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FIM DOS SÉCULOS
A Moniz Freire
O século declina: é
tarde no Planeta.
Todos tremem fitando
a cíclica ampulheta,
quando, banhada já na
aurora do seguinte,
da areia o último
grão rolar:
– Século XX!
Grande foi a jornada.
É chegado o momento
do repouso final,
hora de testamento.
O espírito analisa,
em rápido inventário,
o que pôde formar no
espólio centenário:
o telégrafo uniu os
velhos continentes;
a civilização uniu
todas as gentes.
Ao verbo criador do
Gênio, num só dia,
o sol da Indústria, a
luz elétrica surgia.
Mergulharam, sutis,
sondas do engenho humano,
o aerostato no espaço
e o escafandro no oceano.
O infusório cresceu à
luz do microscópio;
o infinito jorrou
mundos ao telescópio.
O átomo foi medido, o
céu teve igual sorte;
analisou-se a vida e
analisou-se a morte.
Mas depois que, da
ciência, as zonas perlustrara,
ao entrar o homem na
alma, a alma lhe disse: “Pára!”
Então, desanimado, em
torno lança a vista
e, descrendo de sua
universal conquista,
na febre do saber,
que o atrai e que o repele,
vê: – Mistério a seus
pés, mistério acima dele
e dentro em si, na
luz e na treva – mistério.
A ciência que traçou
no labirinto etéreo,
da estrada sideral a
indefinida linha,
no espírito,
entretanto, um palmo não caminha!
Demais, a perfeição
fora tocar-lhe a meta,
pois que, sem isto, a
ciência é uma ilusão completa.
E viu o homem,
perdida a crença de seus sonhos,
dentro de cada abismo
abismos mais medonhos.
O destino é um
problema, outro problema a origem:
que poder nos criou,
que forças nos dirigem?
A eternidade é um
traço, e nós e o verme e a estrela
menos somos que um
ponto imperceptível dela.
***
Eis a herança que
lega o século cadente
à pobre humanidade
ávida e impaciente,
sem cessar batalhando
em todos os terrenos:
– Alguns mundos de
mais, muitas crenças de menos.
E, quando a última
crença, estrela transitória,
de todo se extinguir
na larga trajetória
que a ambição lhe
traçou, através da Matéria,
buscando o último sol
na última raia etérea?!
Ai de nós! que será
se, novo Édipo, a ciência
confunde a antiga
Esfinge invencível e vence-a,
entrando dentro da
alma, ao nosso olhar velada,
para dizer: “O enigma
é simplesmente... nada”?!
Sol, que tombas no
ocaso, os teus futuros dias,
vindos na sucessão
das épocas sombrias,
que, de assombros,
trarão de trágica surpresa
ao homem, rei de
posto em frente à Natureza!
É possível que,
então, depois de longo eclipse,
como quem percorreu a
curva de uma elipse
volta ao ponto
inicial donde partiu, a crença
há de talvez voltar
de novo mais intensa;
que é lei da Evolução
marchar eternamente,
sem nunca exorbitar
da esfera contingente,
de novo percorrendo
os pontos percorridos
e, sem cessar,
seguindo os trâmites seguidos.
Se este século, ó
sol, também no seu ocaso,
vai marcar ao
progresso humano o último prazo;
extinta a crença,
extinto o ingênuo fetichismo,
ó sol, sublime
Helioth, do teu sagrado abismo,
manda um raio
incendido em cólera divina!
Fulmina a humanidade
e com ela fulmina
o esfalfado planeta!
A História está bem cheia;
porque recomeçar a
trágica Odisséia?!
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