuguesa só
aparece com destaque a partir das novelas camilianas. Até então, havia apenas o
interesse pelo comércio e pela emigração nessa relação luso-brasileira.
Alexandre Herculano escreveu Futuro Literário de Portugal e do Brasil, na
Revista Universal Lisbonense, de 1847, e comentou a respeito do avanço do
progresso literário no Brasil e sobre o acontecimento da literatura portuguesa
em terras brasileiras. A ótica de Alexandre Herculano sobre o Brasil é outra,
diferente da de Garrett. Para Herculano, o Brasil representava um grande
mercado de obras literárias portuguesas, uma visão até certo ponto
mercantilista, enquanto para Garrett o cenário brasileiro apresenta-se de forma
valorosa, substancial, quanto à questão especificamente literária.
Camilo Castelo Branco apresenta uma obra volumosa e
repleta de aspectos culturais atinentes ao Portugal do século XIX. Apresenta
diversas facetas da sociedade e persiste na utilização dos morgadios e de
velhos preconceitos, apontando assim para os aspectos arcaicos, em relação às
literaturas inglesas e francesas, de sua obra. Um inconformismo marca a
biografia de Camilo, e a sua literatura será espelho desse 34 sentimento:
antipatia pelo espírito burguês, à caça ao lucro e ao dote, e críticas severas
ao brasileiro. É através da expressão caricatural, sobretudo, que o autor
expressa suas críticas, utilizando-se, ao mesmo tempo, de uma linguagem
sarcástica e cheia de densidade, objetividade e de persuasão. Camilo retrata
com fidelidade as figuras nortenhas de seu tempo, alcançando a análise que
talvez nenhum outro ficcionista tenha conseguido realizar.
A relação luso-brasileira de Camilo inicia-se
quando, após uma desilusão amorosa, em 1855, o escritor decide ir para o Brasil
e esquecer o passado angustiante. Tal decisão deu-lhe o adido honorário na
delegacia portuguesa do Rio. Mas Camilo não consegue vir para o Brasil concluir
seus planos e decide então ir para o norte de Portugal, onde encontra um
intenso movimento emigratório para o Brasil.
No ano seguinte, em 1856, escreve A Neta do
Arcediago, uma primeira história denunciadora do olhar crítico e preconceituoso
do autor em relação à imagem do brasileiro. Uma sensual mulata brasileira dá a
luz a um filho de um nobre português. O escritor transmite a esse filho um
caráter tortuoso, cheio de comportamentos indignos perante a sociedade.
Representa-se aqui a importância dessa obra camiliana por dois motivos: uma das
primeiras presenças da mulher brasileira em sua obra e a transferência de toda
a tragédia do romance ao filho da mulata, o brasileiro. Vale ressaltar que o
jovem brasileiro por diversas vezes é tratado como o "filho da
mulata". O retrato do brasileiro é notadamente marcado por Vieira:
Nas primeiras
melodramáticas e românticas novelas de Camilo, essas figuras impulsionam a
acção e são mostradas como exemplo das riquezas ganhas do Brasil. Os
portugueses brasileiros são descritos como truões materialistas, gordos e burgueses,
em evidente contraste com os jovens idealistas portugueses, desafiando tudo e
todas para o campo amoroso. Os brasileiros são desdenhados e ridicularizados
pelo ultra-romântico, antiburguês e satírico Camilo, por serem contrários ao
ideal romântico. Eis porque eles, seu mundo e contactos com o Brasil são
descritos pejorativamente. Através de tais personagens, o Brasil entra
indirectamente nas primeiras novelas românticas de Camilo. (VIEIRA,
1991:86)
Nessa passagem, Vieira oferece um possível entendimento
de toda a caricaturização feita por Camilo dos portugueses brasileiros, quando
aponta o nãocumprimento do ideal romântico por parte destes. Decorre então toda
a descrição torta e defeituosa do tipo aqui analisado. São os ideais românticos
portugueses não sendo seguidos, nem respeitados pelos brasileiros.
Um outro acontecimento, a visita do Imperador do
Brasil a Portugal em 1871, aproxima o brasileirismo à obra de Camilo Castelo
Branco. Tal visita de D. Pedro não é bem recebida por parte dos jovens portugueses.
Camilo, mesmo tendo em sua mente já alguma visão sobre a brasilidade, recebe em
sua casa o Imperador e se vê, em alguns momentos, tendo que agir em defesa de
D. Pedro. É justamente neste período que surgem incisivamente os
pseudobrasileiros e os verdadeiros brasileiros nos romances camilianos. Na
verdade, poucos são os brasileiros nativos, fazendo valer significativamente no
roteiro bibliográfico do escritor a presença dos retornados, dos portugueses
brasileiros, sendo sempre vistos de forma depreciativa pelas outras personagens
dos romances.
[...]
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Fonte:
Fábio André Cardoso Coelho: "Personagens brasileiras no romance português do século XIX". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras – área de concentração em Literatura Portuguesa, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de mestre. Linha de Pesquisa: Literatura Portuguesa e outros campos do saber Orientador: Prof. Dr. Sérgio Nazar David). Rio de Janeiro, 2005.
Fonte:
Fábio André Cardoso Coelho: "Personagens brasileiras no romance português do século XIX". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras – área de concentração em Literatura Portuguesa, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de mestre. Linha de Pesquisa: Literatura Portuguesa e outros campos do saber Orientador: Prof. Dr. Sérgio Nazar David). Rio de Janeiro, 2005.
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