04/08/2015

Ciropédia, de Xenofonte

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Síntese Narrativa

A Ciropedia foi escrita por volta de 360 a.C.. O enredo trata da vida de Ciro, o Velho, fundador do Império persa, desde o seu nascimento até sua morte.

O Livro I abre com um proêmio (Livro I, 1.1-6), no qual o narrador reflete sobre as dificuldades de se governar, concluindo que esta é uma tarefa árdua, mas não impossível, pois descobriu em sua pesquisa que existiu certo Ciro que se fez respeitar e amar pelos súditos de seu Império. No capítulo 2, narra-se a genealogia e as qualidades naturais de Ciro e o sistema educacional persa, pelo qual Ciro, como cidadão, teria passado. Nos capítulos 3 e 4 narra-se de modo romanesco a visita de Ciro à corte de seu avô materno Astíages, rei da Média32. Ciro decide permanecer na Média para aperfeiçoar-se e tornar-se o melhor, quando retornasse à Pérsia. É interessante que Ciro revela à sua mãe os limites da educação persa e justifica a sua estadia na Média pelo complemento da sua educação. No Capítulo 4 (16-24), quando estava com quinze ou dezesseis anos, Ciro participa com extraordinária bravura de sua primeira expedição bélica. Após essa experiência, Ciro retorna à Pérsia (I, 5), prosseguindo sua formação cívica e moral de acordo com o sistema educacional descrito no capítulo 2, distinguindo-se dos seus compatriotas no cumprimento dos seus deveres. Após dez anos, Ciro é escolhido pelos anciãos do conselho para liderar o exército persa, na aliança com a Média em guerra contra a Assíria (I, 5.2-5) e faz seu primeiro discurso como líder aos principais generais (I, 5.6-14). Por fim, o último capítulo do primeiro livro é um longo diálogo entre Ciro e seu pai Cambises e este, enquanto acompanha seu filho até a fronteira da Pérsia com a Média, expõe as qualidades que devem adornar um bom chefe militar e os conhecimentos para obter a obediência de seus soldados.

O Livro II e o Livro III (este até o capítulo 3, parágrafo 9) formam uma unidade temática. O capítulo 1 do Livro II inicia-se com o relato dos preparativos para a campanha. Há um catálogo dos inimigos e dos aliados (II, 1.5-6) e as primeiras atuações de Ciro como chefe militar, resolvendo a falta de contingente, equipando os soldados rasos com o mesmo armamento dos soldados de elite (II, 1.9) e organizando concursos e recompensas para fomentar a emulação e treinar seus homens (II, 1.11-18). No capítulo 2, dá-se lugar a um simpósio na tenda de Ciro, na qual se reúnem os principais generais do exército, que narram pequenas e divertidas anedotas da vida cotidiana do exército. Após Ciro acertar com os seus subordinados a forma de divisão dos espólios (II, 3), inicia-se a campanha da Armênia (II, 4 – III, 1), antiga aliada da Média que se negava a pagar os impostos cobrados pelos aliados e sua submissão a Ciro, que tem seu ponto alto no diálogo entre Ciro e Tigranes, filho do rei Armênio, que tenta salvar seu pai do julgamento em que Ciro representa o papel de juiz. No Livro 3, capítulo 2, relata-se a expedição à Caldeia em que Ciro conclui a paz entre a Armênia e a Caldeia.

Do Livro III, 3.9 até o Livro V, 1.36, a narrativa trata da expedição à Assíria. Começa com os preparativos, o discurso exortativo, a discussão entre Ciro e Ciaxares a respeito da tática que se deve seguir (III, 3.9-55); prossegue com a marcha contra o inimigo e a primeira batalha, que garante a vitória aos persas (III, 3.56 - IV, 1.18). A despeito do temor de Ciaxares, Ciro, junto com alguns voluntários medos, persegue os inimigos (IV, 1.19-24) e consegue o apoio dos hircanos, ex-aliados dos assírios (IV, 2). Nos capítulos 3, 4 e 5 do Livro IV, Ciro projeta e organiza uma cavalaria persa; nestes capítulos se contrastam a figura de Ciaxares, incapaz e ciumento do êxito de Ciro, e este, empreendedor e triunfante. No capítulo 6 (Livro IV), conta-se a história de Góbrias, o desertor do rei Assírio. O filho de Góbrias fora assassinado pelo rei Assírio, pois ficara com ciúmes da beleza do jovem. A última seção do livro IV (6.11-12) narra a divisão de espólio e fica-se sabendo que a Ciro coube a dama de Susa, a mulher mais formosa da Ásia, Pantéia.

O Livro V se inicia com a narrativa da bela Pantéia, propriamente dita. Ciro convoca Araspas para guardar Pantéia. Os dois travam um diálogo a respeito do amor, e apesar das advertências de Ciro sobre os perigos de Eros, Araspas se apaixona pela bela prisioneira. Entrementes, continua a campanha contra a Assíria, com Góbrias dando valiosas informações sobre aquele país a Ciro (V, 2) que resulta em enfrentamentos de menor importância (V, 3) e no aliciamento do assírio Gadatas, que assim como Góbrias tinha motivos de sobra para odiar o rei Assírio (V, 3.8 - V, 4). Em V, 5, Ciaxares e Ciro restabelecem a aliança, após Ciro convencê-lo de que sua inveja é infundada.

Do Livro VI até o Livro VII, 1. 2, a obra se refere à campanha a Sardes, capital da Lídia. Após os primeiros preparativos (VI, 1.31-55), a narrativa retorna as personagens de Araspas e Pantéia. Ciro, aproveitando que seu soldado apaixonara-se pela bela prisioneira, envia-o como espião dos inimigos. Pantéia, grata por Ciro ter garantido sua dignidade diante dos ataques apaixonados de Araspas, envia uma carta ao seu marido, Abradatas, que trai o rei Assírio, indo juntar-se ao exército de Ciro. Abradatas se prepara com a armadura feita do ouro das jóias da esposa para ser o melhor aliado possível para Ciro. Segue-se a narração de corte técnico-militar, com Ciro fortalecendo seu exército com os aliados da India (VI, 2), o treinamento dos soldados (VI, 2.4-8), a organização para a batalha (VI, 2.23-41), a ordem de marcha (VI, 3.1-4) e as últimas exortações e instruções de Ciro (VI, 4.12 - VII, 1.22). Em VI, 4.2-11, Pantéia despede-se de Abradatas, que parte para a batalha na posição mais perigosa de luta.

O primeiro capítulo do Livro VII narra a batalha de Sardes, com a morte de Abradatas pelos egípcios (VII, 1.29-32). Ciro derrota o inimigo e toma a cidade (VII, 1.36 - VII, 2.14); ele se encontra com o rei da Lídia, Creso (VII, 2.15-29); e Pantéia, após velar seu esposo, se suicida (VII, 3. 4-16).

A partir de VII, 4, até VII, 5.36, narra-se a marcha para a Babilônia e a submissão dos povos das regiões pelas quais Ciro atravessa: a Cária, as Frígias, a Capadócia e a Arábia. A partir desse ponto, Ciro torna-se soberano, assentando-se no trono da Babilônia (VII, 5.37-69), granjeando o favor dos súditos e tomando medidas para manter a unidade do Império (VII, 5.70-86). Góbrias e Gadatas se vingam do rei Assírio, matando-o.

O Livro VIII trata da organização da corte (VIII, 1.1-8) e prossegue com a organização do Império (VIII, 1.9 - VIII, 2.28). Em VIII, 3.1-34, narra-se o desfile 28 triunfal com toda a magnificência, completando a imagem de um Ciro no cume da glória. Depois de um banquete com seus amigos de sempre (VIII, 4), Ciro retorna à Pérsia e à Média, formalizando uma união com este país, ao casar-se com a filha de Ciaxares (VIII, 5). Em VIII, 6, Ciro estabelece uma instituição sem precedentes, a satrapia, para controlar as diversas províncias do Império. O capítulo 7 deste Livro VIII apresenta Ciro já ancião, perto de uma morte natural em sua cama e rodeado por seus filhos; discursa a eles suas últimas palavras, estabelecendo a sucessão de seu trono.

A narrativa termina com um Epílogo (VIII, 8) no qual o narrador descreve a decadência do Império após a morte de Ciro, atribuindo-a à perda dos valores morais, por parte tanto dos súditos quanto dos seus governantes, valores estes que fizeram possível a glória passada.

O Epílogo tem sido objeto de muita discussão por parte dos críticos, que se dividem em aceitá-lo como texto autêntico de Xenofonte (DELEBECQUE, 1957; BREITENBACH, 1966; SANSALVADOR, 1987;) ou como espúrio, um acréscimo posterior dos comentadores (HÉMARDINQUER, 1872; BIZOS, 1972). Alguns tradutores, como Jaime Bruna (1965), considerando espúrio o texto, não o apresentam em suas traduções, terminando a obra no capítulo 7 do Livro VIII. Os estudiosos alegam que o epílogo apresenta traços que destoam do tom idealista do resto da obra. Jaeger (1995, p.1157), no entanto, observa que a estrutura do epílogo é a mesma da estrutura do epílogo da Constituição dos Lacedemônios e que é improvável que ambas as obras tenham sofrido acréscimos idênticos posteriormente.

Compartilhamos a posição que aceita o epílogo como autêntico, pois a base das contradições é só aparente (SANSALVADOR, 1987; DELEBECQUE, 1957) e respondem a um interesse do autor em contrastar o passado esplendoroso com o momento atual por meio da expressão [...] ainda hoje”. O Epílogo se concentra no contraste do passado glorioso com a decadência atual do Império. Delebecque (1957) estabelece que o [...] se refere à Pérsia liderada pelo soberano Artaxerxes II, que, na visão de Xenofonte, encarnava a decadência do Império, aludindo-se ao seu despotismo e deslealdade (VIII, 8, 4) e à revolta das províncias ocidentais do Império, que teria ocorrido entre 362-361 a.C.

Devemos notar, por outro lado, que Xenofonte dirigia-se a um público grego, principalmente ateniense, que outrora também fora um grande e glorioso império, porém assistia naquela época à decadência de sua política. Talvez nosso autor, como 29 antes fizera Aristófanes em suas comédias, pretendesse apresentar uma advertência aos próprios atenienses, mostrando-lhes que a glória do passado estava intimamente relacionada com princípios morais que a tradição transmitia e que a decadência decorria do desapego destes mesmos princípios.

Bodil Due (1989, p.16) defende a autenticidade do Epílogo como produto natural do desenvolvimento da obra, reconhecendo tanto o estilo de Xenofonte por meio de vocabulário e construções sintáticas, quanto a continuação do plano inicial estabelecido por Xenofonte no proêmio. O objeto de pesquisa era o ato de governar os homens, (archeim anthropon), e os governantes fazerem-se obedecer, (peithesthai tois archousi). Para Due, a decadência moral apresentada por Xenofonte relaciona-se à incapacidade dos líderes “pós-Ciro” de conseguirem a obediência de seus súditos, pois os costumes morais e cívicos instituídos por Ciro deixaram de ser respeitados.

Assim compreendido, o Epílogo forma juntamente com o Proêmio uma moldura ao redor da vida de Ciro, e esta passa a ser um “quadro” que ilustra as ideias contidas nesta moldura.

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Fonte:
Emerson Cerdas
: “A Ciropedia de Xenofonte: Um romance de formação na Antiguidade”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Araraquara, visando à obtenção do título de Mestre em Estudos Literários Orientadora: Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti Linha de Pesquisa: Teoria e Crítica da Narrativa. Bolsa: FAPESP). Araraquara, 2011.

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