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Introdução
Em
geral na maioria das vezes tenho reproduzido meus escritos antigos – da era
pré-internet – deixando-os como saiu na publicação original. Neste caso, porém,
me dediquei a fazer a revisão devido às implicações de ordem cronológica.
Revisei datas, confirmei nomes e – seguindo ensinamento de Gabriel García
Márquez – excluí a maioria das palavras terminadas em “mente”. O fantasma de
Gabo me persegue: todas as vezes que chego nessa encruzilhada ouço a voz
sepulcral me alertando sobre a expressão “mente”, até que – por fim – se tornou
um ótimo exercício para este escrevinhador. Tenho muito cuidado com as traições
que arrastam consigo “um”, “uma”, “meu”, “minha”, “os”, “as” – possessivos na
extrema acepção do termo, que insistem invadir a cabeça dos escritores: por
isso o receio de deixar pra trás qualquer escorregadela – esse negócio de citar
nomes, datas, excertos de obras é trabalhoso e merece cuidados. De qualquer
modo, sou grato a Gabriel García Márquez pelo conselho e por deixar à
disposição o seu fantasma: que me persiga para sempre, amém.
O
exemplar do D. O. Leitura que este artigo foi publicado já se encontra
amarelado e podre. Urgia digitalizá-lo antes que se esfarelasse – fui à luta,
pois... Publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (IMESP), sob a
regência de Wladimir Araújo (Editoria) e Ionaldo Cavalcanti (Arte), o D. O.
Leitura provocou reviravolta nas edições culturais, tendo como foco a liberdade
de expressão, aberta a todos os pensamentos. Ora, direis, não deveria ser
sempre assim? Deveria, mas não é. Nas vinte páginas do exemplar citado – D. O.
Leitura, São Paulo 5(49) jun. 1986 – a variedade de publicados abrange grande
parte dos temas culturais:
“Carlos Gomes: 150 anos”, de Juvenal Fernandes. Neste artigo Juvenal Fernandes
não só resume a vida e a obra de Antônio Carlos Gomes (Obra completa e quadro
cronológico), como dá a conhecer José Pedro de Sant’Anna Gomes, irmão mais
velho, virtuose em violino, viola e clarineta, ele mesmo compositor de duas
óperas. Sant'Anna Gomes deixou herdeiros musicais nas figuras dos filhos
Alfredo Gomes, violoncelista com bolsa e prêmios em Bruxelas e Alice Gomes
Grosso, pianista. Alice deu sequência à família de Maneco Gomes – o patriarca:
é mãe de Iberê Gomes Grosso (cello), Alda Grosso Borgeth (violino) e Ilara
Gomes Grosso (piano). E por aí vai...
“Cana-de-açúcar x Café”, de Ernani Silva Bruno, trata da disputa entre as duas
importantes agriculturas em terras paulistas, cavoucando suas raízes a partir
do Século XVIII.
“O dialeto crioulo e a literatura em
Cabo Verde”, de João Alves das Neves,
artigo em que especula sobre o avanço da fala cabo-verdiana, cuja amplitude
literária e gramatical deixa margem a interrogações se já não é uma língua. Em
quadro o autor enfeixa pequena antologia da poesia de Cabo Verde escritas em
dialeto crioulo.
Audálio
Dantas escreve “Gil Passarelli, caçador
de imagens”, em que ressalta, ilustrado pelas próprias imagens do
fotógrafo, a qualidade da fotorreportagem na imprensa.
Anita
Leocádia Prestes, em “A coluna Prestes,
uma nova visão”, a filha de Luiz Carlos Prestes busca respostas para a
pergunta: – Então, por que a Coluna?
“O Alienista: tese, antítese e síntese”, de Eduardo Maffei, escritor e médico, tenta escapar do
labirinto “entre o trágico da loucura e a comédia da normalidade",
analisando a obra-prima de Machado de Assis. “Talvez o Dr. Simão Bacamarte
ainda esteja recolhido aos seus livros na Casa Verde de Itaguaí, à sua
procura”.
“A lepra e a cobra”, de Lycurgo de Castro, trilha o caminho da lepra
antes de tornar-se hanseníase, em época que eram atribuídas à doença as causas
mais extravagantes, ocasionando tratamentos mais extravagantes ainda.
“O budismo japonês em São Paulo”, de Yukyo Ponce, descobre que existe pontos de
atritos entre os budistas brasileiros e a vertente nipônica. Quem diria!
“A literatura de cordel em São Paulo”, no qual Franklin Maxado, ele mesmo cordelista
paulistano, desvenda a produção da poesia popular nordestina em pleno coração
de São Paulo, na Praça da República e bairros onde a presença do nordestino é
prevalente.
Afora
tantos artigos, o D. O. Leitura reserva duas páginas para resenha de livros,
concursos e prêmios literários, coisa rara hoje em dia. É ou não é uma
publicação de peso? Por isso e por essas é que não me canso de elogiar o
trabalho árduo de Wladimir Araújo e Ionaldo Cavalcanti nos idos em que tínhamos
nos esquecido de como fazer cultura com liberdade.
Rio de Janeiro, Cachambi, 22 de julho de
2014.
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