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Síntese Narrativa
A Ciropedia foi escrita por volta
de 360 a .C..
O enredo trata da vida de Ciro, o Velho, fundador do Império persa, desde o seu
nascimento até sua morte.
O Livro I abre com um proêmio
(Livro I, 1.1-6), no qual o narrador reflete sobre as dificuldades de se
governar, concluindo que esta é uma tarefa árdua, mas não impossível, pois
descobriu em sua pesquisa que existiu certo Ciro que se fez respeitar e amar
pelos súditos de seu Império. No capítulo 2, narra-se a genealogia e as
qualidades naturais de Ciro e o sistema educacional persa, pelo qual Ciro, como
cidadão, teria passado. Nos capítulos 3 e 4 narra-se de modo romanesco a visita
de Ciro à corte de seu avô materno Astíages, rei da Média32. Ciro decide
permanecer na Média para aperfeiçoar-se e tornar-se o melhor, quando retornasse
à Pérsia. É interessante que Ciro revela à sua mãe os limites da educação persa
e justifica a sua estadia na Média pelo complemento da sua educação. No
Capítulo 4 (16-24), quando estava com quinze ou dezesseis anos, Ciro participa
com extraordinária bravura de sua primeira expedição bélica. Após essa
experiência, Ciro retorna à Pérsia (I, 5), prosseguindo sua formação cívica e
moral de acordo com o sistema educacional descrito no capítulo 2,
distinguindo-se dos seus compatriotas no cumprimento dos seus deveres. Após dez
anos, Ciro é escolhido pelos anciãos do conselho para liderar o exército persa,
na aliança com a Média em guerra contra a Assíria (I, 5.2-5) e faz seu primeiro
discurso como líder aos principais generais (I, 5.6-14). Por fim, o último
capítulo do primeiro livro é um longo diálogo entre Ciro e seu pai Cambises e
este, enquanto acompanha seu filho até a fronteira da Pérsia com a Média, expõe
as qualidades que devem adornar um bom chefe militar e os conhecimentos para
obter a obediência de seus soldados.
O Livro II e o Livro III (este
até o capítulo 3, parágrafo 9) formam uma unidade temática. O capítulo 1 do
Livro II inicia-se com o relato dos preparativos para a campanha. Há um
catálogo dos inimigos e dos aliados (II, 1.5-6) e as primeiras atuações de Ciro
como chefe militar, resolvendo a falta de contingente, equipando os soldados
rasos com o mesmo armamento dos soldados de elite (II, 1.9) e organizando
concursos e recompensas para fomentar a emulação e treinar seus homens (II,
1.11-18). No capítulo 2, dá-se lugar a um simpósio na tenda de Ciro, na qual se
reúnem os principais generais do exército, que narram pequenas e divertidas
anedotas da vida cotidiana do exército. Após Ciro acertar com os seus
subordinados a forma de divisão dos espólios (II, 3), inicia-se a campanha da
Armênia (II, 4 – III, 1), antiga aliada da Média que se negava a pagar os
impostos cobrados pelos aliados e sua submissão a Ciro, que tem seu ponto alto
no diálogo entre Ciro e Tigranes, filho do rei Armênio, que tenta salvar seu
pai do julgamento em que Ciro representa o papel de juiz. No Livro 3, capítulo
2, relata-se a expedição à Caldeia em que Ciro conclui a paz entre a Armênia e
a Caldeia.
Do Livro III, 3.9 até o Livro V,
1.36, a narrativa trata da expedição à Assíria. Começa com os preparativos, o
discurso exortativo, a discussão entre Ciro e Ciaxares a respeito da tática que
se deve seguir (III, 3.9-55); prossegue com a marcha contra o inimigo e a
primeira batalha, que garante a vitória aos persas (III, 3.56 - IV, 1.18). A
despeito do temor de Ciaxares, Ciro, junto com alguns voluntários medos,
persegue os inimigos (IV, 1.19-24) e consegue o apoio dos hircanos, ex-aliados
dos assírios (IV, 2). Nos capítulos 3, 4 e 5 do Livro IV, Ciro projeta e
organiza uma cavalaria persa; nestes capítulos se contrastam a figura de
Ciaxares, incapaz e ciumento do êxito de Ciro, e este, empreendedor e
triunfante. No capítulo 6 (Livro IV), conta-se a história de Góbrias, o
desertor do rei Assírio. O filho de Góbrias fora assassinado pelo rei Assírio,
pois ficara com ciúmes da beleza do jovem. A última seção do livro IV (6.11-12)
narra a divisão de espólio e fica-se sabendo que a Ciro coube a dama de Susa, a
mulher mais formosa da Ásia, Pantéia.
O Livro V se inicia com a
narrativa da bela Pantéia, propriamente dita. Ciro convoca Araspas para guardar
Pantéia. Os dois travam um diálogo a respeito do amor, e apesar das
advertências de Ciro sobre os perigos de Eros, Araspas se apaixona pela bela prisioneira.
Entrementes, continua a campanha contra a Assíria, com Góbrias dando valiosas
informações sobre aquele país a Ciro (V, 2) que resulta em enfrentamentos de
menor importância (V, 3) e no aliciamento do assírio Gadatas, que assim como
Góbrias tinha motivos de sobra para odiar o rei Assírio (V, 3.8 - V, 4). Em V,
5, Ciaxares e Ciro restabelecem a aliança, após Ciro convencê-lo de que sua
inveja é infundada.
Do Livro VI até o Livro VII, 1. 2, a obra se refere à campanha
a Sardes, capital da Lídia. Após os primeiros preparativos (VI, 1.31-55), a
narrativa retorna as personagens de Araspas e Pantéia. Ciro, aproveitando que
seu soldado apaixonara-se pela bela prisioneira, envia-o como espião dos
inimigos. Pantéia, grata por Ciro ter garantido sua dignidade diante dos
ataques apaixonados de Araspas, envia uma carta ao seu marido, Abradatas, que
trai o rei Assírio, indo juntar-se ao exército de Ciro. Abradatas se prepara
com a armadura feita do ouro das jóias da esposa para ser o melhor aliado
possível para Ciro. Segue-se a narração de corte técnico-militar, com Ciro
fortalecendo seu exército com os aliados da India (VI, 2), o treinamento dos
soldados (VI, 2.4-8), a organização para a batalha (VI, 2.23-41), a ordem de
marcha (VI, 3.1-4) e as últimas exortações e instruções de Ciro (VI, 4.12 -
VII, 1.22). Em VI, 4.2-11, Pantéia despede-se de Abradatas, que parte para a
batalha na posição mais perigosa de luta.
O primeiro capítulo do Livro VII
narra a batalha de Sardes, com a morte de Abradatas pelos egípcios (VII,
1.29-32). Ciro derrota o inimigo e toma a cidade (VII, 1.36 - VII, 2.14); ele
se encontra com o rei da Lídia, Creso (VII, 2.15-29); e Pantéia, após velar seu
esposo, se suicida (VII, 3. 4-16).
A partir de VII, 4, até VII,
5.36, narra-se a marcha para a Babilônia e a submissão dos povos das regiões
pelas quais Ciro atravessa: a Cária, as Frígias, a Capadócia e a Arábia. A
partir desse ponto, Ciro torna-se soberano, assentando-se no trono da Babilônia
(VII, 5.37-69), granjeando o favor dos súditos e tomando medidas para manter a
unidade do Império (VII, 5.70-86). Góbrias e Gadatas se vingam do rei Assírio,
matando-o.
O Livro VIII trata da organização
da corte (VIII, 1.1-8) e prossegue com a organização do Império (VIII, 1.9 -
VIII, 2.28). Em VIII, 3.1-34, narra-se o desfile 28 triunfal com toda a
magnificência, completando a imagem de um Ciro no cume da glória. Depois de um
banquete com seus amigos de sempre (VIII, 4), Ciro retorna à Pérsia e à Média,
formalizando uma união com este país, ao casar-se com a filha de Ciaxares
(VIII, 5). Em VIII, 6, Ciro estabelece uma instituição sem precedentes, a
satrapia, para controlar as diversas províncias do Império. O capítulo 7 deste
Livro VIII apresenta Ciro já ancião, perto de uma morte natural em sua cama e
rodeado por seus filhos; discursa a eles suas últimas palavras, estabelecendo a
sucessão de seu trono.
A narrativa termina com um
Epílogo (VIII, 8) no qual o narrador descreve a decadência do Império após a
morte de Ciro, atribuindo-a à perda dos valores morais, por parte tanto dos
súditos quanto dos seus governantes, valores estes que fizeram possível a
glória passada.
O Epílogo tem sido objeto de
muita discussão por parte dos críticos, que se dividem em aceitá-lo como texto
autêntico de Xenofonte (DELEBECQUE, 1957; BREITENBACH, 1966; SANSALVADOR,
1987;) ou como espúrio, um acréscimo posterior dos comentadores (HÉMARDINQUER,
1872; BIZOS, 1972). Alguns tradutores, como Jaime Bruna (1965), considerando
espúrio o texto, não o apresentam em suas traduções, terminando a obra no
capítulo 7 do Livro VIII. Os estudiosos alegam que o epílogo apresenta traços
que destoam do tom idealista do resto da obra. Jaeger (1995, p.1157), no
entanto, observa que a estrutura do epílogo é a mesma da estrutura do epílogo
da Constituição dos Lacedemônios e que é improvável que ambas as obras tenham
sofrido acréscimos idênticos posteriormente.
Compartilhamos a posição que
aceita o epílogo como autêntico, pois a base das contradições é só aparente
(SANSALVADOR, 1987; DELEBECQUE, 1957) e respondem a um interesse do autor em
contrastar o passado esplendoroso com o momento atual por meio da expressão [...]
ainda hoje”. O Epílogo se concentra no contraste do passado glorioso com a
decadência atual do Império. Delebecque (1957) estabelece que o [...] se refere
à Pérsia liderada pelo soberano Artaxerxes II, que, na visão de Xenofonte,
encarnava a decadência do Império, aludindo-se ao seu despotismo e deslealdade
(VIII, 8, 4) e à revolta das províncias ocidentais do Império, que teria
ocorrido entre 362-361 a .C.
Devemos notar, por outro lado,
que Xenofonte dirigia-se a um público grego, principalmente ateniense, que
outrora também fora um grande e glorioso império, porém assistia naquela época
à decadência de sua política. Talvez nosso autor, como 29 antes fizera
Aristófanes em suas comédias, pretendesse apresentar uma advertência aos
próprios atenienses, mostrando-lhes que a glória do passado estava intimamente
relacionada com princípios morais que a tradição transmitia e que a decadência
decorria do desapego destes mesmos princípios.
Bodil Due (1989, p.16) defende a
autenticidade do Epílogo como produto natural do desenvolvimento da obra,
reconhecendo tanto o estilo de Xenofonte por meio de vocabulário e construções
sintáticas, quanto a continuação do plano inicial estabelecido por Xenofonte no
proêmio. O objeto de pesquisa era o ato de governar os homens, (archeim
anthropon), e os governantes fazerem-se obedecer, (peithesthai tois archousi).
Para Due, a decadência moral apresentada por Xenofonte relaciona-se à
incapacidade dos líderes “pós-Ciro” de conseguirem a obediência de seus
súditos, pois os costumes morais e cívicos instituídos por Ciro deixaram de ser
respeitados.
Assim compreendido, o Epílogo
forma juntamente com o Proêmio uma moldura ao redor da vida de Ciro, e esta
passa a ser um “quadro” que ilustra as ideias contidas nesta moldura.
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Fonte:
Emerson Cerdas: “A Ciropedia de Xenofonte: Um romance de formação na Antiguidade”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Araraquara, visando à obtenção do título de Mestre em Estudos Literários Orientadora: Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti Linha de Pesquisa: Teoria e Crítica da Narrativa. Bolsa: FAPESP). Araraquara, 2011.
Emerson Cerdas: “A Ciropedia de Xenofonte: Um romance de formação na Antiguidade”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Araraquara, visando à obtenção do título de Mestre em Estudos Literários Orientadora: Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti Linha de Pesquisa: Teoria e Crítica da Narrativa. Bolsa: FAPESP). Araraquara, 2011.
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